Mulher deve evitar separação de bens e homem que pague conta, diz advogada

No início deste mês, a advogada Miriane Ferreira não pôde estar na adaptação de seu filho mais novo, de 2 anos, no primeiro dia de aula na escola. Estar ausente em momentos familiares como este, diz ela, tem sido frequente pela alta demanda de trabalho, principalmente depois de seus conteúdos viralizarem no Instagram, há um ano. "O sentimento de culpa é inevitável", afirma.

Conhecida como Dra. Miriane nas redes sociais, ela é dona de um perfil no Instagram com 1,2 milhão de seguidores e ficou famosa dando conselhos jurídicos para mulheres não caírem em ciladas em relacionamentos com homens. Um de seus conselhos principais é fugir de casamento com separação de bens. "Muitas mulheres aceitam esse regime porque têm medo de serem tachadas de interesseiras", disse, em entrevista a Universa.

Embora defenda os direitos das mulheres, a advogada afirma que, em alguns momentos, se afasta do feminismo, sobretudo ao defender papéis de gênero definidos — acredita que homens devem pagar as contas sozinhos — e conceitos como "casamento de verdade". "Falo o que penso, baseado no que vivo, então há assuntos que são tabus", diz. "Mas muitas mulheres pensam o mesmo e não têm coragem de falar."

Relacionadas

Rebeca Andrade: noias com corpo, preparo para 2024 e novo 'Baile de Favela'

Ademara sobre encontro de influencers com Lula: 'Não foi viagem de férias'

'Estupro é arma de guerra mais barata que bala de AK-47', diz jornalista

A advogada conta que evitou o direito da família e chegou a se especializar em penal — mas prevaleceu sua aproximação com o tema, pelas vivências. Filha de mãe solo, foi assediada pelo padrasto e se casou aos 15 anos para sair de casa. "Também fui vítima, como a minha mãe, de relacionamentos abusivos. Fui impedida de estudar", conta.

A seguir, a entrevista.

UNIVERSA: Por que decidiu estudar direito?
Miriane Ferreira: Para ser juíza. Esse era o sonho da minha mãe. Mantive essa intenção até quase o final do curso.

No último ano da faculdade, temos o núcleo de práticas jurídicas, quando atendemos uma população para treinar. É um estágio. Comecei a atender mulheres em situação de vulnerabilidade. Elas estavam sendo enganadas pelo ex, pelo parceiro, pelo pai do filho.

Aquilo mexeu comigo. Reconhecia nas minhas clientes do núcleo situações que eu vivi. Gostaria de ter cruzado com uma pessoa do mesmo jeito como elas cruzaram comigo, que pudesse me falar: "Você tem direito a isso". Mas nem minha mãe nem eu tivemos essa oportunidade.

Como surgiu a ideia de produzir conteúdo para a internet?
Durante a pandemia, estava tudo muito parado e pensei em começar a fazer vídeos para o Instagram. Sempre fui tímida. Desde 2013, havia só uns cinco posts no meu feed. Resolvi começar a falar da minha área e o perfil foi crescendo. Tomou uma proporção que nunca imaginei.

Todo mundo falava que não ia dar certo. Mas insisti, até que meu Insta cresceu muito rapidamente. Em determinado momento, quando eu tinha uns 30 mil seguidores, um conteúdo viralizou. A partir dali comecei a crescer rápido. Agora estabilizou de novo. Mas, mas por uns cinco meses, eu ganhava 10 mil seguidores por dia.

O que despertou o interesse no seu perfil?
Falo o que penso, baseado no que vivo, então tem assuntos que são tabus.

Falar em regime de bens, sobre a mulher ter que dividir a conta e o homem ter que pagar, são tabus. As mulheres pensam nisso, mas não têm coragem de falar. Por exemplo, o regime da separação de bens. Muitas mulheres aceitam esse regime por medo de serem tachadas de interesseiras. Mas essa não é a verdade.

O regime da separação de bens prejudica muito a mulher, na grande maioria dos casos, porque ela interrompe a vida para ter filhos. Mesmo trabalhando fora, está sempre limitada aos horários da casa e dos filhos.

Já o homem pode sair, trabalhar e construir um patrimônio. Se você casar e falar "não quero o regime da separação de bens", não quer dizer que você é interesseira, quer dizer que você quer, a partir dali, construir um patrimônio com a pessoa, um casamento de verdade.

O que mudou na sua vida com a fama?
Antes, via uma pessoa com um milhão de seguidores no Instagram e falava: "Nossa, a vida dessa pessoa deve ser diferente da minha vida". Mas não tem nada de diferente.

O que mudou foi que tenho mais clientes, mais processos e meu curso. Profissionalmente, minha vida melhorou, mas o fato de ter 1 milhão de seguidores não me deu o glamour que eu imaginava.

Na verdade, trabalho 10 vezes mais, mas também ganho melhor.

Já viveu alguma situação semelhante às que expõe no Instagram?

Tenho muita empatia pelas minhas clientes, porque já passei pela maioria das situações que chegam até mim. Só não tive uma herança bem grande para receber.

Sou de Arapongas, na cidade aqui do lado de Londrina. Minha mãe me criou praticamente sozinha, eu e mais 3 filhos, numa cidade bem pequena. E meu pai era completamente ausente, praticamente ignorava a nossa existência.

Minha mãe teve um aneurisma e isso afetou a capacidade de julgamento dela. Conheceu uma pessoa que não era bacana. Ele começou a me assediar dentro da própria casa.

A mulher apaixonada, no caso ela, não percebia. Eu precisava sair de lá, mas não sabia o que ia fazer da minha vida, então arrumei um namorado, marquei casamento e fui morar com ele. Eu tinha uns 15 anos quando saí de casa para casar.

Meus relacionamentos eram fugas. Também fui vítima, como a minha mãe, de relacionamentos abusivos. Fui impedida até de estudar. Eu não podia ir para a faculdade, mas ainda assim eu queria perseguir o sonho da minha mãe [de se tornar juíza] para me libertar.

Conforme fui adquirindo liberdade financeira, pude sair cortando qualquer relacionamento abusivo. Por isso, incentivo as mulheres no meu Instagram a trabalharem e conseguirem o próprio sustento.

Como você lida com os haters?
Não me importo com haters. Sou meio blindada, por isso não fico brava. Mas três casos saíram do limite do razoável e processei as pessoas.

Já saíram duas decisões — um youtuber que não pode falar meu nome e uma candidata a deputada que vai ter que pagar uma indenização para mim. Outro processo está em andamento.

O youtuber fez um vídeo falando sobre o meu posicionamento como advogada, mas não atacava o posicionamento. Atacava a minha pessoa.

A candidata a deputada — que não foi eleita — pegou um vídeo meu e também me atacou pessoalmente. Ela pedia Pix para a campanha dela, agora vai ter que pedir Pix para pagar a minha indenização.

Você já sofreu com machismo no meio jurídico?
Nada diretamente, mas velado. Temos que provar mais nossa credibilidade e capacidade do que um homem. Se você é loira, cuida do seu cabelo, existe aquele preconceito de que é fútil.

Você criou seu filho sozinha. Isso chegou a te prejudicar profissionalmente?
Criar meu primeiro filho não foi fácil. Tudo que eu não queria estava acontecendo comigo. Fui criada sem pai. Como pensei que era melhor criar meu filho sozinha do que com uma pessoa que não corresponderia [às expectativas] como pai, tomei essa decisão e por alguns anos cuidei dele sozinha.

Depois, fiquei cinco anos casada. Meu segundo marido fez um papel de pai para meu primeiro filho e faz até hoje. Mas, por mais que exista essa presença, fica tudo para a mãe. Me separei e depois me casei novamente. Então fiquei oito anos casada e me separei recentemente.

Graças a Deus, hoje posso pagar bons profissionais para me ajudar, mas fica a culpa na gente por ter que trabalhar. É inevitável.

Com relação aos direitos das mulheres, o que podemos avançar na legislação?
A maioria das mulheres ganha menos do que o homem. Muitas nem trabalham. O que esses homens fazem no momento de um divórcio? Se aproveitam da vulnerabilidade financeira da mulher para fazer o que querem na partilha de bens. Precisamos ter uma carga probatória menor para a mulher vulnerável, dependente do marido.

É evidente que a mulher ela sai prejudicada numa separação, porque, financeiramente, o homem é a parte mais forte. Às vezes, ela aceita um décimo do que teria direito para resolver a situação, para não passar fome.

Qual a principal dica que você daria a mulher que está entrando num relacionamento?
Tenho certeza que muitas não sabem disso: mesmo quando a mulher só mora junto, não trabalha e os bens estão em nome do companheiro, ela tem direito à metade.

As mulheres, principalmente numa situação vulnerável, pensam não ter direito a nada se o relacionamento não está no papel. Mas, se está em união estável, tem direito à metade de tudo que for adquirido.

Outra dica: se você está casada em comunhão parcial de bens ou mora junto e o seu companheiro compra bens e os registra em nome de terceiro, gere provas disso. Grave conversas, tenha indícios de provas sobre a situação para, num futuro, numa partilha de bens, você conseguir alegar a fraude. Vai se preparando para não ficar sem nada.

E, se você é melhor e pretende ter filhos, pense bem antes de se casar pelo regime de separação de bens. Na maioria dos casos, a mulher sai prejudicada.

Você se considera feminista?
Conheci um viés radical do feminismo ao qual não me afilio. Em relação aos direitos das mulheres, sim, acho que precisamos lutar pelos nossos direitos. Não queremos direitos iguais, queremos equidade. Devemos ter direitos compatíveis para atingirmos o mesmo lugar que o homem. Precisamos de leis diferenciadas.

Mas continuo achando que o homem deve pagar a conta. Por mais que a mulher seja independente, cada um tem o seu papel. Não podemos criar "princesos". Não é porque somos independentes que vamos pegar o papel deles.