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'Tô sempre na vibe': em entrevista ao UOL em 2018, Gal celebrou a vida

De Universa, em São Paulo

09/11/2022 11h56

Ela tirava os sapatos para fazer entrevista, tinha um tom de azul na íris dos olhos castanhos e mais de 53 anos de carreira. Gal Costa, um dos nomes mais marcantes da MPB, morreu nesta quarta-feira (9) aos 77 anos, de causa desconhecida. Deixa marcada na história brasileira um timbre inigualável, falas incisivas e uma personalidade a se reverenciar.

Em entrevista a Universa, em 2018, Gal disse que a música era o que lhe mantinha viva. Se não fizesse turnês e levasse sua voz ao Brasil, morreria. "Sempre quis ser cantora, nunca pensei em ser outra coisa. Amo o que faço. Se eu não fizer mais turnê, vou ficar triste e morrer". Por ironia do destino, ela precisou cancelar uma apresentação no festival Primavera Sound, que aconteceu em São Paulo nesse final de semana, por não estar bem.

Ainda que tivesse que lidar com problemas de saúde, o passar dos anos não era um problema para a vitalidade da cantora. Nos shows, gritavam: "Ô, gostosa", para alegria de Gal. "Eu sou gostosa; então neguinho chama ali no auge da empolgação. Fiz uma apresentação no Canecão e enquanto cantava um solo de rock, sentada toda sexy no piano, um cara soltou 'libidinoooosaaaa'. Achei maravilhoso, adorei."

"Eu tô sempre na vibe"

Gal celebrava a vida e a música na maioria das suas declarações. "Eu tô sempre na vibe", disse a Universa.

A maternidade também entra nessa conta. Na mesma entrevista, Gal falou do filho, Gabriel, hoje com 17 anos. "É a alegria da minha vida."

gal costa - Lucas Lima/Universa - Lucas Lima/Universa
Imagem: Lucas Lima/Universa

Ela ressaltou como não gostava que ele fosse chamado de adotado. ""É meu filho, pô! Tem meu cordão umbilical espiritual e isso é mais que suficiente", disse.

Ela mesma foi criada apenas pela mãe, já que o pai abandonou sua família. Para ela, a figura paterna não fez falta e, como acreditava que as famílias estão mudando de formato, ser mãe solo era natural em seu dia a dia.

"Meu pai não fez falta nenhuma. Claro que eu ficava triste porque via minhas colegas com seus pais e eu não tinha um. Ainda assim, me tornei uma mulher corajosa e tive todo o incentivo da minha mãe. Não tem problema algum criar um filho sem pai. Essa coisa de família está mudando; qualquer um pode formar uma família", contou na entrevista.

Crítica a Bolsonaro: 'Grita com mulher'

Em 2018, Gal falou sobre política e as eleições que viriam e, depois, elegeram Jair Bolsonaro (PL). Na conversa, porém, não se furtou de criticá-lo.

"Ele é racista, homofóbico, grita com mulher. Quem respeita os outros não quer um presidente assim. Ter ódio de um cara só porque ele é travesti é muito estranho. Talvez esse ódio seja uma atração".

Gal viveu e viveu

A mulher que se dizia simples viveu a vida intensamente. Das drogas, ela não gostou —era, inclusive, contra a liberação. "É perigoso... Melhor que não liberem por enquanto, tá legal?"

Em uma época de amor livre, transou com Caetano Veloso e deixou a companheira do cantor, na época, Dedé Gadelha, enciumada. "Dedé era ciumenta, embora naquela época tivesse essa história de amor livre. Na verdade, as pessoas fingiam que não tinham ciúme, né?".

Mas se atualizou com os novos tempos. Era viciada em Instagram, segundo seu assessor, e adorava ver Netflix, novela das nove e esportes —mas as lutas ela deixava para o Djavan, cuja casa era ponto de encontro para assistir UFC. "Achei aquilo uma barbaridade."

Reservada sobre sua sexualidade

Apesar de aberta e nada careta, na hora que a conversa com Universa toca em temas caros a ela, Gal gruda na terra. Falar de sua sexualidade, não. "Sou reservada. Ponto final", disse.

Universa: Você é reservada em relação à sua sexualidade e...
Gal: Sou. Ponto final.
Universa: Não posso terminar a pergunta?
Gal: Não....

A dor e a delícia

Gal se vai mas deixa um legado eterno. Teve o reconhecimento durante sua longa carreira, merecidamente, e se orgulhava disso. "Quando estava na Itália pela turnê do 'Gal canta Jobim' (de 1994), fui aplaudida por meia hora, sem parar, depois que saí do palco. Na Argentina, uma vez, precisei voltar cinco vezes, de tanto que ovacionavam", relembra.

Mas, entre tantos sucessos, de maneira honesta, ela expõe também momentos baixos de sua carreira. O disco "Cantar", de 1974, feito depois do tropicalismo, foi considerado suave demais. "Fiquei sem público depois do disco. Foi uma mudança radicalíssima no meu estilo. Saí de turnê e não tinha quase ninguém nos shows. Entrei em crise, fiquei um tempo sem fazer nada depois disso". Hoje, "Cantar" é um disco cultuado.

Tapioca e Netflix

Fã novela das nove, Netflix e alguns esportes. Fazer tudo isso em frente à TV, só ficava melhor com "uma tapiooooca com queeeeeijo e geleia diet". De restaurante, ela tem preguiça, e de cozinha...."não sei cozinhar".

O que mais cabe na noite de Gal? "Ela é viciada em Instagram!", entrega seu empresário, e todos gargalham. "Veja bem.... Sou muito simples", diz baby, mexendo com nosso coração vagabundo.