Bruna Linzmeyer relata ter vivido tentativa de 'cura gay' em psicanálise
A atriz Bruna Linzmeyer, 30, está em cartaz nos cinemas como Melissa, personagem de "Medusa", filme de Anita Rocha da Silveira e protagonizado por Mari Oliveira. Melissa é uma artista famosa que tem o rosto queimado por outra mulher em protesto contra a maneira livre como conduz a vida.
Na história, o ataque contra Melissa inspira um grupo de religiosas fanáticas a sair às ruas, com máscaras, agredindo outras mulheres tidas como pecadoras. Nascida e criada em Corupá (SC), Bruna Linzmeyer tem de benzedeira a católica na família, todos convivendo em harmonia. Por isso, afirma, não foi difícil se assumir lésbica. "Claro que houve conflitos. Mas tive apoio", diz.
Bruna Linzmeyer conversou com Universa no último dia 10. A seguir, os principais trechos da entrevista:
UNIVERSA: "Medusa" retrata grupos de fundamentalistas religiosos atacando pessoas que não seguem a mesma crença. Ficou com medo de que essas agressões acontecessem na vida real?
Bruna Linzmeyer: O medo é um dos piores sentimentos do mundo. Ninguém precisa falar "não saia de casa", "não use essa roupa", "não beije sua namorada em público". Você se autorregula -- e aí está o perigo. Muitas vezes, esse medo autorregulatório me invadiu.
Qual sua relação com a espiritualidade?
Minha tataravó, bisavó, mãe e tias são benzedeiras, trabalham com ervas e eram parteiras. Na família, não tínhamos dinheiro para ir ao médico, íamos na benzedeira. Minha mãe trabalhou na igreja católica, foi coroinha e hoje trabalha num centro espírita. Minha avó vai à missa toda semana, mas também vai ao centro espírita e faz cirurgia espiritual. Frequento religiões, vou a alguns centros e igrejas diferentes.
Quando era mais nova, tentaram impor uma religião a você?
Não. "Medusa" retrata um tipo de gente que pertence a religiões controladoras, que querem atuar na política. Nos últimos anos, vimos isso acontecer na nossa cara. Mas reconheço a importância do papel desempenhado pelas igrejas na sociedade, principalmente em espaços em que o Estado não chega. São locais de acolhimento, onde se aprende a cantar e crianças ficam à tarde para os pais trabalharem.
O filme mostra mulheres cerceando seus desejos em nome da religião e com medo de críticas. Em algum momento você agiu assim?
O corpo das mulheres é visto como público. Pensam que podem dar opinião sobre nossos corpos, acham que sabem mais sobre a gente do que nós próprias. Tive uma experiência traumática em um consultório de psicanálise. A psicanalista era lesbofóbica e foi fazendo com que me cerceasse. Durante anos, vivi o que chamamos de cura gay. Como diz a escritora bell hooks, a liberdade é um exercício constante. Precisamos ter comprometimento com nossos desejos e construir uma rede de afeto que nos dê suporte. Se só convivemos com pessoas e familiares que nos julgam o tempo todo, fica difícil.
No Brasil, métodos de reversão de orientação sexual são proibidos pelo Conselho Federal de Psicologia (CFP) desde 1999
Em que momento percebeu que havia algo errado com a terapia? E como fugir desse tipo de profissional?
Não é só o tipo de profissional. Às vezes é um médico, o pai e a mãe. Pode ser qualquer pessoa em quem depositemos confiança. É preciso ficar atenta. O que me fez escapar foi minha bolha. Amigos começaram a me apontar situações que eu não percebia. Parei de ir a festas, fazer amigos, dançar, cantar e escrever.
O filme mostra mulheres preocupadas com a aparência, delas e de outras. Como lida com isso?
Tenho preguiça. Me incomoda como perdemos tempo com isso. Poderia estar estudando, escrevendo, me dedicando às minhas relações, me divertindo, em vez de me preocupar com essa questão. No filme, um grupo de mulheres se une para atacar outras, consideradas pecadoras e devassas. Muita gente me considera devassa e pecadora. E a Melissa, minha personagem, é punida por ser livre. Queimam a cara dela, acabando não só com a beleza física, mas também emocional. Penso no quanto isso acontece hoje em dia.
Como ajudar outras mulheres a se aceitarem?
No momento que nos ajudamos, isso reverbera em quem está próximo. Quando a Marta [Supernova, DJ e namorada de Bruna] começou a fazer exercício físico, comecei também. E uma mulher que não se sente bonita não vai ser bonita. Beleza é se sentir confortável no próprio corpo. Enquanto apontarmos o dedo para outras mulheres dizendo "você está gorda demais" ou "você ficava mais bonita com aquele outro cabelo", não vamos permitir que a beleza aconteça.
Vale a pena dialogar com quem escreve absurdos nas suas redes?
É possível o diálogo com afeto. Quem ama muito essas pessoas vai ter que conversar com elas. Eu não vou. Vou conversar com quem amo. Mas essas situações, como ler comentários sobre meu cabelo, não me afetam mais.
Como chegou a esse entendimento?
Por mais que minha família seja simples, da roça, sempre acreditou na minha estranheza. Do contrário, nunca teria me tornado atriz. Às vezes, a gente acha o estranho ruim, mas vejo como bom. E "estranho" é uma tradução para o português de queer, aquilo que é excêntrico. Precisamos valorizar isso. Sei que é um privilégio, ainda mais sendo uma pessoa LGBT, porque a falta de apoio familiar é comum. Não quer dizer que não tive conflitos e foi fácil o tempo todo, mas tive apoio.
Como se relaciona com o passar do tempo?
Tenho trabalhado para lidar cada vez melhor com a ideia de envelhecimento. Não tenho interesse em fazer procedimentos estéticos. Levei dois anos para encontrar uma dermatologista que não achasse que botox fosse a única forma de prevenção de envelhecimento. Acredito em boa alimentação, exercício físico, boa noite de sono, finais de semana de prazer.
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