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Empresária ensina bordado a detentos: 'Levar oportunidade'

A empresária Milena Curado - Felps AC/Divulgação
A empresária Milena Curado Imagem: Felps AC/Divulgação

Ed Rodrigues

Colaboração para Universa, no Recife

03/12/2022 04h00

Uma empreendedora de Goiás está ensinando bordados a detentos do sistema carcerário com o intuito de dar a eles uma profissão e ajudar na ressocialização. Os internos, que trabalham na empresa dela, recebem por produção. Além disso, a cada três dias de trabalho, os detentos têm redução de um dia da pena. A bordadeira conheceu as técnicas com a avó na infância e, mais tarde, já adulta, a tradição de família virou ocupação.

Milena Curado, 46 anos, explica que começou com uma produção familiar de roupas bordadas a mão, em 2007. As atividades ocorriam em parceria com a mãe e a avó dela. Como é um trabalho que demanda tempo e dedicação, e com o sucesso das vendas, o trio já não estava dando conta da produção e pensou em ampliar o quadro de funcionários por meio de alguma ação social.

"Eu já tinha conhecimento de trabalhos desenvolvidos dentro dos presídios e na época conheci uma moça que estava fazendo isso em um presídio em Goiânia. Quando ela me falou dessa experiência, fiquei empolgada com a oportunidade de fazer algo nesse sentido. A princípio, ela apresentou a minha proposta de trabalho lá, em Goiânia, mas, na mesma época, eu fiquei sabendo que aqui na Cidade de Goiás tinha dentro do presídio uma cela feminina com cinco mulheres presas. Então, em 2008, dei início a essa ação aqui, na intenção de levar geração de renda e oportunidade para essas mulheres que estavam encarceradas naquele momento", conta ela a Universa.

A artesã não consegue dimensionar quantos detentos já passaram pelo projeto, mas ressalta que, em 14 anos, várias pessoas foram impactadas, direta e indiretamente, uma vez que houve um período no qual esposas e familiares de reeducandos também foram acolhidas pela iniciativa.

"Temos um exemplo de um núcleo familiar composto por pai, mãe, esposa e filho de reeducando que viveu por cinco anos com a renda somente do trabalho de bordado. Fizemos um filme contando essa história. Então, com essa ação conseguimos inverter a situação da maioria lá dentro. Antes a família precisa manter as despesas deles, hoje eles contribuem com a renda da família. Por isso, não conseguimos mais calcular em números quantas pessoas foram realmente beneficiadas com essa ação", diz.

No início, Milena ministrou uma oficina de bordado livre para cinco mulheres que estavam no sistema. Dessas cinco, duas tinham sido presas com os maridos. Elas ensinaram os maridos a bordarem e eles se tornaram multiplicadores. Atualmente, os próprios detentos capacitam os demais participantes. Com a artesão, eles aprenderam a fazer a transferência do desenho para o tecido. Copiam os desenhos de Milena e multiplicam em seus panos. Bordam também as próprias roupas para serem identificadas.

"Ensino também a combinação de cores para serem executadas em cada trabalho. Com isso, consigo criar uma identidade visual da peça. Somos um projeto reconhecido e premiado por várias instituições de relevância no Brasil: Iphan, Sebrae, Facebook, Pequenas Empresas e Grandes Negócios. Entre outros reconhecimentos municipais e estaduais, temos um filme e um documentário que já foram selecionados em festivais de cinema, além de várias matérias e artigos publicados contanto nossa trajetória", ressalta.

Disciplina e bom comportamento são pré-requisitos

Para serem inseridos no projeto, os detentos precisam ter disciplina e bom comportamento dentro do presídio. A artesã faz uma lista com pessoas que querem entrar, mas, quando surgem novas vagas, é o diretor da unidade quem define os que serão contemplados. Isso, destaca ela, tem surtido um efeito positivo, uma vez que há uma mudança de atitude deles para serem escolhidos.

Quanto à remição de pena, todos os reeducandos que desenvolvem qualquer tipo de trabalho dentro de presídio têm direito. Três dias de trabalho equivalem a um dia a menos de prisão. "Para eles, esse é um grande benefício também, além da terapia ocupacional e da remuneração. Pagamos por cada peça produzida, fazemos o pagamento mensal para um familiar ou depósito em conta que eles indicarem", acrescenta.

Arte que liberta pessoas

O bordado tem uma relação com a cidade de Milena desde a época do movimento abolicionista, quando as mulheres encontraram uma forma de contribuir com o movimento promovendo as quermesses para vender seus trabalhos manuais. Com o dinheiro arrecadado, conta a artesã, elas compravam alforrias de escravos e escravas.

"Descobri isso há pouco tempo através de uma pesquisa do professor doutor Thiago Sant'Anna. Uma situação muito interessante é que dentre essas mulheres tinham duas que têm os mesmos sobrenomes que os meus: Curado e Barros. Então, hoje a análise que faço é que, se em 1887 as mulheres da minha cidade libertavam pessoas através das 'prendas domésticas', hoje em outro contexto após 135 anos posso dizer que continuo a libertar pessoas através dessa arte", ressaltou.

Milena lembra que a avó dela sempre bordou. Não era uma coisa levada como profissão. Bordava para decorar a casa e enfeitar os vestidos das crianças (era mãe de 14 filhos). E foi com a avó que a bordadeira aprendeu o ofício. Deu seus primeiros pontos aos oito anos de idade.

"Sempre gostei de trabalhos manuais, e o mais interessante é que ela, a minha avó, me ensinou a bordar aos oito anos e depois ela bordou comigo até os 90. Minha mãe está com 72 anos e continua bordando comigo até hoje", diz.

'Homens também bordam'

Atualmente em liberdade, Denis Carlos conheceu Milena por meio do projeto dentro da penitenciária. Ele se interessou tanto pelo trabalho que passou, além de participar, a organizar a distribuição de tarefa entres os detentos.

"O projeto começou com mulheres, mas, como algumas têm namorado ou marido, os homens as ajudavam. Então, Milena percebeu que os homens também bordavam bem e colocou a gente no projeto. Ele foi importante. Por meio do projeto consegui sair quase dois anos antes do fim da pena", diz Denis.