'No pole dance, descobri que autoestima é uma porta que não se fecha mais'
"Descobri que existia pole dance na novela 'Duas Caras', em 2007. Na trama, a personagem de Flávia Alessandra dava aulas e eu fiquei fascinada pensando que queria fazer isso. Sempre tive muita afinidade com o esporte, jogava handball, praticava vôlei e fazia natação. Fui uma criança dos anos 90 que dançava axé sempre que podia, nas atividades do colégio e nas festinhas.
Minha primeira experiência em uma barra de pole dance foi quando já estava na faculdade —e nem gostei muito do lugar onde comecei a praticar porque era mais voltado para acrobacias. Anos mais tarde, tentei de novo em outro estúdio que trabalhava o coreográfico. Aí confirmei o que eu já achava: era muito mágico, mas também muito difícil e exigia muita força —era meu lugar.
É muito comum as pessoas procurarem o pole dance porque querem um exercício que use força, mas não querem ficar na academia. Até hoje, após seis anos praticando e dando aulas, há coisas que eu olho e penso que nunca serei capaz de fazer, seja por falta de flexibilidade ou de força. Mas percebi que minha prática é suficiente para mim e entendi minha individualidade. Não é porque eu não consigo fazer tal giro que não estou fazendo algo incrível.
Agora sei da minha capacidade, que a evolução nem é linear —até o clima interfere. Se minha dúvida era se eu ia conseguir levar isso adiante, hoje vejo que a resposta foi rápida. Mas esse questionamento vai sendo arrastado junto com a gente: como lidar com o corpo, como você se enxerga, como entende a dor das travas e faz o corpo ficar calejado. É preciso saber que pode ser frustrante, é importante não comparar. E driblei esse momento encontrando redes de apoio.
Mas como eu, uma mulher com um corpo fora do padrão, acharia essas pessoas se o Google só mostra gente magra praticando?
Eu pensava: onde estão as pessoas como eu que estão fazendo pole dance? Aí, na internet, a gente foi se encontrando e criei o senso de comunidade. Quem estava há mais tempo me explicou que esses questionamentos eram parte do processo.
'Descobri um poder que estava guardado'
No meu primeiro dia de aula, estava com camisa branca e shorts comprido, toda tímida. Hoje estou dançando de salto e fio dental e está tudo bem. Tudo mudou: eu não tinha o hábito de me olhar no espelho e hoje pratico em frente a um; exercer a sensualidade era algo que não acontecia e agora dizem que sou sexy. O pole me ajudou a descobrir um poder que estava ali guardadinho.
Comecei a me olhar, me conhecer, gostar do meu corpo. Eu dizia: 'olha o que estou conseguindo fazer! Olha do que meu corpo é capaz'! E isso é algo totalmente meu. Assim como a roupa me escondia, e isso mudou, na rua eu também mudei e agora quero mostrar que não vim à toa.
A Ingrid era quieta no canto, a Dona Dih é dona do negócio. Estou aqui na frente, vou liderar, eu tenho voz e é assim que vai ser.
Entendi que a autoestima é muito além do físico. É uma lição que abre portas que não se fecham mais. Você entende tanto de si que não consegue voltar para aquele passado ruim. É claro que tem altos e baixos, nem todo dia é perfeito, mas me tornei muito forte e não me deixo mais me reprimir.
É engraçado: nunca usei roupa que mostrasse minhas curvas. Não sei se tinha essa desenvoltura e estava adormecida, mas agora que eu sei que tenho, vou botar para jogo. A arte é uma forma de descoberta desse despertar. Tanto que se reflete também no meu trabalho como publicitária: comecei a tomar conta do espaço, um espaço que já era meu e eu não sabia.
'Meu mantra é ser a professora que eu gostaria de ter tido'
Uma vez me perguntaram se eu daria aulas e eu disse que sim, desde que as alunas fossem gordas ou não magras. Eu já estava fazendo capacitação e aprendendo didática e me convidaram para fazer um projeto: "Mulherão" é uma turma para mulheres gordas e não magras. Meu mantra é ser a professora que eu gostaria de ter tido.
Acho que é isso que faz a diferença no meu trabalho: entender cada aluna como um ser único. O "Mulherão" surgiu porque nove mulheres viram uma foto minha e confiaram em mim. Hoje, já dei aula para gente que nunca fez pole na vida, ou gente que já havia tentando e insistiu. Às vezes, nosso trabalho vira roda de terapia.
Trazer essa pauta é muito importante e virou minha missão de vida. Estou aqui para ajudar essas mulheres a se encontrarem e descobrirem juntas que são mulheres f***. Aceitação não é sobre perfeição, é sobre o que seu corpo consegue fazer. Por que eu vou esconder um corpo que é capaz de fazer coisas tão incríveis?
Infelizmente o pole não vai evitar que as pessoas digam "isso não é para você". Mas vai ajudar a ignorar quem disser isso.
Quando você para de fazer pelos outros, tudo é para você. Aí você sorri e acena, porque aquilo que a outra pessoa está dizendo não afeta mais.
Aprendi a aceitar elogios. Mas quando alguém diz "nossa, queria ser como você", eu devolvo que fico feliz que queiram ser como eu, mas eu quero que saibam como ser elas mesmas é tão incrível quanto. Sempre que vem um elogio de uma pessoa que se sente fortalecida por algo que eu publiquei é importante para mim porque é essa mudança coletiva que faz crescer o indivíduo. Mas tem quem diga que queria ter essa coragem que eu tenho. Por que eu deveria ter coragem, por expor meu corpo? Daí tenho vontade de perguntar se a pessoa é fã ou hater.
'Sensualidade, às vezes, não é visível'
No pole, dizem: 'não brinque com uma mulher que gosta de ficar de cabeça para baixo por diversão'. A gente está ali sentindo dor, ficando roxa... O desafio é inexplicável. Eu coloco uma calcinha porque preciso disso para aumentar o atrito, mas também preciso disso para me olhar assim e dizer que meu corpo é esse e eu uso o que eu quiser. A realização é pessoal, técnica, é uma atividade completa que trabalha com autoestima, autoconfiança.
Meu conselho é: vá por você. Sei que é muito difícil não se comparar, mas isso vai ser muito importante para o seu desenvolvimento. Não deu certo na primeira? Tenta mais uma. Assim como o pole é plural de público, é também plural na experiência. Não é porque ele é para todo mundo que todo mundo vai fazer a mesma coisa. É sobre encontrar seu espaço e se encontrar também.
Eu sei que o pole é muito associado a sensualidade e sexualidade, esses fatores vêm junto com salto, fio dental, decote, roupa colada. Mas a sensualidade, às vezes, não é visível. O riso pode ser sexy.
Essa construção de autoestima pode só vir a partir de detalhes como perceber que você teve um dia bom. Também tem a questão de saúde, de ficar chapadinha de endorfina, descobrir músicas que você não conhecia, não importa qual sua idade, gênero, corpo. Vai ter dias ruins, vai ter dias ótimos. O importante é lembrar que vai ter um dia depois do outro.
*Ingrid Astasio, conhecida como Dona Dih, tem 27 anos, é publicitária e professora de pole dance para mulheres fora do padrão em São Paulo.
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