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Festas e férias com pais separados: vale ouvir o filho? Como evitar tretas?

Pais podem alternar férias e feriados ou estabelecer tempo de cada um - Unsplash/Xavier Mouton
Pais podem alternar férias e feriados ou estabelecer tempo de cada um Imagem: Unsplash/Xavier Mouton

Glau Gasparetto e Thaís Lopes Aidar

Colaboração para Universa

30/12/2022 04h00

A separação de um casal costuma ser delicada quando há filhos. E, em algumas épocas do ano, como datas comemorativas e férias escolares, as divisões tendem a deixar os ânimos ainda mais acirrados. Afinal, com quem deve ficar o filho durante as festas e o recesso escolar? Como conciliar os interesses de todos?

Em muitos casos, as regras gerais de convivência dos pais com as crianças são estabelecidas em acordos na Justiça. O diálogo ajuda a resolver situações específicas que podem causar discussões nessa época do ano e a adaptar os combinados para fazer valer o bem-estar da criança.

Na solução do quebra-cabeça, vale até colocar no papel as datas e definir os esquemas antecipadamente. O ideal é que os filhos se sintam seguros para curtir os momentos festivos, sem cobranças.

No caso da assessora Wendy de Oliveira, 38 anos, os combinados tiveram de começar cedo. O rompimento aconteceu quando o filho Mateus tinha apenas um ano. No começo, seguir o que ficou definido na Justiça era o melhor caminho, sobretudo porque a relação entre ela e o pai do menino estava abalada.

Nós acertamos como seria essa guarda compartilhada no dia a dia e também nas datas [comemorativas]. Então, no aniversário do pai, eles costumam ficar juntos. No meu, comigo. Já Natal e Ano-Novo são alternados: em um ano, o Mateus passa o Natal comigo e o Ano-Novo com o pai. No ano seguinte, a gente troca
Wendy de Oliveira

Hoje a situação entre os pais é mais tranquila e ambos procuram seguir o acordo com adaptações, conversando e pensando no bem-estar de Mateus, que já tem 6 anos. Apesar disso, Wendy acredita que decisões firmadas na Justiça servem de guia, principalmente quando é difícil para os adultos chegarem a uma definição.

Feriados alternados

Mesmo que os pais separados não tenham um acordo formal, a ideia de alternar as festividades ao longo dos anos, como faz Wendy, é um bom caminho. Segundo o psicólogo analítico Kleber Marinho, da Clínica PPI, esse formato pode funcionar também para outros feriados além dos que ocorrem no fim do ano. A prática, no entanto, não é tão simples quanto a teoria.

"Há interferências de questões econômicas, relações de cunho afetivo e familiar, empecilhos de relações trabalhistas, entre outras questões. De qualquer modo, deve-se considerar prioritariamente a melhor condição para a criança naquele momento, sobretudo observando sua a idade."

O combinado nunca sai caro

Para a psicanalista Paloma Carvalhar, uma forma de fazer um acordo sobre quem fica com a criança é definir um cronograma a cada seis meses, que contemple não só as datas comemorativas, mas também as férias.

A gerente artística Karina Couto, 39 anos, por exemplo, já definiu com o genitor das filhas de 7 e 10 anos quem fica com as meninas e quando. Nas férias, as crianças ficam 15 dias com ela e 15 dias com o pai, repetindo a programação quando o período é maior.

"As férias devem ser rateadas entre os pais. Normalmente, os filhos ficam 15 dias com cada. Entretanto, pode ficar estabelecida uma alternância", aponta a advogada Isa Stefano, especialista em direito de família e sucessões.

Nesse caso, a divisão pode não ser de dias, mas de férias — de verão e de inverno. Ou seja, um dos pais pode ser o responsável pela criança durante julho e o outro assume em dezembro e janeiro. Aí, basta alternar no ano seguinte, invertendo as escolhas.

Em caso de guarda compartilhada, os pais podem decidir entre si qual forma funcionará melhor. Se ambos estiverem trabalhando durante as férias dos filhos, a orientação de Isa é seguir o que foi estabelecido no regime de guarda e visitas, já que nenhuma parte pode se omitir nos cuidados com a criança.

Brigas - Unsplash/Derek Thomson - Unsplash/Derek Thomson
Ideal é evitar brigas sobre as datas na frente da criança e ouvi-la sempre que possível
Imagem: Unsplash/Derek Thomson

E se houver briga mesmo assim?

Apesar de os combinados ou decisões judiciais resolverem boa parte das divergências, nem sempre serão a solução definitiva para a questão. Sem contar que imprevistos acontecem — como um contratempo no trabalho que impede aquela folga programada, por exemplo — e exigem nova abordagem.

"Nesse caso, os guardiões precisam verdadeiramente refletir sobre suas reais possibilidades, 'baixando a guarda' literalmente, para o estabelecimento de trocas, buscando empatia e, sobretudo, visando a criança como prioridade", propõe o psicólogo analítico Kleber.

Embora a decisão judicial ou até mesmo um combinado entre os pais seja estabelecido para as festas e férias, nem sempre as partes cumprem o acordo. Nesses casos, pode haver sanções para quem descumprir a sentença de guarda.

"Pode ser desde uma ação revisional [mudança] de guarda; uma ação de obrigação de cumprir corretamente com as visitas; até uma ação indenizatória para os casos em que o não exercício [da guarda] trouxer danos materiais ou morais", diz Isa.

Para Paloma, caso seja difícil estabelecer com quem o filho passará as datas, é bom ter em mente que esse comportamento pode afetar a criança de diversas maneiras. Entre as possibilidades, o filho pode sentir culpa por julgar ser o motivo daquela briga, influenciando a autoestima e autocobrança, trazendo angústia e até ansiedade.

Além disso, a criança pode desenvolver a necessidade de sempre agradar os outros, inclusive os pais, o que causa insegurança.

Algumas dicas da psicanalista Paloma podem ajudar quem está passando por isso:

  • Analise racionalmente: quais são os motivos dessa discussão? Busque separar o aspecto emocional do parental. Pergunte-se: "Essa briga está relacionada às responsabilidades enquanto pais ou reflete conflitos do casamento e/ou divórcio?".
  • Na ponta do lápis: Para visualizar melhor, coloque as datas em questão e as possíveis divisões em um papel. Isso será bom para tornar a questão mais prática.
  • Busque ajuda profissional, se for preciso: essa pessoa (um psicólogo, por exemplo) pode auxiliar na mediação do conflito. Vale pensar, também, em apoio individual para cada pai.
  • Nem certo nem errado. Tenha em mente que, em situações como a guarda dos filhos durante as férias, os acordos podem variar de família para família. O importante é verificar se o acordo ficou adequado para as partes envolvidas.
  • Evite brigas e conflitos na frente da criança. Também vale um policiamento para não falar mal da outra parte na presença do filho, evitando gerar intrigas.
  • Estimule que a criança aproveite quando estiver com a outra parte. Evite em cobranças ou chantagens emocionais e incentive sua relação com todos os adultos envolvidos, para que ela se sinta segura, amada e acolhida

E a vontade da criança?

Férias - Guilherme de Germain/Unsplash - Guilherme de Germain/Unsplash
Criança pode ter dificuldade de entender nova configuração familiar e preferir passar as férias com um dos genitores
Imagem: Guilherme de Germain/Unsplash

Para o psicólogo infantojuvenil Miguel Bunge, autor do livro "Criação Consciente", pode ser difícil para a criança compreender o novo cenário familiar quando os pais se separam. É preciso, portanto, diálogo com linguagem adaptada à criança para que ela, aos poucos, entenda a situação.

Até essa adaptação acontecer, pode ocorrer de a criança preferir ficar mais com um dos pais, sobretudo nas festas e férias, independentemente das determinações pela guarda compartilhada.

"É importante avaliar a razão desse pedido. Será que é porque aquele responsável deixa a criança fazer o que bem entender? Por que tenta comprar a atenção desse filho? Vale escutar a criança e aprofundar-se nas razões do desejo dela", explica Miguel.

Dependendo da idade, também é esperado que a própria criança se posicione, expondo suas vontades. Ela pode dizer aos pais com quem prefere estar em determinada data e até dar motivos para tal escolha.

Acatar essa vontade vai depender da idade: a partir dos 12 anos os filhos já podem escolher com quem gostariam de ficar, desde que o juiz concorde com tal solicitação, ou seja, avaliando que aquele responsável tem mesmo condições de cuidar do pré-adolescente.

Nas férias, pensão continua

Outro ponto importante é lembrar que direitos e deveres permanecem nessa época. Guarda compartilhada diz respeito à divisão de responsabilidades, e não significa fim da necessidade de pagamento de pensão, por exemplo.

Dessa forma, nas férias, o valor combinado deve ser sempre pago, não importando se a criança passará um período com o responsável que paga a pensão.

"O valor pago não é somente para as questões de lazer — ele envolve outros gastos, como escolares e plano de saúde. Assim, os alimentos devem ser pagos exatamente do modo que foi fixado em sentença", diz a especialista em família.