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Ansiedade infantil: 'Filha de 6 anos vomitava, chorava e tinha insônia'

Não é só problema de adulto: cada vez mais, crianças sofrem com ansiedade - ljubaphoto/Getty Images
Não é só problema de adulto: cada vez mais, crianças sofrem com ansiedade Imagem: ljubaphoto/Getty Images

Glau Gasparetto e Thaís Lopes Aidar

Colaboração para Universa, em São Paulo

14/11/2022 04h00

A bancária Maria Alves, 29 anos, de São Paulo, nunca acreditou que crianças poderiam sofrer com a ansiedade ao nível de um transtorno psicológico. Mas suas crenças caíram por terra quando a filha Melissa, de 6 anos, relatou sentir como se tivesse um pedaço de pão preso na garganta, há cerca de um ano.

"Era claramente um sinal de ansiedade e me levou a pensar em outros comportamentos que ela tinha, como não dormir antes de festas ou dias importantes, vomitar nessas datas e ter as mãos sempre suadas quando estava nervosa", diz a mãe.

Convencida de que Mel precisava de ajuda, Maria relatou ao pediatra da menina tudo que havia observado e logo recebeu um encaminhamento para a psicóloga infantil. "As sessões têm ajudado bastante; é tudo muito lúdico. A prática de esportes também é boa para aliviar a ansiedade", conta.

Segundo a psiquiatra Aline Sabino, do Hospital São Camilo, a situação vivida por Melissa não é incomum à garotada. A médica explica que a ansiedade pode acometer pessoas de qualquer idade, entretanto, os dados da doença entre crianças e adolescentes são preocupantes.

Conforme números divulgados pela Organização Mundial da Saúde (OMS), em 2016, 13% da população entre 0 e 17 anos sofria com algum tipo de ansiedade, sendo que as mulheres eram acometidas duas vezes mais que os homens. Atualmente, a entidade conta com dados estatísticos ainda mais preocupantes: cerca de 25,2% dessa população são jovens ansiosos.

"Em relação aos tipos, o Transtorno de Ansiedade de Separação (TAS) e o Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG) são mais comuns em crianças. Já o Transtorno de Pânico (TP) e a fobia social ocorrem mais entre os adolescentes", afirma Aline.

Sintomas de ansiedade nas crianças

Apesar de o diagnóstico só ser feito por um médico, prestar atenção aos sinais típicos da ansiedade é fundamental para entender quando é hora de buscar ajuda. Entre os principais sintomas, a psiquiatra Aline Sabino destaca os seguintes:

Crise de irritação com picos extremos por motivos simples, como uma roupa que não serviu ou uma festinha cancelada, por exemplo;

  • Choro inesperado e sem relação às causas que, normalmente, fariam a criança chorar;
  • Perda de interesse repentino em atividades antes apreciadas;
  • Medo ou recusa em ir para a escola ou participar de cursos extracurriculares que já frequentava;
  • Medo intenso de ficar longe dos pais, responsáveis ou cuidadores, ainda que por pouco tempo.

"Crianças com TAS, ou seja, a ansiedade excessiva que a criança sente em relação ao afastamento de seus pais (ou substitutos), são mais predispostas ao desenvolvimento de outros tipos de ansiedade na vida adulta, como transtorno de pânico, aumentando o risco de suicídio", diz Aline.

De acordo com ela, com crianças maiores, ainda é possível identificar outros possíveis sintomas, como tontura, palpitações e sensação de desmaio.

Não existe uma só causa

A psiquiatra esclarece que a ansiedade não surge a partir de um motivo isolado, mas da combinação de vários fatores. "Cada um deles desempenha um papel diferente e incluem questões de personalidade, experiências difíceis ou traumáticas de vida, condições de saúde física e predisposição genética", fala.

Para a psicóloga e arteterapeuta Simone Barberá, a influência do ambiente onde a criança vive pode ser ainda maior do que a própria carga genética para o quadro de ansiedade.

"Uma criança que possui predisposição a ter sintomas ansiosos e que vive em um ambiente agitado, repressor, com cobranças além da capacidade cognitiva e emocional que possa suportar, tem uma probabilidade maior para desenvolver o transtorno", observa a profissional.

A vida depois do diagnóstico

A forma como os pais reagem diante do diagnóstico é parte importante para o tratamento dos filhos. "É necessário que tenham clareza do que é o transtorno de ansiedade e conversem com o médico e/ou psicólogo da criança ou adolescentes. Quando entendem o quadro, o desafio passa a ser menor", fala Simone.

No dia a dia, algumas boas práticas também são importantes para o bem-estar dos filhos, como elenca a especialista:

O ambiente deve contribuir para uma rotina clara e organizada, sobretudo porque é comum que a criança não consiga se organizar nesse momento;

  • A rotina deve compreender alguns horários, como acordar, dormir, refeições e atividades escolares;
  • Ao notar que a criança está ficando agitada, acolha-a e fale, olhando nos olhos dela, dizendo que está à disposição para conversar (se ela quiser), dentro do tempo dela;
  • Respeite as limitações infantis e, antes de julgar o filho, prefira dar apoio;
  • Lembre-se de que o vínculo afetivo entre pais e filhos contribui para que os pequenos sejam mais tranquilos, entre outros benefícios.
  • Cumpra combinados e promessas, sem desrespeitar o tempo da criança ou adolescente ou os limites acordados;

Diante de um episódio que desencadeia a crise de ansiedade, quando os primeiros sintomas surgirem, pare o que estiver fazendo para dar atenção à criança.

Nessa situação, é ideal perguntar o que houve, ouvir antes de falar, dar tempo para que o filho se acalme para, juntos, buscarem entender o que aconteceu. Isso ajudará a conhecer suas ferramentas emocionais e como usá-las.

"Vale ressaltar que a psicoterapia dá condições de autoconhecimento e manejo das emoções. É um espaço neutro em que a criança pode, além de falar o que sente, se expressar de várias maneiras, como brincando, desenhando e conhecendo seus sentimentos, medos e angústias", diz Simone.

Medicamento deve ser último recurso

De acordo com Aline, as medicações controladas e fitoterápicas vêm sendo cada vez mais utilizadas entre crianças e adolescentes. Contudo, a prescrição deve ser a última opção, ou seja, somente para pacientes em que outras abordagens, como a psicoterapia, não foram suficientes.

"Os chamados antidepressivos inibidores da recaptação de serotonina (ISRS) têm sido apontados como fármacos de primeira linha para tratamento destes transtornos. Porém, outras classes de medicações, como os antidepressivos tricíclicos e os benzodiazepínicos, também podem ser utilizados", afirma a psiquiatra.

Além disso, ela explica que, tanto os remédios controlados quanto os fitoterápicos, podem ser prescritos pelo próprio pediatra, afinal, esse é o especialista que acompanha a saúde das crianças e adolescentes. Ainda assim, o tratamento multidisciplinar não deve ser descartado.