Vida na UTI neonatal: 'Tive gêmeos prematuros; meu filho nasceu com 695 g'
Uma endometriose não diagnosticada atrasou em quatro anos o desejo da coordenadora de comunicação Ana Carolina Giarrante de ser mãe. O que ela não esperava, entretanto, é que precisaria aguardar quase três meses para segurar os filhos Alice e Bernardo, depois que eles nasceram.
Prematuros extremos, os irmãos foram liberados da UTI neonatal com uma semana de diferença. O primeiro encontro dos gêmeos, no colo da mãe, só aconteceu 85 dias após o parto. "A vida na UTI neonatal é de altos e baixos. Entrar todos os dias de manhã naquele corredor é um misto gigante de emoções: medo de como foi a noite, saudade de pegar o bebê, ansiedade por alguma evolução e/ou melhoria", relembra.
Hoje com quatro anos, a duplinha só traz orgulho para essa mãe, que mora em Osasco (SP). Ana Carolina conta, a partir de agora, como foi passar o puerpério dentro de um hospital, à espera da evolução dos filhos.
'Passei 85 dias na UTI neonatal com meus filhos, prematuros extremos'
"Eu e James somos casados há 14 anos, mas estamos juntos há 21. Demorei quatro anos para engravidar por conta da endometriose. No primeiro ano de tentativas, cheguei a engravidar, mas perdi o bebê em um aborto espontâneo na oitava semana.
Depois de um tempo sem conseguir engravidar novamente, mudei de ginecologista. Mas sempre me diziam que meu estado de saúde era normal, que estava tudo bem comigo e com meu marido. Só descobri a endometriose depois de três anos e meio de tentativas, quando mudei novamente de médico.
Fiz uma cirurgia para remover a endometriose e, após alguns meses, optamos por uma inseminação artificial. Já na primeira tentativa de inseminação, engravidei dos gêmeos - mas tenho alguns casos de gemelares na família, por parte de pai e de mãe, então, acredito que já seja uma tendência minha.
Problema de fluxo na placenta
Até a 25ª semana, minha gestação de Bernardo e Alice seguiu normalmente. Trabalhava, dirigia, fazia hidroginástica. Tudo mudou quando senti uma dor na barriga e nas costas e fui ao pronto-socorro. Tinha uma infecção urinária, mas sem grandes complicações.
Antes de me liberarem, realizaram um ultrassom para ver se estava 'ok'. Nesse momento, foi detectado um problema de fluxo na placenta (restrição placentária) do Bernardo. Isso significa que o bebê recebe oxigênio e nutrientes abaixo do normal.
Fui internada às pressas na UTI semi-intensiva. Ficava na cama 24 horas por dia, podendo me levantar para tomar banho e ir ao banheiro. Foram 30 dias ali, realizando ultrassom todos os dias (às vezes, mais de uma vez ao dia) e cardiotoco em ambos os bebês. As enfermeiras mediam várias vezes ao dia minha pressão, minha temperatura e ouviam os batimentos deles.
"Meta inicial era chegarmos a 28 semanas. Gêmeos nasceram com 29"
A partir do momento em que eu fui internada, havia a possibilidade de meus filhos nascerem numa cesárea de emergência. A meta inicial era chegarmos a 28 semanas, quando já haveria mais probabilidade de sobrevivência. Conseguimos chegar a 29 semanas e 6 dias. Foi uma grande vitória!
No meu trabalho, como fui internada às pressas, avisei minha chefe que não tinha previsão de alta. E essa internação acabou se juntando à minha licença-maternidade de quatro meses, que foi praticamente toda vivida dentro da UTI neonatal.
Felizmente, agora é lei que a licença passe a contar a partir da data da alta do bebê, mas naquela época ainda não era assim. Então, consegui estender um pouco o período com uma licença não-remunerada concedida pela empresa. Juntei com férias e acabei voltando a trabalhar quando eles tinham pouco menos de sete meses.
O dia do parto, 5 de agosto de 2018, começou como outro qualquer. Tomei o café da manhã e fiquei aguardando ser chamada para a USG diária. Como era domingo, meu marido não saiu para trabalhar e ficou comigo - ele dormiu todos os 30 dias no sofá do hospital.
Durante o exame, a plantonista apontou que o Bernardo estava entrando em sofrimento e eu não podia mais tomar a medicação corticóide, porque há um prazo mínimo entre uma dose e outra. Ela ligou para a minha médica para realizar a cesárea o mais rápido possível.
Fisicamente, não sentia nada, mas estava muito tensa e não fazia ideia do que me esperava. Eu orava muito nos momentos em que ficava sozinha durante a internação e sempre fui otimista; sempre tive certeza de que teria meus filhos comigo.
Alice e Bernardo foram levados diretamente para a UTI neonatal. Fui visitá-los só no dia seguinte. Eu e meu marido decidimos que precisava de tempo para me recuperar minimamente da cesárea. Ele ia a toda hora vê-los, então, eu tinha notícias o tempo todo, vindas dele.
O dia a dia na UTI neonatal
Bernardo nasceu com 695 gramas, e Alice, com 1,235kg. O parto aconteceu devido à restrição placentária do Bernardo. Alice estava bem, na placentinha dela, crescendo em seu ritmo. Porém, nessas condições, ela sofreu consequências sérias. Em seu segundo dia de vida, teve hipertensão pulmonar e enfisema pulmonar. Alice se recuperou depois de uma semana de tratamentos intensivos.
Peguei Bernardo no colo no estilo 'canguru' cinco dias após seu nascimento. Com a Alice, levou mais tempo - acredito que cerca de 10 dias. Nos primeiros dias de vida, Alice teve graves questões respiratórias e Bernardo não fazia o mecônio - as primeiras fezes do bebê. Quando um bebê fica restrito como ele ficou, o organismo prioriza órgãos mais vitais, como coração e cérebro, por exemplo.
Tanto Alice quanto Bernardo passaram por situações 'comuns' a bebês prematuros em UTI: como estavam entubados, se alimentaram por sonda (quando não as arrancavam) e realizaram transfusões, já que é comum a anemia no prematuro. Depois de extubados, tiveram muitas apneias e refluxos, pois o pulmão e o estômago ainda estavam em formação, já que eram extremamente prematuros.
Processo de amamentação extremamente complicado
No início, eles eram muito pequenos e não sabiam sugar - as crianças adquirem essa habilidade no útero com 34 semanas de gestação. Então, tirava o leite no lactário da maternidade, que era direcionada para a sonda dos bebês.
Com bebês prematuros, a contagem da gestação continua mesmo fora da barriga. Com as 34 semanas, já extubados, começaram a fazer fono - eles passam gelinho na boca para estimular, por exemplo - para aprenderem a sugar.
Houve tentativas de realizarem a pega no peito, mas a sonda dificultava demais. Muitas vezes, também tinham apneia durante a amamentação, o que foi muito difícil pra mim, pois comecei a sentir medo, principalmente com a Alice, que tinha muita apneia durante a amamentação e refluxo forte.
A psicóloga da UTI me ajudou nesse processo, em que eu pude retomar a confiança de voltar a amamentá-la.
Alguns momentos delicados ficaram marcados. Um deles foi a primeira transfusão de sangue do Bernardo. Ficamos com muito medo. Depois, quando a Alice precisou fazer exame para investigar o refluxo dela, foi levada para o centro cirúrgico e fiquei muito tensa, pois não pude entrar.
Bernardo também precisou ser entubado novamente, porque não estava mantendo a saturação. E quando ele teve alta e a Alice ainda ficou na UTI, foi muito cansativo - uma semana muito complicada, com um em casa e outro na UTI.
Outra questão que me marcou muito era ver outras mães e pais sofrerem por perderem seus filhos ou por também estarem em situação delicada. Como, infelizmente, a licença-paternidade não é comum, as mães que passam por isso acabam encontrando acolhimento nas outras, dividindo angústias e evoluções. Até hoje temos um grupo no WhatsApp, em que compartilhamos as conquistas dos pequenos.
Ser 'mãe de UTI', além de toda questão psicológica, é uma situação extremamente cansativa. Me sentia exausta. A rotina de tirar leite no lactário, muito longe da UTI, foi marcante, pois tinha que andar por todo o hospital com os pontos da cesárea. Imagine passar o seu puerpério dentro de um hospital? Foi o que aconteceu comigo e muitas outras mães com quem convivi.
A volta para casa
Bernardo teve alta com 78 dias de UTI, pesando 2.255g; Alice, com 85 dias e peso de 2.985g. Houve uma semana de diferença entre um e outro. O primeiro encontro dos dois aconteceu no dia da alta da Alice, em 29 de outubro. Estar em casa com os dois foi um alívio, mas carregado de muita insegurança.
Não conseguia dormir com medo de eles pararem de respirar e terem uma apneia em casa. Tinha medo de acontecer algo sem o suporte da UTI e a gente não conseguir socorrê-los a tempo. Foram muito difíceis os primeiros dias em casa por conta disso. Mas, com o tempo, fomos nos adaptando.
Eles não puderam receber visitas, então a família e os amigos demoraram a conhecê-los. Isso foi ruim, porque me sentia muito isolada. Não podia sair com eles para lugar nenhum até cerca de 6 meses de vida. Além disso, Alice e Bernardo faziam fisioterapia uma vez por semana, para não terem atrasos de desenvolvimento motor.
Essas foram as únicas observações para a alta, além de medicação para refluxo para os dois. Depois, seguimos com o acompanhamento da pediatra que cuida deles até hoje. Felizmente, não tiveram sequelas da prematuridade.
O caso deles era impossível de ser tratado sem a estrutura de UTI. Eles simplesmente não teriam sobrevivido sem atingirem um peso ideal, sem conseguirem respirar sem suporte de oxigênio, sem se alimentarem "sozinhos" (sem sonda), entre outras coisas.
Os saltos de desenvolvimento dos prematuros são diferentes de uma criança nascida no 'tempo certo'. Os dois conseguiram sentar com cerca de 6 meses e meio e iniciaram a introdução alimentar com 7 meses.
Andar e falar já foram dentro do esperado para crianças de termo. Bernardo somente entrou na curva de crescimento esperada aos 2 anos de idade. Alice entrou antes, com cerca de 1 ano. Hoje vão à escola, amam brincar, já conhecem todas as letras e se alimentam superbem.
São crianças muito carinhosas e muito parceirinhos. Alice é falante e impetuosa; Bernardo, observador e estratégico."
Ana Carolina Giarrante, 40 anos, coordenadora de comunicação, mora em Osasco (SP) e é mãe de Alice e Bernardo, hoje com 4 anos.
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