Isabelle Nassar, a Sara de 'Travessia': 'Marquei e desisti de 2 plásticas'
No ar como Sara na novela "Travessia", Isabelle Nassar despertou a curiosidade do público por sua aparência. Em uma busca pelo seu nome na internet, as reportagens que aparecem são questionando se ela é uma mulher trans.
"Apesar de estar em um grupo privilegiado —sou uma mulher branca, cisgênero—, me acham diferente. Isso me faz refletir que não entendemos nada sobre estereótipos, padrões e visibilidade trans", diz, em entrevista a Universa. Modelo desde muito jovem, já foi chamada de feia, entre outros insultos, e chegou a cogitar fazer cirurgia plástica duas vezes —com 15 e 17 anos. Desistiu de ambas e, disso, se orgulha até hoje.
Na conversa, Isabelle fala do caminho que seguiu para se tornar mulher segura, uma atriz gabaritada e uma mãe orgulhosa.
UNIVERSA: No Google, uma das primeiras perguntas relacionadas ao seu nome é 'ela é trans?'. Isso passou a acontecer depois da novela?
Isabelle Nassar: Foi principalmente por conta da novela. As pessoas me acham diferente e, apesar de estar em um lugar de privilégio como uma mulher branca, cisgênero, heterossexual, sou alta e tenho traços bem marcados. Me faz refletir que não entendemos nada sobre estereótipos, padrões e visibilidade trans.
A que conclusão chegou com essa reflexão?
Quando falamos de estereótipos femininos, principalmente de uma mulher que está no elenco da novela das nove, falamos de um padrão dentro de uma normalidade, estipulado lá atrás. Quando você sai desse modus operandi, acaba ouvindo essas coisas. Até dentro do set as pessoas já perguntaram minha altura. E quando eu respondia que tenho 1,74m, ouvia: "Coitada, não vai arranjar namorado". Quem disse que eu quero um namorado? Quem disse que a mulher não pode ser mais alta que o homem? São coisas do inconsciente que deveríamos deixar para trás, é muito binário.
Sofreu mais na infância e adolescência?
Sim. Apesar de carioca, fui criada no sul de Minas Gerais, onde as aparências são mais padronizadas do que nas capitais. Durante minha juventude, sofri com o bullying. Era chamada de esquisita, estranha, senhora queixo. Morava com a minha mãe, e meus pais tinham se divorciado, o que também era quase uma heresia: uma mulher solteira com uma filha. Tinham pessoas que levantavam da mesa para não comer perto da gente por causa disso.
Depois me tornei modelo e, por causa do que ouvia nas agências em que trabalhei, cheguei a marcar duas intervenções cirúrgicas: uma no nariz e outra no queixo. Mas, nas duas vezes, desisti porque o médico conversou comigo. Em uma das ocasiões eu tinha 15 anos e, na outra, 17. O cirurgião me falou que não era bem por aí, que gastaria dinheiro que não tinha sem ter certeza se era algo que queria mesmo fazer. Falou que eu poderia estar mudando algo que, com o passar dos anos, me tornaria diferente. Até hoje agradeço por ter desistido. Poderia ter ficado "linda" para um determinado padrão, mas não tem a ver com isso. Não era um desejo meu, era uma vontade de outras pessoas.
Você é mãe de uma menina de 12 anos. Como conversa com ela sobre autoimagem?
É um trabalho diário de muita conversa e que requer atenção. Minha filha tem um agravante, que todos esses jovens têm, que é o de ser jovem em uma pandemia, onde a única forma de comunicação foi pelo celular. Eles têm muito acesso à informação, o que os deixa ainda mais vulneráveis do que eu era na minha época. É irreal os filtros e corpos que são impostos na internet. Se antes éramos julgadas pelas pessoas que víamos na TV, hoje isso está em todos os lugares. Ela, assim como todos nós, está sujeita a inseguranças. Mas ainda estamos levando com tranquilidade a passagem da infância para a adolescência. É doloroso, sim, porque crescer nunca é fácil. Mas vamos conseguir levar com destreza.
Vê diferença no comportamento da sua filha em relação ao seu quando tinha a mesma idade?
Ela consegue se impor mais do que eu. Chama rodas de conversas na sala de aula quando se sente desconfortável. Na escola, por exemplo, ainda há uma questão entre meninos e meninas nos esportes. De meninos não quererem as colegas nos times porque falam que são ruins. Ela não reclama do que as pessoas falam, mas percebo nas atitudes. Me pediu para eu comprar bobes para o cabelo, por exemplo. Aí já noto que devem estar falando algo sobre o cabelo dela. Ela também já pediu para que os fios fossem presos de uma certa forma para que não armassem. Tem uma questão ali. Quem já passou por algo parecido sabe que está doendo em algum lugar.
Você é a mãe que prefere que a filha pergunte tudo dentro de casa?
Sim, mas, na verdade, minha filha, Maria, me ensina coisa para caramba. Teve um dia em que estávamos conversando na mesa, e ela falou que eu não podia mais usar o termo "bi", pois se referia apenas a dois lados da sexualidade e temos uma camada de gêneros muito maior do que isso. O correto seria eu usar "pam". Ela deu uma aula sobre racismo amarelo. Traz pontos políticos muito importantes. Que bom que está indo pelo caminho certo. Ela menstruou cedo e já acolhe as amigas. Em uma colônia de férias, uma amiga menstruou e ela ajudou. Foi muito legal.
Foi uma opção sua ser mãe aos 23 anos?
Não foi planejado, mas é a melhor coisa que já aconteceu na minha vida. Quando engravidei, aos 23, senti que ia conseguir. Era jovem, mas já tinha minha carreira, já havia conquistado algumas coisas e tinha uma rede de apoio. Acho que tenho mais medo de ter filho agora, a maternidade requer uma demanda e entrega muito grande. É uma demanda deliciosa, mas ela existe.
Em "Bom Dia, Verônica", você interpretou Olga, uma mulher que alicia meninas para um esquema de tráfico e prostituição. Para quem vê a série, ela é uma pessoa horrorosa. Qual foi a cena mais difícil de gravar?
Lembro uma cena bem específica no terceiro episódio, os personagen faziam um ensaio fotográfico com garotas para vender aquelas fotos. Então a Olga dirigia as meninas, de uns 15 ou 16 anos, em um ensaio hipersexualizado com menores de idade. O tráfico humano é um horror e essa cena foi indigesta de gravar. Tinham pouquíssimas falas, mas você consegue ver o tamanho da crueldade do ser humano. Mas bateu em mim porque, de alguma forma, era o que a moda fazia antigamente e o que as redes sociais tentam fazer com os jovens hoje.
E como se preparou para viver isso no set?
Fiquei muito tempo pesquisando e fui atrás de historiadores para ter um embasamento do que seria uma mulher completamente alienada por sua religião e pelo patriarcado. Minha personagem estava violentando uma criança. Mas dentro do set existe um lugar mais corporativo, onde está sendo construído um produto. Não quero ser holística, mas tem um quê de sagrado ali, desde a escolha das câmeras aos figurinistas e figurantes. Tem proteção e respeito para você se resguardar e conseguir realizar a cena. Porque se for pensar no racional, não consegue.
Você é pós-graduada em filosofia. Como esse conhecimento que te ajuda de maneira prática?
Me ajuda a escutar, a ouvir o outro em cena, a parar para refletir. Fica nesse limiar da presença, que é uma coisa que a gente estuda muito na filosofia: pensar na minha presença no mundo. Os grandes filósofos paravam alguns momentos do dia para contemplar o silêncio, para fazer nada. Esse estado, de só estar, o ator tem muito. E aí caí na discussão em relação ao feminismo. Foi e é muito bom poder estar em meio a uma rede de mulheres que pensam, dentro do ambiente acadêmico, o que é ser mulher. Minha pesquisa segue essa linha.
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