Sophie Charlotte diz que passou a lutar pelo direito ao aborto após ser mãe
Em "O Rio do Desejo", filme de Sérgio Machado em cartaz nos cinemas, Anaíra (Sophie Charlotte) golpeia um homem para defender a mãe, vítima de violência doméstica. Ela se envolve com o policial da ocorrência, Dalberto (Daniel de Oliveira), e os dois vão viver juntos na casa que ele divide com os irmãos, Armando (Gabriel Leone) e Dalmo (Rômulo Braga). Baseado no conto "O adeus do comandante", de Milton Hatoum, o filme aborda as complexidades do desejo — e as múltiplas possibilidades de relacionamento.
Aos 33 anos, mãe de Otto, 7, do casamento com o parceiro de cena Daniel de Oliveira, 45, Sophie é uma defensora da liberdade de comportamento — diz que as vontades devem ser realizadas, desde que todo mundo fique feliz. Sophie Charlotte conversou sobre este e outros assuntos em entrevista a Universa, no último dia 17.
UNIVERSA: Em "O rio do desejo", sua personagem defende a mãe de violência. Você já participou de campanhas contra assédio. No cinema e no cotidiano, qual a importância de tratar da violência?
Sophie Charlotte: O filme retrata uma personagem feminina forte e livre, que deseja viver a pluralidade. Essa também é minha busca e deve ser a de todas nós. Mas o corpo feminino ainda é muito massacrado. Sou mulher, já passei por situações. Haverá um momento em que conseguiremos criminalizar a misoginia.
Você já interpretou outras mulheres com vidas sofridas, como a Tereza de "Serra Pelada" (2013), mas também feministas, a exemplo de Maria Alice em "Todas as Mulheres do Mundo". Embora falemos bastante no tema, o que mais precisa ser feito para que homens entendam o que é assédio?
Todas as relações da Tereza eram abusivas, mas não tínhamos o termo e, na época, essa não era a pauta das entrevistas. Então já avançamos. É preciso deslocar para os homens a responsabilidade de educar. Melhorem! O corpo feminino sempre foi subjugado. E de diversas maneiras: nas diferenças salariais, em como a maternidade é usada contra a mulher no ambiente de trabalho. Temos uma longa caminhada, mas já houve o despertar.
Você já viveu um relacionamento abusivo?
Com certeza. Acho que todas nós. Mas os parâmetros mudaram. Cada vez mais conseguimos compreender a violência no momento em que ela acontece, não com atraso.
O filme discute a possibilidade de amar mais de uma pessoa. Já pensou sobre relacionamentos abertos?
As possibilidades são tão infinitas quanto as pessoas. Cada encontro é determinado por dois indivíduos; ou mais, no caso do poliamor. É uma questão do nosso tempo. Como mulher de 33 anos, também vou dialogando com novos preceitos. Mas cada pessoa deve ter a liberdade de procurar o que a faz feliz.
Mulheres que expressam os próprios desejos —historicamente reprimidos— são frequentemente chamadas de loucas. Como você expressa os desejos sem se afetar pelo machismo?
Faço análise — e não porque alguém colocou minha sanidade em dúvida, mas por ser fundamental para refletir. Percebi como deslocamos os sentimentos. Houve um momento em que estava triste, chorando, mas descobri que, na verdade, sentia raiva — e às mulheres não é permitido sentir raiva, por ser ligada à histeria e à falta de controle. Retomar a possibilidade de sentir tem a ver com estar desperta, não estar anestesiada. Assim temos consciência sobre o corpo e estabelecemos limites.
Quando se descobriu mulher?
Com o nascimento do Otto. Parir é uma explosão de amor e poder. O nascimento do Otto me transformou como atriz, mas também como pensadora sobre a minha existência, sobre a vida das mulheres e o poder que a mulher precisa e merece ter sobre o corpo.
Muitas mulheres falam que amam os filhos, mas não gostam da maternidade. E você?
Para mim, a maternidade é feliz. É uma parte importante do que sou. Mas só entendi a importância dessa escolha quando fui mãe. Foi quando compreendi —sem um viés moralista e religioso— como precisamos lutar pelo direito ao aborto e às decisões sobre nosso corpo. Dizer que você só vai se sentir mulher se tiver filhos é uma falácia.
Como você e Daniel dividem a tarefa de educar o filho?
Não tem uma divisão determinada. É circunstancial. Quanto mais coletivo, melhor. Deve-se ter uma comunidade preocupada em ajudar a conduzir ou ser conduzido pelas crianças. Acredito que as crianças são seres iluminados e aprendo com meu filho. Não tento impor, mas compreender as necessidades dele. Também luto para dar uma criação feminista para um menino de sete anos.
Você vai interpretar Gal no filme "Meu nome é Gal". Ela foi uma mulher transgressora, mas não gostava de falar sobre sexualidade. Considera importante que figuras públicas se pronunciem sobre temas como esse?
A liberdade de ter um espaço privado é importante. Não sou obrigada a dividir nada numa entrevista. A Gal, nos anos das Dunas do Barato (trecho na praia de Ipanema frequentado por artistas e intelectuais na década de 1970), viveu no corpo a liberdade. Isso está refletido na obra dela. Gal não precisou expor a vida particular para mandar essa mensagem. Ela surfou as ondas que quis surfar. Às vezes, precisamos nos posicionar. Durante as eleições, por exemplo, revelei meu voto como um convite para a volta da democracia.
Somente em 2023 você estará em três filmes e na segunda temporada da série "Todas as flores" (Globoplay). Como lida com o tempo?
Me sinto começando agora. A batalha de quem está no começo da carreira é corrida — há questões urgentes para lidar, como pagar o aluguel. Mas o auge não é só aos 20 anos. Pode ter uma primeira explosão, mas não pode ser a última oportunidade de alguém. Fico curiosa para saber quais serão meus personagens nos próximos anos, que marcas o tempo vai trazer e como vou dialogar com isso, me respeitando e me entendendo. Não há nada mais sexy do que uma mulher segura de si. Quero envelhecer e mostrar que uma mulher não acaba com o fim do ciclo menstrual.
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