Mulher trans tem matrícula negada em academia para mulheres: 'Desrespeito'
No fim de outubro, o Ministério Público de Goiás apresentou denúncia contra a proprietária de uma academia destinada ao público feminino, em Anápolis, por ter recusado a matrícula de uma mulher trans. O MP recomendou que o estabelecimento pague uma indenização de R$ 10 mil à goiana Jhenyfer Marine, 30 anos, pelos danos morais sofridos.
Em entrevista a Universa, Jhenyfer conta que buscou a academia Espaço Fernanda Fitness em setembro, por estar localizada no mesmo bairro onde mora e achar que ficaria mais à vontade para malhar pelo fato de a unidade ser voltada somente para alunas mulheres. "Mandei mensagem em uma sexta-feira pelo WhatsApp para a secretária da academia para saber os valores porque queria começar na segunda, mas senti certa reticência dela em passar as informações, como se estivesse me enrolando", relata.
Na troca de mensagens obtida por Universa, a funcionária diz que vai consultar a dona da academia, Fernanda Caetano, e Jhenyfer pergunta se haveria algum receio de ela frequentar o espaço por ser uma mulher trans. A resposta veio somente na segunda-feira com a alegação de que ela não poderia ser matriculada pelo fato de a academia ser exclusiva para mulheres.
"Não é receio, devido ao padrão da academia ser só para mulheres não conseguimos atender o seu pedido de matrícula", escreveu a funcionária na mensagem, pedindo ainda a compreensão de Jhenyfer. A goiana tentou argumentar que era mulher e chegou a enviar seus documentos, com o nome e o gênero retificados.
"Nunca fui discriminada em outros lugares e é irônico que exatamente num local onde imaginei que estaria mais confortável eu tenha passado por isso. Fiquei muito triste, me senti destratada e desrespeitada. Isso é transfobia", desabafa Jhenyfer, que se reconhece como mulher desde os 11 anos e, há quatro deu entrada no processo de retificação dos documentos.
Caso foi denunciado e agora aguarda julgamento
Na época, Jhenyfer fez um print de toda a conversa, publicou em uma rede social narrando o ocorrido e registrou um boletim de ocorrência numa delegacia especializada em crimes raciais e delitos de intolerância na cidade. No Brasil, lgbtfobia é crime equiparável ao racismo e pode resultar em pena de um a cinco anos de detenção.
Responsável pela defesa da goiana, o advogado Alex Costa, que também é presidente da Comissão de Diversidade da OAB Anápolis, informa que após o registro de ocorrência foi aberto um inquérito policial e a proprietária da academia foi indiciada pelo crime de racismo na categoria transfobia, sendo enquadrada no artigo 9° da Lei 7.616/89, que prevê sobre a negação de acesso ou atendimento em estabelecimentos esportivos, casas de diversões ou clubes sociais abertos ao público.
O processo corre sob segredo de Justiça. "Agora, o Ministério Público propôs essa indenização. A acusada tem dez dias para apresentar sua defesa antes de ser instaurada a audiência de instrução e julgamento do caso", explica Alex a Universa. O advogado acrescenta que o Ministério Público não ofereceu à proprietária da academia o Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) por entender que isso seja insuficiente para reprovar e inibir o crime de racismo na modalidade de transfobia.
"O ANPP geralmente é um instrumento que oferece penas alternativas como doação de valores a instituições de caridade ou prestação de serviços comunitários, mas aqui a promotoria foi bem sensível ao caso e decidiu pelo prosseguimento da denúncia", observa Alex, que acredita também que o valor proposto inicialmente pelo MP não repara o dano causado e chega a ser ínfimo diante do faturamento da academia. "Mas esse valor pode aumentar a depender da avaliação do juiz", pondera.
Universa tentou contato com a proprietária da academia para mulheres em Anápolis para ouvir sua versão sobre o caso, mas não conseguiu retorno pelos telefones indicados nas páginas do estabelecimento nas redes sociais.
"Decidi não me calar"
Com seu caso ganhando repercussão e agora denunciado pelo Ministério Público, Jhenyfer espera por justiça. "Vi muita gente comentando nas redes sociais que eu estava fazendo isso para tirar vantagem, para conseguir dinheiro, mas eu nem preciso disso. Só que me calar também ajuda a reforçar o preconceito, então, quem sabe expondo, as coisas mudam", diz a goiana, que precisou fazer acompanhamento psicológico para lidar com a exposição da história.
Ela acredita que levar a denúncia adiante é uma forma de ajudar a reconhecer o seu direito assim como de outras pessoas trans. "Muitos também falaram que eu estava errada em tentar me matricular numa academia para mulheres, só que esse é o meu direito. Sou mulher e a lei me reconhece assim. As pessoas acham que podem te julgar, te tratar diferente, mas sou ser humano igual, pago impostos igualmente. Nós, trans, merecemos ser respeitadas", finaliza.
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