'Engravidei com meu último óvulo após quase ficar infértil por doença'
"Sempre tive vontade de ser mãe e sabia que seria melhor para o meu corpo ter filho até os 35 anos. Mas fui postergando por causa do trabalho e também porque meu marido não queria. Ele falava que não estava preparado, que queria primeiro concluir o mestrado, e eu também não tinha convicção de que queria cuidar sozinha. Então, fomos adiando. Estamos juntos há 15 anos.
Em 2017 decidimos começar a tentar. Eu tinha 37 anos. A gravidez não vinha e eu comecei a sentir uma dor diferente, do lado esquerdo. Em 2018 fui diagnosticada com endometriose nível 4, o mais grave. Meu ovário estava seis vezes maior, porque havia um cisto enorme. Já estava com aderência no útero e no intestino.
Sempre tive cólicas muito fortes, que são o principal sintoma da endometriose. Mas é uma doença difícil de diagnosticar e pouco falada. Recentemente começaram a falar mais. Eu teria sofrido bem menos se tivesse descoberto antes. Hoje existem grupos que trabalham pela conscientização da endometriose.
Eu tinha o que os médicos chamam de cólica incapacitante, mas acabei me acostumando com a dor. Tomava ibuprofeno e seguia a vida. Também sou descendente de japoneses por parte de pai e de mãe, e existe uma questão na cultura oriental de suportar a dor.
Quando recebi o diagnóstico, me falaram que eu teria de ser operada e que poderia perder uma parte do ovário e ficar infértil. Fiz um exame de reserva ovariana e a minha estava baixa. Então me recomendaram congelar óvulos antes de passar pela cirurgia.
O método mais seguro seria coletar os óvulos, fertilizá-los e já congelá-los como embriões, o que é chamado de fertilização in vitro (FIV). Algumas pessoas já têm o embrião implantado fresco, mas, no meu caso, como eu tinha de fazer a cirurgia antes, teria de congelá-los.
Pelo estado em que eu estava, também não dava para fazer muitos ciclos de FIV, porque a bomba de hormônio que precisa tomar para conseguir coletar os óvulos poderia piorar a endometriose. Em fevereiro de 2019, comecei a fazer o tratamento.
No primeiro ciclo, consegui retirar três óvulos viáveis, mas só um embrião vingou, que foi congelado. Esse embrião era o que chamam de 'embrião de sexto dia'. Isso significa que ele era mais fraco, porque demorou seis dias para virar um blastocisto, enquanto os mais fortes e saudáveis demoram apenas cinco. A chance de ele vingar era muito baixa, e o ideal, pela minha idade, era implantar dois ou até três embriões, para que pelo menos um vingasse. Por isso, me recomendaram tentar mais um ciclo.
'Meu ovário ficou 10 vezes maior'
Nesse segundo ciclo eu sofri muito, a endometriose já estava bem avançada, senti muita dor. O ovário, que já estava seis vezes maior por causa da doença, depois do primeiro ciclo tinha ficado 10 vezes maior. O cisto estava com 11 centímetros de diâmetro. Eu passava a mão e conseguia sentir uma bola na minha barriga. No final do segundo ciclo, conseguimos coletar três óvulos, mas nenhum embrião vingou.
Passei por vários médicos diferentes nesse processo e sofri algumas situações que me incomodaram muito. Um dos médicos esperava eu ir me vestir para passar todas as informações ao meu marido. Em vez de falar comigo, ele me tratava como um corpo que ele estava manipulando e só falava as coisas com ele.
Os principais médicos especialistas em reprodução são homens, não sei por quê. Eu procurei uma médica mulher, pedi indicações para minha ginecologista, mas todos os mais recomendados na área de reprodução são homens. E ainda tinha esse que só conversava com meu marido, nem dirigia a palavra a mim.
Em julho de 2019 fiz a cirurgia. Tirei 15 centímetros do retossigmoide, que é uma parte do intestino, e parte do ovário esquerdo. A médica que me operou falou assim: 'Você pode tentar engravidar por mais seis meses naturalmente e, se não acontecer, você implanta o embrião que está congelado ou tenta fazer mais um ciclo de FIV. Mas o importante é agir rápido'. Eu tinha de correr contra o tempo.
O pós-operatório foi muito difícil. Por causa da cirurgia do intestino, eu não podia comer nada, só ingerir líquido. Saía muito sangue nas fezes, eu ficava assustada.
Depois de recuperada, decidi fazer mais um ciclo de FIV. Dessa vez conseguimos três óvulos e resultaram dois embriões viáveis. Os dois foram implantados a fresco no meu útero, o que é bom, eu teria até mais chances. Só que nenhum vingou. Nem cheguei a engravidar, não chegou a dar positivo.
Fiquei muito triste, fiquei péssima, me senti como se tivesse perdido esses dois bebês. Estava cheia de hormônios e tão ansiosa. Me sentia grávida. Foi muito forte saber que não tinha dado certo.
Depois disso, voltei no primeiro médico para implantar aquele único embrião que eu tinha congelado. Só que bem nesse momento começou a pandemia de covid.
Ainda se sabia pouco sobre o vírus, mas havia um certo pânico em relação à complicação da doença em grávidas. Havia um índice alto de morte materna ligada à covid, e por isso decidimos postergar novamente.
Resolvemos implantar esse óvulo só no final de 2021, depois de tomar todas as vacinas e a pandemia já estar mais controlada. Falei pro meu marido que eu não queria mais passar por nenhum ciclo de FIV, que é cansativo psicológica e fisicamente, além de caro.
'Quando finalmente deu certo, foi uma gravidez de alto risco'
Decidimos tentar implantar esse último embrião, e se não desse certo, iríamos tentar ingressar no processo de adoção.
Meu último embrião, aquele do sexto dia, que tinha poucas chances de vingar, vingou. Recebi o positivo em dezembro de 2021. Fiquei muito feliz. Só que aí começou uma nova batalha.
Minha gravidez era de alto risco, tive duas doenças. Uma delas é chamada de placenta prévia, que é quando a placenta encobre a saída do útero. Isso é comum em inseminação artificial e também pela idade. É perigoso. Eu e minha bebê corríamos risco de vida.
Ninguém fala sobre essas coisas. Eles dizem: 'Você pode congelar os óvulos, pode ser mãe quando quiser'. Mas ninguém fala dos riscos e do quanto é difícil engravidar mais tarde. Eu engravidei com 41 anos. É possível? Sim, mas eu sofri muito.
Fora isso tive diabetes gestacional, que é também um fator de risco decorrente da idade. Não podia comer carboidrato nenhum, nem feijão. Eu passava muito mal de fraqueza e minha cabeça não funcionava mais. O melhor era tomar insulina, mas isso traz riscos para o bebê e eu não queria tomar. Depois de tudo que tinha passado para conseguir engravidar, não ia colocar meu bebê em risco.
'Meu parto não foi nada humanizado'
Eu teria que passar por cesariana e tinha que ser cedo, porque não podia entrar em trabalho de parto. Se entrasse, por causa da placenta prévia, o bebê correria risco e eu também podia ter hemorragia grave. Os bebês de mãe diabética nascem mais gordinhos, mas também demoram mais para formar o pulmão, então eu tinha medo de antecipar demais esse parto, de ela não estar pronta ainda e ter que ficar na UTI.
Fui muito pressionada a fazer a cesariana com 36 semanas. A médica ficava fazendo terrorismo, falando que eu estava colocando a vida do meu bebê em risco, mas eu percebi que ela só queria encaixar na agenda dela.
Na última hora troquei de médico. Eu sentia que não era o momento de a minha bebê nascer, foi instinto materno. O outro médico concordou em segurar mais um pouco e fizemos a cesariana com 37 semanas e seis dias. O protocolo da placenta prévia é fazer antes de completar 38 semanas.
Na cesariana, outra complicação: a bebê estava posicionada na transversal, que é muito difícil tirar. A cesariana foi tensa, os médicos faziam muita força para tentar virá-la, a maca balançava. Perdi 1,3 litro de sangue.
Mas deu tudo certo. Minha bebê nasceu no dia 5 de agosto, saudável, não precisou ir para a UTI. Ficamos cinco dias no hospital e depois viemos para casa. Ela teve icterícia e também teve uma questão na coluna por causa da posição transversal no parto, mas agora está saudável e crescendo.
O puerpério é um peso também. Não tenho rede de apoio, e isso é outra questão da maternidade tardia que ninguém fala: nossos pais já estão idosos. Minha sogra já tem quase 80 anos e ainda cuida do meu sogro, que está quase cego. Minha mãe também já tem idade avançada e mora no interior.
Não tenho babá por medo de covid, meningite e outras infecções. Minha única rede de apoio é um grupo de WhatsApp de mães, que me ouvem.
Meu marido faz a parte dele, mas nunca vai ser igual à mãe. A gente é treinada para isso desde pequena, a mãe acaba se anulando em alguns momentos para criar seu bebê. O pai, não. Por mais que cuide, nenhum homem vai deixar de comer ou comer correndo, deixar de tomar banho, colocar suas necessidades em segundo plano por causa do bebê.
Me sinto confinada e muito sozinha, tem sido bem difícil. Mas quando estou mal, meio deprimida, olho para ela e me sinto mais forte. A maternidade nos ensina a ser fortes.
Espero criar uma mulher feminista. Escolhi o nome Naomi, que é um nome japonês que também funciona em português.
Na minha geração, nós, descendentes de japoneses, chineses, coreanos, tínhamos dois nomes, um oriental e outro ocidental, para sermos aceitos pelos brasileiros. A gente fazia de tudo para se adaptar ao ocidente. Hoje eu penso de outra forma: ela vai ter um nome japonês e isso tem que ser respeitado. A nova geração precisa ter orgulho da sua ancestralidade oriental."
*Natacha Ito, 42 anos, é pianista, cantora e professora de música em São Paulo
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