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Ativista de cuidados paliativos, Ana Mi venceu a morte com seu legado

Ana Michele Soares, finalista do Prêmio Inspiradoras 2022 na categoria Informação para vida - Julia Rodrigues/UOL
Ana Michele Soares, finalista do Prêmio Inspiradoras 2022 na categoria Informação para vida Imagem: Julia Rodrigues/UOL

Natália Eiras

Colaboração para Universa

24/01/2023 04h00

Há poucas certezas na vida e uma delas é a de que, um dia, vamos morrer. A morte, porém, não deixa de ser assustadora. A ativista e jornalista Ana Michele Soares tinha uma relação mais próxima com esse fato inevitável do que a maioria das pessoas. Há 12 anos, ela convivia com o câncer e, há oito, sabia que não havia cura. E sorria quando falava disso.

"O maior convite que você tem para falar sobre a vida é compreender que existe um fim", disse em entrevista a esta repórter quando foi indicada ao Prêmio Inspiradoras 2022, na categoria Informação para a vida. Ela não participou da cerimônia, em setembro do ano passado, porque começava a sua última temporada de internações hospitalares.

Em 14 de dezembro, Ana Mi comemorou seu aniversário de 40 anos no hospital em que ficou internada por três meses. "Quando recebi meu diagnóstico, aos 28 anos, falei para uma amiga: 'Se eu chegar aos 40 anos, vai ser um milagre'. Eu cheguei", escreveu, no Instagram. Ana morreu no sábado (21).

A doença começou na mama, mas um exame de controle, em 2015, acusou metástase no fígado. "Era uma questão de expectativa de vida, de sobrevida. Pensei: 'o que fiz com a minha vida?'", falou a Universa. A partir desse questionamento, ela deixou uma marca no mundo: um abraço reconfortante para quem estava em cuidados paliativos como ela.

Inicialmente, ela criou o projeto Paliativas, com a amiga Renata Lujan, também paciente de câncer. As duas começaram a divulgar tratamentos que dão conforto e bem-estar. Por algum tempo, Ana Michele se tornou a principal cuidadora de Renata que, em 2018, morreu. A jornalista sentiu a perda, mas continuou o trabalho que culminou em dois livros, "Enquanto Eu Respirar" (2019) e "Vida Inteira" (2020), ambos pela Editora Sextante. Criou, em 2020, a Casa Paliativa, um centro de acolhimento para pessoas com doenças que ameaçam a continuidade da vida e seus cuidadores.

Livros de Ana Michelle Soares

Livro 'Enquanto Eu Respirar', de Ana Michelle Soares

R$ 49,90

Livro 'Vida Inteira', de Ana Michelle Soares

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O humor também tinha espaço na vida de Ana Mi. A ativista fazia piadas que apenas uma pessoa que estava em paz com a morte conseguia fazer. Na nossa conversa, tivemos um papo sobre afetividade e vida amorosa. "Eu sou um ótimo partido, o meu companheiro pode ficar com uma pensão do INSS", brincou. Uma das coisas mais importantes que aprendi com ela foi que tudo bem encontrar comédia nas tragédias da vida.

No começo de janeiro, depois de um tempo na UTI, Ana Michele decidiu fazer uma lista de desejos que gostaria de realizar. A ideia foi inspirada na amiga Renata Lujan. A lista incluía fazer algo perigoso, comer dobradinha, ver o documentário "Quantos Dias, Quantas Noites", de Cacau Rhoden, dormir mais uma vez em casa e ver o cachorro Malbec.

Os amigos e familiares de Ana Michele fizeram uma força-tarefa e cumpriram a lista. O chef Rodrigo Oliveira, do Mocotó, mandou uma marmita de dobradinha. O documentário de Cacau Rhoden estava em finalização, mas a ativista assistiu a uma versão em um cinema improvisado no hospital. Duda Beat até fez uma versão de "Bixinho", uma das favoritas de Ana Mi, especialmente para a jornalista.

"Bixinho, você entregou tudo. Sabe aquele copo de requeijão que a gente raspa a tampa de alumínio quando abre e depois passa o pão em todos os cantinhos no final? [...]"Você morava num ponto de equilíbrio exato entre o ´aceito que vou morrer´ e ´vou ficar nessa vida aqui o máximo que puder, porra!´", escreveu Tom Almeida, amigo da ativista em seu tributo no Instagram.

O maior legado de Ana Michele foi, com sua relação próxima com a morte, nos ensinar a valorizar cada dia que acordamos respirando e entender que a finitude não é o fim do mundo. Ela odiava a expressão "venceu o câncer": dizia que invisibiliza quem convive com a doença até o fim da vida. "Eu estou vencendo todos os dias em que eu me levanto da cama", falou a Universa. Ela é, realmente, vencedora.

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