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Ela teve filho sem sexo com par que achou na web: 'falam que sou frustrada'

Jamille e o filho Uriel; ela e o pai são amigos e nunca tiveram relacionamento amoroso - Arquivo pessoal
Jamille e o filho Uriel; ela e o pai são amigos e nunca tiveram relacionamento amoroso Imagem: Arquivo pessoal

Beatriz Araujo

Colaboração para Universa

07/02/2023 04h00

Após ter tido de abortar um bebê por rejeição do ex-companheiro, Jamille Janaina, de 31 anos, decidiu não esperar um novo relacionamento amoroso para realizar o sonho de ser mãe.

Ela optou por uma modalidade chamada de "coparentalidade", quando pessoas que não têm vínculo romântico se unem para criar um filho de forma compartilhada.

Jamille, de Salvador, encontrou o "amigo ideal" pela internet e, após meses de conversa, engravidou sem sexo. A Universa, ela conta como isso ocorreu.

Busca delicada

"Tive relacionamentos longos. Fiquei noiva, cheguei a ter um filho, mas tive um aborto provocado porque o pai duvidou da paternidade. Foi muito 'punk' a forma como fui tratada desrespeitosamente.

Nada disso me fez descartar a possibilidade de realizar o meu desejo de ser mãe. E o que eu mais queria era que o pai fosse presente na vida do meu filho.

Meus pais são separados desde o dia em que nasci e são amigos. Eu via isso e achava super bacana. Me espelhei na amizade dos dois.

Acho que para um filho é melhor ter os pais amigos, mesmo que não estejam juntos, do que ficarem juntos e infelizes, tendo de aguentar a relação. Acho isso horrível e é desconfortável para a criança se sentir responsável [pelo casamento infeliz]

Busquei [a coparentalidade] porque queria ter um filho antes dos 30 anos e não queria ficar esperando a pessoa certa [para casar].

Algumas pessoas julgam. Falam que quem vai para a coparentalidade são as pessoas frustradas amorosamente. Mas, na maioria das vezes, a pessoa já está chegando a uma certa idade, não quer esperar.

A coparentalidade envolve uma busca muito delicada. A gente tem de procurar com cautela, saber quem é a pessoa, conhecer a família, para que não ocorram frustrações futuras, como os casos de homens que engravidam a mulher e somem. Ou de mulheres que engravidam e fogem com a criança, para que o pai não tenha acesso.

Não é só se jogar. É um processo de pisar em ovos e tem de ser feito com calma.

Fiquei em uma busca de mais ou menos 4 a 5 anos. Cheguei a conversar com diversos rapazes, vários. Não foram um, dois, cinco, não. Foram uns 25.

Alguns pensam que você só quer o dinheiro, outros querem fazer sexo fácil. São raros os que buscam respeito e ter um vínculo de amizade para gerar um filho.

Encontrei o pai de Uriel [o filho, de 1 ano] pelo Facebook. Foi uma amizade bem bacana, nos identificamos logo de primeira [o homem também queria ter um filho sem envolvimento sexual e amoroso].

Nos conhecemos em agosto [de 2020] e começamos a tentar em outubro por inseminação caseira [método sem sexo, em que o homem coleta esperma e a mulher injeta no canal vaginal com uma seringa]. Nós dois concordamos com o tipo de método.

Em janeiro [de 2021] descobri que estava grávida.

Meu parto foi maravilhoso, estava com minha mãe. O pai não quis assistir porque não gosta de ver sangue e, sendo sincera, acho que eu também não me sentiria à vontade com ele. Porque seriam minhas partes íntimas [expostas]. Temos uma amizade muito saudável.

'Participação é maravilhosa'

Estou aqui com o meu pequeno. A cada quinze dias ele pega o Uriel, fica com ele. Quando Uriel estiver maior, o pai quer que a gente tenha guarda compartilhada e eu disse 'sem problema nenhum'. Não vejo porque não.

A participação dele em relação ao meu filho é maravilhosa. Não tenho do que reclamar.

Não ando buscando ter um relacionamento, mas pode ocorrer. Estou neutra quanto a isso. Casar eu já não penso. Minha prioridade é meu filho

Eu quero, na verdade, ter outro filho antes de o Uriel completar dois anos. Tenho buscado novamente a coparentalidade nas redes sociais. Não acho o mais favorável esperar um relacionamento para ver se vai dar certo e depois gerar um filho."

Coparentalidade na lei

A coparentalidade ocorre quando duas pessoas que se conhecem assumem responsabilidades parentais, mas não formam um casal.

As redes sociais são usadas pelos adeptos da coparentalidade para fazer seus 'matches'. As pessoas costumam publicar fotos acompanhadas de um pequeno texto sobre si, dando detalhes sobre seus interesses e métodos de concepção a que estão abertas.

A coparentalidade não é prevista na legislação brasileira, mas há como utilizar parâmetros do Código Civil para pessoas divorciadas a fim de definir questões sobre guarda, convivência e alimentação da criança fruto da coparentalidade.

É o que explica Silvana do Monte Moreira, advogada e presidente da Comissão de Adoção do Ibdfam (Instituto Brasileiro de Direito de Família).

A coparentalidade é baseada no afeto entre os pais, ou mães, mesmo que não exista um relacionamento afetivo/físico entre eles, ou seja, o afeto parental subsiste e os filhos possuem as mesmas condições para um desenvolvimento saudável
Silvana do Monte Moreira, advogada e presidente da Comissão de Adoção do Ibdfam

"A criança tem todos os direitos inerentes à filiação, inclusive o de conviver com ambos os pais ou mães", explica Silvana.

Inseminação caseira traz riscos

Casais adeptos da coparentalidade buscam diferentes métodos para ter filhos: fertilização in vitro, adoção ou inseminação caseira. Essa última modalidade é vista com ressalvas por especialistas em saúde.

A injeção de sêmen por meio de uma seringa no canal vaginal pode causar infecção, reações alérgicas e não elimina os riscos de doenças sexualmente transmissíveis. Essa modalidade, no entanto, é escolhida, em geral, por casais que não têm condições financeiras de arcar com o processo inseminação articial em clínicas especializadas.