Narcisismo materno: 'Relação abusiva com minha mãe me levou a depressão'
Sem sinais explícitos, a empreendedora Clara*, 23 anos, de São Paulo, levou tempo para entender - e, sobretudo, aceitar - que sua mãe sofria de narcisismo. Apesar de identificar sempre um controle exagerado na relação, a jovem conta que costumava encarar tais atitudes como preocupações maternas e colocava a genitora acima de tudo.
"Quando comecei a fazer terapia, para tratar uma síndrome do pânico, percebi que só falava da minha mãe nas sessões. Levou três semanas para a psicóloga questionar: 'Você percebe a manipulação?'. Eu surtei, não admiti que ela falasse assim de quem sempre me criou e fui embora, desistindo do tratamento", lembra.
Depois de dois anos, Clara* decidiu voltar aos encontros semanais, mas com outra psicóloga. Não demorou para, novamente, observar que só falava da mãe durante a conversa e, mais uma vez, deixou a terapia. Quando voltou, um ano depois, não teve jeito: descobriu que tudo aquilo fazia parte do narcisismo materno.
Não são apenas amorosos
Embora seja comum pensar que as relações abusivas normalmente surjam em namoros ou casamentos, a psicóloga Adriana Drulla, especialista em parentalidade consciente, garante que os relacionamentos familiares são os mais abusivos.
"Muitas vezes, a pessoa se envolve em um relacionamento abusivo na idade adulta porque está replicando um modelo relacional que aprendeu na infância. Ou seja, volta para situações de abuso porque isso lhe é familiar", diz a especialista.
Clara já havia pesquisado sobre esse termo, porque percebia alguns sinais — ainda discretos - em sua mãe. Quando a psicóloga trouxe essa possibilidade a ficha caiu. "Cada vez eu noto mais sintomas e percebo que a situação piora. Minha mãe controla, exige, manda. Hoje, estou com depressão por conta dessa dinâmica e tentando sair de casa para cortar esse relacionamento abusivo", desabafa a empreendedora.
Mas, afinal de contas, o que é um relacionamento abusivo? Segundo Adriana, a definição compreende qualquer relação que inclui violência física, psicológica ou emocional.
Nesse sentido, ela lembra que a agressão física é muito mais fácil de ser identificada, enquanto os outros tipos acabam sendo mais difíceis. Neles, estão incluídos o controle, a frieza e a manipulação, por exemplo.
O narcisismo materno
"Uma mãe narcisista acha que suas opiniões são melhores que as dos filhos, que ela está sempre com a absoluta razão, sem sequer saber o que eles pensam. São características atípicas de uma mãe, já que o correto seria o diálogo com a família", fala Danielle Admoni, psiquiatra da infância e adolescência.
A médica explica que essas atitudes são frutos do padrão persistente de grandiosidade, traço principal do Transtorno de Personalidade Narcisista - nome dado à condição dessas genitoras. Mas para fechar esse diagnóstico, ela diz ser necessário que a pessoa tenha, pelo menos, cinco das seguintes características:
- Necessidade de admiração;
- Falta de empatia com o outro;
- Preocupação exagerada consigo mesma;
- Sentimento de influência e, por isso, acredita que pode fazer o que quiser;
- Ter certeza de que é especial e única;
- Arrogância;
- Exploração de pessoas para alcançar os próprios objetivos;
- Crença que todos a invejam;
- Sensação contínua de merecimento.
"Há, ainda, uma mania de comparar um filho com o outro ou mesmo de compará-los com outras crianças, de forma que afeta a autoestima deles. Também costumam fazer chantagem emocional para conseguir qualquer coisa dos filhos", argumenta a psiquiatra.
Danielle acrescenta que, quando a genitora tem filhas, a situação pode ser ainda pior, sobretudo na adolescência. Isso porque há a tendência de a mãe narcisista competir com a jovem, querendo ser mais bonita e parecer mais nova, principalmente quando a idade de ambas é próxima.
Narcisistas vulneráveis
Ao ler as características clássicas de uma mãe narcisista, é comum pensar que somente as mulheres com senso de grandiosidade se encaixam nesse padrão, mas não é verdade. Segundo a psicóloga Adriana, o narcisismo tem duas formas principais de expressão, manifestadas de acordo com o perfil individual: grandiosos ou vulneráveis.
"Os narcisistas grandiosos se consideram superiores e acreditam que merecem um tratamento preferencial. Já os vulneráveis são o oposto da imagem popular sobre o narcisismo: são pessoas com baixa autoestima, hipersensíveis e ansiosas, que acreditam merecer um tratamento especial por serem frágeis", afirma a psicóloga.
Os vulneráveis, por exemplo, podem comparar relacionamentos e sentir inveja de quem recebe (na visão deles) mais amor, atenção e compreensão do que eles. "Enquanto o narcisista grandioso é orgulhoso, o frágil tende a ser reativo", diz.
Filhos sofrem desde cedo
"O abuso psicológico impacta negativamente o desenvolvimento psicológico e a autonomia da criança, que acaba sendo extremamente autocrítica, com baixa autoestima e maior propensão para as psicopatologias. Além disso, podem se tornar submissas para agradar e ter o amor da mãe narcisista", alerta Adriana.
A psicóloga argumenta que o filho de uma narcisista pode ter essa necessidade de provar o próprio valor durante toda a vida. Assim, quanto maior for o sentimento de inferioridade, maior será a propensão ao autoataque - que esconde a decepção por não ter o amor materno.
Conforme explica a psiquiatra Danielle, não há um tratamento específico, nem mesmo medicamentoso, para o Transtorno de Personalidade Narcisista. Por isso, a recomendação é a psicoterapia por um longo prazo.
Entretanto, ela salienta que a terapia só surtirá efeito quando o narcisista entender seu quadro e aceitar mudar - algo bastante difícil no cenário materno.
"Já para os filhos, a terapia é fundamental para que eles possam se fortalecer. Na questão de cortar laços, não é algo mandatório. O importante é restabelecer sua autoestima e autoconfiança e saber impor limite de espaço diante da mãe", indica a médica.
Além da psicoterapia, que é fundamental, Adriana reforça a importância dos filhos manterem relacionamentos saudáveis. "É muito curativo que se tenha referências relacionais pautadas no amor e no respeito", explica.
Por último, a psicóloga lembra que essas indicações ajudarão a superar o trauma, mas isso não significa que tudo será esquecido. A ideia, portanto, é amenizar o impacto do sofrimento. "Conhecer o que te aconteceu é a semente para a sanidade mental e para a liberdade".
*O nome foi trocado a pedido da entrevista
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