Topo

Cininha de Paula: 'Vi diretor da Globo assediar moças como moeda de troca'

Camila Brandalise e Gabryella Garcia

de Universa, em São Paulo

28/03/2023 11h59

A ex-diretora da TV Globo Cininha de Paula, 63, é testemunha na investigação do caso em que Marcius Melhem foi denunciado por assédio sexual e falou com exclusividade com Camila Brandalise, editora de Universa e apresentadora do Sem Filtro —o assunto foi tema do programa desta terça-feira (28).

Durante a conversa, Cininha afirmou que situações de assédio aconteceram diariamente em sua carreira e revelou algumas situações em que foi vítima. Quando tinha 25 anos, diz, ouviu de um chefe que só teria o contrato renovado se transasse com ele. "Não me dava conta que era assédio sexual", disse. Em outra situação, foi cobrar um colega diretor sobre um projeto que faziam juntos. "Ele segurou meu braço com tanta força que eu disse: 'Ou você solta meu braço ou vou na delegacia da mulher'", diz.

Durante a conversa, a ex-diretora também fez questão de ressaltar em diversos momentos que esse assédio não acontecia apenas na Globo ou na televisão, mas em vários lugares e diversas profissões. A Globo foi procurada pela reportagem para comentar as declarações de Cininha, mas não houve resposta até a publicação deste texto.

"Vi diretores assediarem moças e rapazes como moeda de troca"

Cininha diz que, durante sua carreira na Globo, não só viveu como também presenciou diversas situações de assédio. "Vi muitos diretores assediarem rapazes e moças como moeda de troca, oferecendo oportunidades de trabalho", conta. "Não falava, não denunciava, era a minha palavra contra a desses homens. Falaria o quê e para quem?", diz.

A diretora conta que falar sobre o que viveu, hoje, é um alívio. "E gostaria de fazer um apelo: todas as pessoas que foram assediadas, falem. Agora temos respaldo para isso. Não importa se foi há muito tempo, conte para alguém, denuncie. Não precisamos mais ter medo."

Cris Fibe: "A gente sempre acha que está exagerando e se coloca como culpada"

Ainda durante o programa Sem Filtro, a jornalista Cris Fibe, especialista em violência de gênero, falou sobre o sentimento de culpa que muitas mulheres colocam sobre si após serem vítimas de assédio sexual. Para ela, existe uma tendência de procurar uma justificativa como forma de impedir que a situação volte a acontecer.

A gente sempre acha que está exagerando e se coloca como culpada por aquilo que aconteceu, mesmo em casos de agressão sexual muito clara e sem consentimento. A gente procura em nós um elemento que pode ter causado aquilo, de alguma forma, até como ideia de que a gente pode controlar aquilo e impedir que aconteça de novo. Cris Fibe

Ela também trouxe para o programa o estudo de um psicólogo norte-americano que diz que, em muitos casos, a vítima acaba tendo dificuldades em enxergar o estupro como um crime porque na maioria dos casos é cometido por um conhecido. "A autoculpabilização é mais acentuada nesses casos porque a agressão veio de alguém que achava que era confiável. Como vai se restaurar o sentimento de confiança no mundo e nas pessoas, e como confiar em si mesma depois?", disse.

Cris Guterres: "O humor está envolvido em situações de assédio, mas também é um agente de violência"

Cris Guterres, colunista de Universa, afirmou durante o programa que há algumas estratégias para identificar quando um assédio está acontecendo. O principal deles é: se você não está gostando, isso é um sinal de abuso.

Além disso, Cris também destacou que o humor muitas vezes é usado como forma de atenuar ou mascarar um assédio sexual ou moral. Quando se ouve, por exemplo, que o comentário constrangedor "é só uma brincadeira".

O fator humor está envolvido nessas situações e também é um agente de violência. É usado para cometer muitas violências, deixa tudo mais translúcido, a gente não consegue perceber. Se te incomodou, chama alguém para conversar porque está ultrapassando os limites. Cris Gueterres

Cris Fibe também pontuou que o assédio sexual é um crime tipificado no Código Penal e que, diante dessas situações, a mulher deve ligar para o 180, que é a Central de Atendimento à Mulher do governo federal, procurar uma delegacia para registrar o boletim de ocorrência e fazer a comunicação para órgãos trabalhistas, caso o assédio tenha acontecido dentro do ambiente de trabalho.

O assédio moral, embora não seja tipificado como crime no Brasil, também é passível de punições. Esse tipo de assédio configura uma infração trabalhista e nesses casos a mulher deve procurar a ouvidoria dentro da empresa, o sindicato da categoria e também órgãos como o Ministério Público do Trabalho e a Justiça do Trabalho.

Com a ajuda de uma advogada ou de um defensor público, pode entrar com processo trabalhista e cível para pedir danos morais, mas ainda não é na esfera criminal. Cris Fibe

Participantes do Sem Filtro relatam casos de assédio dentro do ambiente de trabalho

Cris Guterres afirmou durante o programa que foi vítima de assédio quando tinha 18 anos e sonhava em trabalhar como apresentadora de televisão. Na época, ela procurou um amigo de sua mãe, que lhe sugeriu um encontro em um hotel e afirmou que ela teria que "chupar um pênis" para conseguir o que queria.

Ele me recebeu no quarto. Contei que queria ser apresentadora de televisão, e ele foi categórico ao dizer que, se eu não chupasse o pênis de um homem, nunca iria avançar na minha vida profissional. Essa frase martelou durante muitos anos na minha cabeça. Levantei e fui embora. Cris Guterres

Ela também contou que não teve coragem de contar o episódio para ninguém e também celebrou o fato de quase 20 anos depois ter alcançado seu objetivo sem fazer o que lhe foi sugerido no passado.

"Venci e só me arrependo de, até hoje, não ter contado para ninguém. Provavelmente muitas mulheres ouviram essa frase, e elas poderiam ter se defendido muito melhor do que eu me defendi naquela época", disse.

Cris Fibe também relatou que no final de 2021, quando resolveu sair de uma redação tradicional para trabalhar como jornalista autônoma, recebeu diversos convites inconvenientes de homens que ocupavam alguma posição de destaque ou liderança.

Umas seis ou sete situações de homens em situações de poder, em lugares que poderiam me dar um trabalho, que flertaram comigo nesse sentido e ofereceram oportunidades muito interessantes e, depois disso, tentaram me pegar. Isso não é só ridículo ou patético, isso machuca a gente porque o cara está se aproveitando de uma situação vulnerável minha. Cris Fibe

Camila Brandalise, apresentadora do Sem Filtro, também relatou uma situação em que um colega de trabalho foi extremamente agressivo dentro da redação de uma revista.

Tinha um colega de trabalho, ele era diretor de fotografia e eu repórter, fui cobrar um negócio dele e ele perguntou porque eu estava nervosa e disse para eu ficar de quatro porque iria me comer. Camila Brandalise

Após o episódio, Camila contou sobre o assédio para o editor-chefe da revista que, após dizer que a situação era um absurdo, pediu para que ela não contasse a história a ninguém.

"Aí eu saí espalhando para todo mundo. O sujeito veio me pedir desculpas e disse que não tinha porque eu ficar sem falar com ele por causa disso. Disse que ele que tinha errado e não ia dizer como eu deveria me sentir. Se tivesse que passar um mês, um ano ou nunca mais falar com ele, o constrangimento era dele, não deveria jogar para mim", finalizou.

Assista ao Sem Filtro

Quando: às terças e sextas-feiras, às 14h.

Onde assistir: no YouTube de Universa, no Facebook de Universa e no Canal UOL.

Veja a íntegra do programa: