'Ouvi que minha filha teria de lutar pela vida e não caberia na barriga'
A superintendente Michelle Sampaio, de 40 anos, chamou a atenção nas redes sociais com um vídeo em que aparece levando a filha Maria Clara, de 5, à escola. De mãos dadas com a mãe, a menina arrasta a mochila de rodinhas. Depois, se despede com um beijo e um abraço.
A história parece igual à de milhares de mães, se não fosse por um detalhe. Diagnosticada com um tipo raro de nanismo, a displasia diastrófica, Michelle teve de lidar com uma sentença difícil assim que engravidou.
"Falaram que minha filha teria de lutar pela vida e não caberia na barriga", conta Michelle, que tem os membros superiores e inferiores encurtados pela condição grave.
A previsão não se confirmou: Maria Clara nasceu saudável e hoje mãe, filha e o pai, Tiago, compartilham momentos de diversão nas redes sociais. A família mora em Juazeiro do Norte (CE). A Universa, Michelle conta sua história.
"Conheci meu tipo de nanismo aos 30 anos, hoje tenho 40. Quando era criança, não andava até os 3 anos e meio, minhas pernas eram bem 'tortinhas'. Meu pai amarrava minhas pernas para tentar 'consertá-las' com aquele jeitão de pai.
Um médico famoso disse para minha mãe que eu não tinha possibilidade nenhuma de andar, então nunca fiz tratamento. Quando se é criança, não dá para reparar que uma pessoa tem esse tipo de nanismo porque é tudo estruturado, os braços são proporcionais. Mas, à medida que o tronco vai crescendo, os braços não crescem e então dá para notar que há algo errado.
Quando comecei a estudar, íamos eu e minha irmã juntas à escola. Ela é um ano mais nova do que eu e me ajudava a levar o material, a ir ao banheiro. Na época, uma escola não quis me aceitar. Disseram que não tinham condição de me dar auxílio nem separar uma pessoa para me ajudar.
Minha mãe ameaçou até processar. Acabei estudando lá por um ano até que ela decidiu pedir minha transferência. A diretora implorou para que eu ficasse porque era a melhor aluna, mas minha mãe disse que só me deixou lá para provar que eu tinha capacidade igual aos outros.
Sempre fui alegre na escola e tinha em mente que precisava estudar. Minha vida inteira foi só 10 no boletim! Sobre bullying, se eu sofri, não sei: sempre fui muito bem resolvida e, na minha mente, enquanto criança, eu não tinha nenhuma deficiência, até porque ninguém da minha família me tratava diferente.
'Ouvi que o curso não servia para mim'
Quanto mais eu ouvia que eu nunca conseguiria as coisas, seja faculdade ou namorado, mais tinha vontade de provar que eu conseguia. Passei na primeira faculdade de automação industrial, que mexe com robótica, e o professor disse no primeiro dia de aula para procurar outro curso porque aquele não servia para mim.
De 30 alunos, cinco se formaram e eu era um deles. Depois, fiz administração, já tinha sido aprovada no concurso do Banco do Brasil e tenho uma certificação internacional de investimento. Só eu e mais uma pessoa no Ceará possuem esse certificado.
'Ser mãe era um sonho'
Não existia nenhum caso de mulher com meu nanismo, no mundo, que engravidou. Então, achava que não tinha possibilidade de eu engravidar. Pesquisei tudo sobre meu tipo de nanismo e sabia que, se um dia eu engravidasse, meu filho não nasceria com nanismo porque é um nanismo recessivo [dependeria de o pai também ter a condição genética].
Sempre foi meu sonho ser mãe. Se eu não fosse mãe, adotaria. No início da gravidez, fiquei com aquela preocupação: 'ai, meu Deus, será que vai caber?'. Fiz todo o acompanhamento com uma obstetra de risco e ela fez uma dieta regrada, pensando que Maria Clara nasceria com cinco meses, que lutaria muito pela vida dela e não caberia na minha barriga.
No primeiro dia de consulta, ela disse que me daria um atestado para ficar em casa até o fim da gravidez. Eu disse: 'não quero, vou trabalhar'. E trabalhei até o dia de tirar férias para ganhar minha filha. Então, Maria Clara nasceu com oito meses e não tive uma dor, nem na unha.
Depois que ela nasceu, até pensei em ter outro bebê, mas tem toda uma dependência de ter uma babá. Minha mãe, quando eu trabalho, fica com a Maria Clara à tarde. Pela manhã, ela estuda e, quando eu chego do trabalho, fico com ela.
Sempre a levo para a escola e ela diz 'minha mãe é pequena'. As outras crianças aceitam naturalmente. Brinco com ela desde que é mais novinha, perguntando se ela queria que a tia fosse mãe dela e ela sempre diz que não.
É o que eu sempre falo nas minhas palestras: as pessoas se veem da forma como você se vê. Nunca me vi como uma pessoa pior. Como eu não me vejo diferente de qualquer outra mãe, os alunos também não vão me ver diferente.
'Nunca vai deixar de existir preconceito e bullying'
Eu brinco comigo mesma. Trabalho na Superintendência do Banco do Brasil e, quando o superintendente nos chama, falo para meu colega esperar meia hora para ir porque é o tempo que levo para chegar até lá.
Conheço pessoas que falam comigo no Instagram, que são iguais a mim e dizem que ficam presas em casa. Mas nunca vai deixar de existir preconceito e bullying: se você se entregar a isso, é pior.
Recebo comentários de haters no meu Instagram e no meu Facebook. Não apago nem respondo para não dar voz a eles porque é isso que eles querem. Passo por preconceito, mas não me deixo levar."
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