Agora que podem, jovens com menos de 25 anos se preparam para laqueadura
Com as novas regras que permitem a laqueadura a partir dos 21 anos —e sem autorização de cônjuge—, a coreógrafa Carolina Bernardes, 22, prepara-se para realizar o procedimento.
A laqueadura é a esterilização permanente em pessoas com útero. As trompas uterinas são cortadas e, depois, ligadas pelas extremidades, como explica a ginecologista e obstetra Lana Negretti. Assim, o espermatozoide fica impedido de seguir caminho até encontrar o óvulo. O procedimento é de difícil reversão. Cerca de 90 mil laqueaduras foram feitas no Brasil em 2022, segundo o DataSUS. Trata-se do método de prevenção contra a gravidez mais utilizado no mundo.
Não me vejo como mãe. Não é uma responsabilidade que quero carregar. Carolina
A lei 14.443/22, que permitiu a ela antecipar os planos de ligar as trompas, entrou em vigor no dia 2 de março. Antes, a cirurgia só era autorizada para pacientes a partir dos 25 anos ou que tivessem, pelo menos, dois filhos vivos. As regras são as mesmas para vasectomia - a esterilização permanente em pessoas com testículos.
A jovem optou por usar, provisoriamente, o DIU (dispositivo intrauterino), um pequeno objeto em formato de T inserido no útero. "Apesar de achar um método seguro, quem nunca ouviu a história da amiga da fulana que engravidou com DIU?", afirma.
Ideias machistas
Para realizar a laqueadura ou a vasectomia, a lei continua a exigir que os interessados tenham "capacidade civil plena" —três palavras que abrem uma brecha para que suspeitas a respeito da sanidade mental ou poder decisório dos candidatos à esterilização sejam levantadas.
Carolina Bernardes, por exemplo, já ouviu de conhecidos que a decisão de não ser mãe é inconsistente. "Dizem que vou mudar de ideia, que só preciso encontrar a pessoa certa", afirma. Ela já escutou a previsão de que, uma vez apaixonada, será incapaz de dizer "não" caso o desejo do cônjuge seja ter filhos.
"Relacionam uma decisão importante da minha vida a um homem", queixa-se a coreógrafa. "É uma ideia machista".
O cansaço da maternidade
Mãe de uma bebê de quatro meses, a profissional de gastronomia Débora Marinho, 22 anos, não pretende engravidar novamente. Apesar da discordância dos pais, faz planos para, em breve, procurar atendimento médico e realizar a laqueadura. Até antes de março, teria que esperar mais três anos para isso.
Já tenho uma filha, não quero passar por uma gravidez e um pós-parto novamente. Débora
"Não tenho condições psicológicas e nem vontade de ter mais filhos", justifica. "A lei é importante para a liberdade de escolha da mulher. A maternidade não é fácil e nem todo mundo está preparado para viver algo tão intenso e cansativo", avalia.
Joseane Sá, 22, está em um trabalho informal e pretende focar nos estudos e na busca por melhores oportunidades profissionais. Nesse roteiro, não há espaço para a maternidade.
"Muita gente se espanta quando digo não querer ter filhos", ela afirma, reforçando que a decisão é definitiva. Por isso, quer se valer da lei para realizar a laqueadura. "Um bebê exige um preparo psicológico enorme dos pais, sem falar nas condições financeiras", diz. Ela considera a lei um avanço para que as mulheres possam decidir sobre o próprio corpo, sem a interferência do Estado ou da igreja. "Precisamos ter autonomia".
Esterilização higienista
No Brasil, a técnica de esterilização foi aperfeiçoada e difundida a partir dos anos 1960. Entre as décadas de 1970 e 1980, durante a ditadura militar brasileira, o número de realizações do procedimento cresceu. Na época, discursos higienistas de controle populacional disseminavam a ideia de que os mais pobres deveriam evitar filhos.
No início dos anos 1990, uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito averiguou a laqueadura em massa no país. A partir do resultado das investigações, que constatou práticas indiscriminadas de esterilização, novas regras para o procedimento foram criadas.
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