'Fim do sonho': fala de Gisele sobre Brady ecoa crise do 'amor romântico'
Gisele Bündchen se pronunciou pela primeira vez sobre o divórcio de Tom Brady e expôs um sentimento que pode ser comum a quem encerra uma relação duradoura: "fim de um sonho". A fala ecoa um tema recorrente, que é a crise do amor romântico. Mas você sabe o que quer dizer esse termo?
É como uma morte e um renascimento. Estou de luto pela morte do meu sonho"
Gisele
Há estudiosos que defendem que a sociedade não precisa mais do "amor romântico", que representa a forma de se relacionar de metáforas como as de "achar a metade da laranja" ou a "tampa da panela".
Esta busca por alguém que preencha o outro e seja companhia para todas as horas é reproduzida e até moldada com frequência nos contos de fadas e na literatura, cinema e televisão.
"Não precisamos do amor romântico em nossas vidas. Há muitas outras formas de amor capazes de suprir nossas necessidades. Em muitos países, o amor romântico é visto como a mais importante fonte de amor, e esse discurso é repetido com frequência no cinema e nas redes sociais. Mas essa não é a verdade e, infelizmente, muitas pessoas gastam tempo e energia demais procurando um parceiro romântico e acabam negligenciando outros tipos de relacionamento", disse à BBC a antropóloga Anna Machin, pesquisadora de Oxford que estuda há 20 anos as diferentes formas de amar.
Machin é autora de 'Why We Love: The New Science Behind Our Closest Relationships' (Por que amamos: a nova ciência por trás dos relacionamentos mais próximos, em tradução literal), que debate razões para o ser humano amar.
Além da afeição entre parceiros, ela lembra que há ainda o amor entre amigos, pais e filhos e até ao sagrado.
"O amor romântico pode trazer momentos maravilhosos, é verdade. Mas há períodos difíceis também e há pessoas que simplesmente não encontrarão alguém para viver essa experiência ou que nem sequer querem passar por isso", diz.
Com isso, Machin salienta que não é preciso viver em busca de um conto de fadas, o que muitas vezes leva a decepções, como a de Gisele.
Formatos como a não-monogamia e a anarquia relacional vêm sendo debatidos com mais frequência atualmente, seja para enfrentar o sistema de patriarcado, seja para que as pessoas consigam outras maneiras de se relacionar.
Respeitando as diferenças dos indivíduos e das relações criadas por eles, fica mais fácil de entender qual o caminho —dentre vários — é mais indicado para cada pessoa.
Faríamos um grande favor às crianças e jovens se passássemos a ser mais realistas sobre o que é o amor romântico de verdade, porque precisamos recalibrar o espaço ocupado por ele em nossas vidas.
Construção social
Machin explica ainda que o amor romântico é uma construção social e que até o século 18 o que se vivia era o que cientistas chamam de amor reprodutivo.
"Só passamos a chamá-lo de amor romântico quando, por volta do século 18, poetas decidiram romantizá-lo e as ideias de amor romântico que conhecemos hoje começaram a ser formadas na literatura", diz a especialista.
O amor romântico é uma construção cultural. Não é baseado na ciência, mas apenas uma história que inventamos sobre como o amor reprodutivo deveria ser."
A psicanalista e escritora Regina Navarro Lins vai além, lembrando que esse tipo de construção pode fazer com que sentimentos e desejos sejam varridos para baixo do tapete, para que a "alma gêmea" seja o centro da vida de um indivíduo.
"A partir daí, surgem crenças equivocadas como: quem ama não sente tesão por mais ninguém; o amado deve ser a única fonte de interesse; todos devem encontrar um dia a 'pessoa certa'. Mas por mais encantamento que cause num primeiro momento, isso se torna opressivo, por se opor à nossa individualidade", disse ela.
O amor romântico não é apenas uma forma de amor, mas todo um conjunto psicológico -- ideais, crenças, atitudes e expectativas. Essas ideias coexistem no inconsciente das pessoas e dominam seus comportamentos, determinando como devem sentir e reagir. Ele não é construído na relação com a pessoa real, e sim sobre a idealização que se faz dela."
Regina Navarro Lins
Crise?
Segundo a BBC, o Escritório de Estatísticas Nacionais do Reino Unido, por exemplo, mostra que o número de pessoas morando sozinhas deve crescer em mais de 10 milhões no país até 2039 e que apenas um em cada seis britânicos ainda acredita na ideia de que há "uma pessoa certa".
"Há um crescente reconhecimento de que, na verdade, o amor romântico não deve ser o objetivo final de nossas vidas", diz Machin.
Para ela, as mulheres puxam a fila de quem desacredita no amor romântico e busca outras parcerias e amores.
"O poliamor e outros tipos de relacionamentos não-monogâmicos têm ganhado mais espaço. Da mesma forma, os arromânticos, aqueles que não experimentam nenhum tipo de amor romântico, têm se sentido mais confortáveis para contar suas histórias", diz.
Propósito e 'vício' do amor
Machin defende que há razões práticas para o amor nos humanos: sobrevivência e a garantia da evolução, passando os genes de um indivíduo adiante.
Assim, o ser humano precisa passar seus genes adiante, ao mesmo tempo em que as mães precisam de uma rede de apoio para criar seus filhos. Nisso, se somam as construções sociais.
O amor também é um vício, sustentado por um conjunto de neuroquímicos como a ocitocina, a dopamina, a serotonina e a beta-endorfina, que nos fazem desejar estar com a pessoa que amamos. Popularmente dizemos que o amor é uma emoção, mas na realidade é algo muito mais complexo do que isso."
E a genética?
Anna Machin explicou que os genes estudados nas pesquisas estão associados às substâncias neuroquímicas que sustentam o amor.
"São os chamados genes receptores - os neuroquímicos no cérebro se prendem a esses receptores e causam sensações ou despertam comportamentos. A quantidade, a localização e a capacidade dos receptores de se conectarem com as substâncias químicas influenciam na forma como o ser humano sente o amor", explica ela. "Digamos que uma pessoa tenha um número muito alto de receptores de ocitocina no cérebro —ela vai experimentar uma sensação de amor muito mais forte do que alguém que tem um número menor".
Desta forma, os genes também influênciam a forma de amarmos e distribuirmos nosso afeto. A especialista explica em seu livro que os genes podem também tornar algumas pessoas mais empáticas, afetuosas fisicamente ou até mais apegadas aos seus entes amados.
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