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'No pole dance, descobri que autoestima é uma porta que não se fecha mais'

A publicitária Ingrid Astasio, 27 anos, se tornou professora de pole dance - Arquivo pessoal
A publicitária Ingrid Astasio, 27 anos, se tornou professora de pole dance Imagem: Arquivo pessoal

Ingrid Astasio em depoimento a Luciana Bugni

Colaboração para Universa, em São Paulo

07/11/2022 04h00

"Descobri que existia pole dance na novela 'Duas Caras', em 2007. Na trama, a personagem de Flávia Alessandra dava aulas e eu fiquei fascinada pensando que queria fazer isso. Sempre tive muita afinidade com o esporte, jogava handball, praticava vôlei e fazia natação. Fui uma criança dos anos 90 que dançava axé sempre que podia, nas atividades do colégio e nas festinhas.

Minha primeira experiência em uma barra de pole dance foi quando já estava na faculdade —e nem gostei muito do lugar onde comecei a praticar porque era mais voltado para acrobacias. Anos mais tarde, tentei de novo em outro estúdio que trabalhava o coreográfico. Aí confirmei o que eu já achava: era muito mágico, mas também muito difícil e exigia muita força —era meu lugar.

É muito comum as pessoas procurarem o pole dance porque querem um exercício que use força, mas não querem ficar na academia. Até hoje, após seis anos praticando e dando aulas, há coisas que eu olho e penso que nunca serei capaz de fazer, seja por falta de flexibilidade ou de força. Mas percebi que minha prática é suficiente para mim e entendi minha individualidade. Não é porque eu não consigo fazer tal giro que não estou fazendo algo incrível.

Agora sei da minha capacidade, que a evolução nem é linear —até o clima interfere. Se minha dúvida era se eu ia conseguir levar isso adiante, hoje vejo que a resposta foi rápida. Mas esse questionamento vai sendo arrastado junto com a gente: como lidar com o corpo, como você se enxerga, como entende a dor das travas e faz o corpo ficar calejado. É preciso saber que pode ser frustrante, é importante não comparar. E driblei esse momento encontrando redes de apoio.

Mas como eu, uma mulher com um corpo fora do padrão, acharia essas pessoas se o Google só mostra gente magra praticando?

Eu pensava: onde estão as pessoas como eu que estão fazendo pole dance? Aí, na internet, a gente foi se encontrando e criei o senso de comunidade. Quem estava há mais tempo me explicou que esses questionamentos eram parte do processo.

In - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
'No pole, dizem: não brinque com uma mulher que gosta de ficar de cabeça para baixo por diversão', diz Ingrid Astasio
Imagem: Arquivo pessoal

'Descobri um poder que estava guardado'

No meu primeiro dia de aula, estava com camisa branca e shorts comprido, toda tímida. Hoje estou dançando de salto e fio dental e está tudo bem. Tudo mudou: eu não tinha o hábito de me olhar no espelho e hoje pratico em frente a um; exercer a sensualidade era algo que não acontecia e agora dizem que sou sexy. O pole me ajudou a descobrir um poder que estava ali guardadinho.

Comecei a me olhar, me conhecer, gostar do meu corpo. Eu dizia: 'olha o que estou conseguindo fazer! Olha do que meu corpo é capaz'! E isso é algo totalmente meu. Assim como a roupa me escondia, e isso mudou, na rua eu também mudei e agora quero mostrar que não vim à toa.

A Ingrid era quieta no canto, a Dona Dih é dona do negócio. Estou aqui na frente, vou liderar, eu tenho voz e é assim que vai ser.

Entendi que a autoestima é muito além do físico. É uma lição que abre portas que não se fecham mais. Você entende tanto de si que não consegue voltar para aquele passado ruim. É claro que tem altos e baixos, nem todo dia é perfeito, mas me tornei muito forte e não me deixo mais me reprimir.

É engraçado: nunca usei roupa que mostrasse minhas curvas. Não sei se tinha essa desenvoltura e estava adormecida, mas agora que eu sei que tenho, vou botar para jogo. A arte é uma forma de descoberta desse despertar. Tanto que se reflete também no meu trabalho como publicitária: comecei a tomar conta do espaço, um espaço que já era meu e eu não sabia.

'Meu mantra é ser a professora que eu gostaria de ter tido'

Ingrid - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ingrid Astasio: 'A arte do pole dance se reflete também no meu trabalho como publicitária'
Imagem: Arquivo pessoal

Uma vez me perguntaram se eu daria aulas e eu disse que sim, desde que as alunas fossem gordas ou não magras. Eu já estava fazendo capacitação e aprendendo didática e me convidaram para fazer um projeto: "Mulherão" é uma turma para mulheres gordas e não magras. Meu mantra é ser a professora que eu gostaria de ter tido.

Acho que é isso que faz a diferença no meu trabalho: entender cada aluna como um ser único. O "Mulherão" surgiu porque nove mulheres viram uma foto minha e confiaram em mim. Hoje, já dei aula para gente que nunca fez pole na vida, ou gente que já havia tentando e insistiu. Às vezes, nosso trabalho vira roda de terapia.

Trazer essa pauta é muito importante e virou minha missão de vida. Estou aqui para ajudar essas mulheres a se encontrarem e descobrirem juntas que são mulheres f***. Aceitação não é sobre perfeição, é sobre o que seu corpo consegue fazer. Por que eu vou esconder um corpo que é capaz de fazer coisas tão incríveis?

Infelizmente o pole não vai evitar que as pessoas digam "isso não é para você". Mas vai ajudar a ignorar quem disser isso.

Quando você para de fazer pelos outros, tudo é para você. Aí você sorri e acena, porque aquilo que a outra pessoa está dizendo não afeta mais.

Aprendi a aceitar elogios. Mas quando alguém diz "nossa, queria ser como você", eu devolvo que fico feliz que queiram ser como eu, mas eu quero que saibam como ser elas mesmas é tão incrível quanto. Sempre que vem um elogio de uma pessoa que se sente fortalecida por algo que eu publiquei é importante para mim porque é essa mudança coletiva que faz crescer o indivíduo. Mas tem quem diga que queria ter essa coragem que eu tenho. Por que eu deveria ter coragem, por expor meu corpo? Daí tenho vontade de perguntar se a pessoa é fã ou hater.

'Sensualidade, às vezes, não é visível'

In - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ingrid Astasio, 27 anos, é conhecida como Dona Dih
Imagem: Arquivo pessoal

No pole, dizem: 'não brinque com uma mulher que gosta de ficar de cabeça para baixo por diversão'. A gente está ali sentindo dor, ficando roxa... O desafio é inexplicável. Eu coloco uma calcinha porque preciso disso para aumentar o atrito, mas também preciso disso para me olhar assim e dizer que meu corpo é esse e eu uso o que eu quiser. A realização é pessoal, técnica, é uma atividade completa que trabalha com autoestima, autoconfiança.

Meu conselho é: vá por você. Sei que é muito difícil não se comparar, mas isso vai ser muito importante para o seu desenvolvimento. Não deu certo na primeira? Tenta mais uma. Assim como o pole é plural de público, é também plural na experiência. Não é porque ele é para todo mundo que todo mundo vai fazer a mesma coisa. É sobre encontrar seu espaço e se encontrar também.

Eu sei que o pole é muito associado a sensualidade e sexualidade, esses fatores vêm junto com salto, fio dental, decote, roupa colada. Mas a sensualidade, às vezes, não é visível. O riso pode ser sexy.

Essa construção de autoestima pode só vir a partir de detalhes como perceber que você teve um dia bom. Também tem a questão de saúde, de ficar chapadinha de endorfina, descobrir músicas que você não conhecia, não importa qual sua idade, gênero, corpo. Vai ter dias ruins, vai ter dias ótimos. O importante é lembrar que vai ter um dia depois do outro.

*Ingrid Astasio, conhecida como Dona Dih, tem 27 anos, é publicitária e professora de pole dance para mulheres fora do padrão em São Paulo.