'Quando engravidei, senti como se tivesse deixado de ser uma pessoa'
"Desde que anunciei minha gestação, perdi contratos, 'amigos' se afastaram, e a solidão bateu como se eu estivesse doente e precisasse de isolamento. Como se eu tivesse deixado de ser uma pessoa."
A declaração da cantora Indy Naíse no Instagram, no ano passado, destoava de outras publicações. Acostumada a falar sobre suas músicas, aquele texto era um desabafo de uma mulher frustrada com a carreira, após ter engravidado. Aya Mahín, a primeira filha de Indy com o artista D'Ogum, tem hoje 10 meses.
O impacto da gestação na carreira é relatado por várias mulheres, em diversas áreas. Na música, artistas como Indy contam que há dificuldade em manter contratos. A Universa, a baiana Indiara Naíse Varjão da Silva, de 29 anos, conta sua história.
"Minha carreira começou em 2014, em São Paulo. Tinha quase 21 anos e só me convenci a viver do meu sonho depois de ganhar um festival de música. Meu primeiro disco, 'É Questão de Cor', saiu em dezembro de 2018. Aya Mahín nasceu no dia 20 de fevereiro, depois de nove horas de parto.
Quando me vi grávida, imaginei que encontraria barreiras na carreira e, por esse motivo, senti medo. E isso, de alguma forma, tornava as coisas mais difíceis para mim, na minha carreira. Me via capaz, sabia que poderia dar conta, mas o medo não era de mim, era dos outros.
'Ninguém entendia'
Foi a partir de um post que compartilhei sobre a gravidez que as coisas começaram a mudar. 'Magicamente', saí de um momento incrível, que era o lançamento do meu EP visual, que teve uma ótima aceitação do público, para outro completamente oposto.
E todo mundo dizendo: 'Indy, com esse trabalho, era para você estar girando, fazendo shows. Não entendo o que está acontecendo!'. E eu também não entendia. Não fazia sentido.
Logo após o anúncio da gravidez, procuramos a marca com que estávamos negociando, pois ela passou a nos deixar no gelo de repente. Então nos disseram que eu não tinha mais o perfil para trabalhar com a marca, sem especificar o motivo ou dizer qual era esse perfil.
Depois nos demos conta de que era pela gravidez, pois outros artistas contratados eram do mesmo nicho que o meu. Foi um balde de água fria. Fora que também deixei de ser procurada por outras marcas, o que acontecia com muita frequência antes de engravidar.
Também vieram as negativas de shows. Meu público marcava as casas noturnas nas minhas publicações, pedia meus shows. As empresas chegavam até a 'curtir' os comentários, mas enviamos diversos e-mails e quase nenhuma retornou.
'É um preconceito da própria sociedade'
Tornar-se mãe parece ser algo negativo dentro da indústria musical, mas esse é um preconceito da própria sociedade em relação à maternidade. É como se nos tornássemos incapazes de realizar nosso trabalho.
Pensando no mundo corporativo, muitas mães perdem empregos porque a maternidade dá 'prejuízo' à empresa. São idas ao médico, mal-estar físico e, depois, ainda tem os cuidados com o bebê e a criança. Não seria diferente na indústria musical.
Se levo minha filha comigo, pedimos, por exemplo, um camarim adequado para ela estar junto e, às vezes, para um contratante isso é um incômodo. Já fui questionada se ela ficaria 'quieta' se a levasse junto a um ambiente de trabalho.
Como posso prometer que um bebê ficará quieto se sua única forma de comunicar uma necessidade é o oposto disso?
Penso demais que, se não tivesse engravidado, poderia ter crescido mais profissionalmente. Não estou lamentando ter engravidado, é claro, mas a postura da indústria com mães e gestantes.
Essa postura não é exclusiva do meio artístico, mas acontece muito nele — e acredito que seja até mais velada e menos pautada, justamente pelo medo que temos de perder contratos. Em muitas publicações que fiz sobre o assunto, foi assustador o número de mulheres que estavam passando pelo mesmo em diversas áreas, mas principalmente na música.
'Tenho de me provar o tempo todo'
A maternidade tem exigido mais de mim, enquanto mulher e artista. A sensação é que parece que agora tenho de me provar mais e mais. Fico com um sentimento de voltar à estaca zero, de ter de recomeçar.
Quando se tem um filho, qualquer coisa que se vá fazer, a primeira pessoa em quem você pensa é nele. Você deixa de ser prioridade. É instintivo, até. Então, naturalmente, no início da maternidade, me deixava de lado — por ser o momento da criação do vínculo, a fase do desenvolvimento.
Queria ter lançado um disco de inéditas, mas seria humanamente impossível. Então, mudei de ideia e adaptei o projeto para um remix do meu último trabalho. Era o que eu podia entregar no momento. Me sinto uma malabarista, que a todo tempo não pode deixar os pratos caírem. É exaustivo e, muitas vezes, frustrante.
Mas hoje olho para minhas criações e penso no quanto quero fazer mais e melhor. Aya me inspira. Divago em ideias e projetos, que só vieram à minha mente após ter o encontro com minha filha. A minha melhor e maior criação é ela.
'Até os amigos se afastaram'
Disseram que a gravidez é separar o joio do trigo — e realmente é. Até previa que alguns amigos se afastariam. Muita gente deixou de me procurar com a mesma frequência, de me convidar para rolês.
Às vezes, também queriam opinar sobre a forma como levava minha gestação, mas não perguntavam se eu estava bem ou precisava de algo. De algumas pessoas eu mesma escolhi me afastar, pois me disseram coisas violentas e invasivas.
Se pudesse mudar o passado, voltar no tempo, acho que esperaria mais uns meses para anunciar a gravidez, considerando os riscos que isso me trouxe profissionalmente. É triste ter de dizer isso, pois revelar uma gravidez é uma escolha de quem está gestando, que não deveria impactar na vida profissional.
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