Ela viu suas camisetas virarem símbolo feminista: 'Fui atrás de saber mais'
A frase "Lute como uma garota" virou marca registrada de manifestações feministas em todo o Brasil. Estampa camisas, bolsas, canecas. Está em protestos, cartazes nas ruas e até em roupas usadas no dia a dia. E não é só força de expressão: o design das palavras ganhou registro formal para proteger a criação feita por uma mulher catarinense.
A designer Karina Gallon Basso, 36 anos, foi quem teve a ideia de traduzir a expressão usada pelo movimento feminista americano "Fight like a girl" e estampá-la em português com grandes letras — uma palavra por linha e um ponto final — em camisas. A sacada veio durante uma marcha pelo Dia da Mulher, há cinco anos, em Curitiba.
"Era para fazer um marco do movimento feminista no Brasil, uma marca feminista brasileira lançada com uma frase universalmente conhecida", explica ela. O teste para saber se a mensagem funcionava foi levar as amigas para passeatas com as primeiras camisas, feitas de forma artesanal e com a célebre frase estampada.
"Quando chegamos ao ato todo mundo ficou perguntando onde tínhamos comprado. Fez sucesso e comecei a receber muitos pedidos", lembra. Para Karina, porém, a mensagem não deveria ficar restrita apenas aos protestos. Era preciso "militar fora de espaços de militância" e garantir que o tema fosse lembrado em todo lugar e a qualquer momento.
"O propósito é que a camiseta seja um cartaz itinerante, que possibilita que a mensagem seja vista de longe. Tanto que ela não tem nenhuma outra imagem", explica. A técnica de comunicar um sentimento de forma clara vem da formação de Karina como designer. Já o desejo de usar os próprios conhecimentos em defesa das mulheres só surgiu mais tarde.
Por muito tempo, durante a juventude, Karina não se engajou em movimentos populares. A inquietação teve início apenas em meados de 2016, quando o Brasil passava por um momento político tenso, com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT). O caso e outros episódios envolvendo desrespeito aos direitos das mulheres passaram a chamar a atenção.
"Virei a chave. Passei a ter percepção e consciência sobre a vida de outras mulheres, os direitos que são negados. Entendi que é preciso libertar, representar e lutar por todas", afirma. "Comecei a ficar inquieta porque era leiga no assunto e foi quando hashtags como #nenhumaamenos e #metoo ganharam espaço nas redes sociais", lembra.
Atingida por essa "massificação" do tema, Karina diz que a imersão facilitou o acesso aos conteúdos sobre feminismo. "Fui atrás para entender o que significava." O acolhimento pelo movimento LGBTQIA+ também contribuiu para mobilizá-la. A designer passou a frequentar reuniões e a se sentir no dever de se engajar, por entender a sua condição privilegiada.
"Para muitas mulheres, principalmente as que estão à margem da sociedade, a luta não é uma opção, pois elas não têm tempo para isso. Precisam lutar para sobreviver, trabalhar", diz ela. Karina entendeu que não havia outra escolha.
"Tinha de lutar por mim e por elas, já que posso dispor de tempo, energia, recursos e habilidades para fazer algo em prol do movimento. Foi esse o meu chamado para a ação e até para ter uma razão de existir."
Frase é a líder de vendas
Só depois de criar a frase "Lute como uma garota" é que surgiu o nome da marca, Peita, um e-commerce de camisas e outros produtos ligados ao movimento feminista. No portfólio, há outras frases em canecas, moletons, ecobags e papelaria, mas a "Lute como uma garota" sempre liderou as vendas, desde o começo.
"É o primeiro contato das pessoas com a marca, a principal frase de entrada para as pessoas conhecerem e se identificarem com o movimento feminista", diz. De 400 pedidos que a Peita recebe por mês, pelo menos 300 são de artigos com a frase estampada.
A repercussão da marca também fez crescer a pirataria nos marketplaces. A loja já encontrou 69 réplicas da camisa à venda em um dos maiores e-commerce. "Chegamos a entrar em contato com alguns vendedores e pedimos para não reproduzirem o nosso layout", afirma.
"Pedir que não usassem a frase iria contra o que a gente acredita e, como uma tradução, o uso é livre, mas quando usam nosso layout, pega forte na gente". Por isso, Karina decidiu fazer o registro de direito autoral do desenho da camisa como forma de proteção do produto.
"Registramos para impedir que alguém me tirasse o direito de usar a marca, mas apesar dos problemas com fakes, isso mostra que chegamos em um ponto em que a mensagem já ultrapassou a marca, que cada vez mais pessoas estão se identificando com ela."
Loja só com mulheres
Na Peita, a transformação também está nos bastidores. Todas as cinco funcionárias, na produção, operação e atendimento, são mulheres. Até o fim do ano, a marca deve inaugurar sua loja física em Curitiba. Há ainda uma representante em Portugal, que produz e distribui camisas para Europa, Ásia e Oceania.
Além do "Lute como uma garota", a marca também passa uma mensagem de coragem, segundo a idealizadora. A palavra Peita, diz Karina, representa ao mesmo tempo o feminino de peito — reforçando o posicionamento do feminismo de mudar o gênero das palavras como forma de representatividade — e ato de peitar, em alusão à luta feminina.
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