'Temos a perda em comum', diz amiga e coautora de livro com Hillary Clinton
Louise Penny e Hillary Clinton tinham algo em comum quando se conheceram, em 2016, e se tornaram amigas: a perda. "Eu tinha acabado de perder meu marido; ela, as eleições [para a presidência dos Estados Unidos]. Não falávamos de política ou literatura. Éramos apenas duas mulheres que compreendiam o significado da experiência", disse Louise em entrevista a Universa.
Os tempos pandêmicos inspiraram as amigas a escrever juntas. "Estado de terror" (editora Arqueiro) é o primeiro livro de ficção da ex-secretária de Estado norte-americana (Hillary comandou o órgão entre 2009 e 2013) e mais um na lista de Louise, autora canadense famosa por seus thrillers policiais.
Em uma conversa com muitas risadas, Louise contou como foi o processo de criar uma obra sobre política, a quatro mãos, com uma mulher que viveu a rotina da Casa Branca — Hillary Clinton foi primeira-dama do país entre 1993 e 2001.
UNIVERSA: A personagem principal de "Estado de terror" é uma mulher que começa a história sendo julgada por suas habilidades, aparência e capacidade de fazer política. Foi uma maneira sutil de falar da misoginia na política americana?
LOUISE: Não há necessidade de dar destaque para algo que deveria ser evidente. A ideia era que fosse um olhar nada humorado da questão. Hillary enfrentou diversos episódios de misoginia. Quando fazia discursos na campanha presidencial, falavam sobre seus sapatos, a cor do cabelo ou se ela parecia cansada. Mulheres são julgadas por sua aparência. Por que elas usam maquiagem e eles, não? Por que pintam o cabelo e os homens, não?
O presidente de "Estado de terror" diz que gosta de ter os amigos por perto e os inimigos, ainda mais. Acredita nisso?
Esta é uma maneira de agir própria das pessoas com muito poder. É uma estratégia inteligente observar os inimigos de perto. Mas é preciso coragem para mantê-los ali, pois terão acesso a informações privilegiadas. Há perigo nas duas estratégias. Nesse caso, o presidente dos Estados Unidos e a secretária de Estado, que é a nossa protagonista, fazem parte do mesmo partido, têm as mesmas crenças, mas não são amigos. Ele quer tê-la por perto para vê-la falhar.
Há muito da realidade da Hillary no livro?
Sim. Seria uma tolice escrever um livro com a Hilary Clinton e não incluir sua realidade. Durante o processo de escrita, foi fascinante compreender como é estar em uma posição de poder na nação mais poderosa do mundo -- sendo uma mulher.
Como você e Hillary se conheceram?
Foi pura sorte. Durante a campanha presidencial de 2016, li uma entrevista com a melhor amiga de Hillary, Betsy Ebeling. Ela disse que ambas gostavam de ler -- e afirmou que estavam lendo, naquele momento, um livro meu. Meu agente me perguntou se eu gostaria de conhecer Betsy. Claro que concordei. Nos apaixonamos imediatamente. A sensação era de que nos conhecíamos havia anos. Quando a campanha acabou, conheci a Hillary e nos tornamos grandes amigas.
Conte sobre o processo de escrita a quatro mãos.
Nunca tinha escrito com alguém e Hillary nunca tinha escrito ficção. Não sabíamos como funcionaria a produção. Seria ingenuidade minha acreditar que eu era a especialista. Tínhamos a Hillary para falar de política e eu para escrever. Então eu escrevia e enviava para Hillary ler e apontar o que precisava ser alterado. Discutíamos pontos da história, ela mandava anotações e eu escrevia um pouco mais. Foi uma parceria muito boa. Ela criou o plot. Sabíamos que precisava ser um thriller político que envolvesse a secretaria de Estado norte-americana. Perguntei o que a fazia acordar às três da manhã, assustada, quando ocupava a função no governo. Ela me disse que eram três coisas -- que agora me assustam também. Todas dariam uma boa trama.
Pode contar quais são?
Não, pois ainda podemos escrever outros livros [risos].
Vocês viveram alguma história engraçada durante a produção do livro?
Escrevemos durante a pandemia. Não tinha nada acontecendo em nossas vidas. Nos falávamos por chamada de vídeo por volta das 7 da noite. Uma vez, liguei para Hillary e ela estava na cama. Eu também. Eu estava usando um pijama de flanela com uns ratinhos e ela achou aquilo a coisa mais engraçada do mundo. Isso virou uma piada entre nós duas. Até coloquei no livro. Depois, presentei a Hillary com um pijama igual.
O livro aborda a misoginia na política. Isso também existe na literatura?
O tempo todo. Como sou mulher e minhas histórias se passam em uma pequena vila no Canadá, os livros entram em uma categoria mais fofa, como se fossem sobre algo superficial. Não dá para ler um capítulo dos meus livros sem perceber que são thrillers psicológicos. Não entendo como um livro que se passa em uma grande cidade pode ser considerado melhor do que um livro passado em uma cidade pequena. Isso acontece com histórias escritas por mulheres.
Já participei de reuniões onde os homens conversavam só entre eles. Falavam com meu agente em vez de falar comigo. Um deles falava e depois dava uma piscadinha para mim. Duvido que faria isso com outro homem. Mas tenho uma carreira incrível e que não seria melhor se eu fosse homem.
Você gosta tanto da sua carreira que trabalhou durante o ano sabático. Não tem como desligar a mente de uma autora?
Amo escrever. Acredito que continuaria escrevendo mesmo sem contrato e ninguém para ler minhas histórias. O que não gosto, e estou nesse mercado há 20 anos, é do estresse, do prazo, das pessoas respirando no meu pescoço, das expectativas. Isso me abala. Então falei pra minha editora que não teria livro novo por um ano. Mas aí escrevi mais um.
Sua série de livros do Inspetor Ganache [editora Arqueiro] é um sucesso editorial no Brasil. O que inspirou você a escrever estas histórias?
Estranhamente, o atentado terrorista de 11 de setembro. O que me despertou a vontade de escrever foi perceber que nenhum lugar do mundo era seguro. Então criei essa vila ficcional de Three Pines. Após o atentado, ficou claro que não conseguiríamos garantir segurança física, mas poderíamos fazer isso pelo nosso emocional. Eu desejava uma conexão humana e quis criar isso com meus livros. São romances policiais. Mas, acima de tudo, histórias sobre conexão humana e amizade.
O UOL pode receber uma parcela das vendas pelos links recomendados neste conteúdo.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.