Atriz quebra silêncio e acusa Melhem: 'Saiu de toalha e me beijou à força'
Já se passaram mais de oito anos, mas a atriz Carol Portes, 42, ainda tem crises de ansiedade e treme ao falar de um episódio que relata ter ocorrido na noite de 27 de novembro de 2014.
Em entrevista exclusiva ao UOL, conta que, nessa data, foi assediada sexualmente por Marcius Melhem, então idealizador, ator e redator final do programa "Tá no Ar", exibido pela TV Globo e onde ela trabalhava na ocasião (veja os principais momentos da entrevista no vídeo acima).
Assim como ela, outras sete mulheres relataram episódios de assédio sexual contra ele ao Ministério Público —o dela é o caso mais antigo entre as cinco que se identificaram. A atriz também prestou depoimento na Deam (Delegacia da Mulher), do centro do Rio, na última segunda-feira (17).
Ele nega todas as acusações. Sobre a denúncia de Carol, diz que os dois tiveram apenas um beijo "consensual" e que durou "menos de cinco minutos numa noite". Já sobre as mensagens de cunho sexual, afirma que tiveram um "flerte".
Em 4 de novembro de 2021, ele foi depor na Deam e confirmou que Carol já era sua subordinada, devido aos cargos que ele ocupava no "Tá no Ar", apesar de só ter assumido a direção de humor da Globo em 2018. Melhem deu versões contraditórias sobre a acusação da atriz.
Pelo Código Penal, é assédio sexual "constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico".
"Ele saiu de toalha e me beijou à força"
O UOL teve acesso, por meio de uma fonte que pediu anonimato, a trocas de mensagens de Carol Portes e Melhem entre fevereiro de 2014 e 2016. Esses diálogos constam dos autos da investigação de assédio sexual na Deam.
As mensagens mostram o ex-diretor admitindo que ela resistia às suas investidas e o que ele próprio descreveu como "constrangimento" após o episódio denunciado pela atriz.
Eram 20h34 daquele 27 de novembro de 2014 quando Melhem enviou uma mensagem para ela. Carol, que morava em São Paulo, tinha sido chamada por ele em fevereiro daquele ano para integrar o "Tá no Ar" e estava hospedada num apart-hotel na Barra da Tijuca, no Rio, para participar das gravações na Globo.
Melhem fez um inusitado pedido: queria tomar banho no flat dela. O elenco do programa tinha combinado uma festa no apartamento de Marcelo Adnet, que ficava no mesmo prédio.
A atriz achou estranho o pedido. Ele chegou a escrever: "Aceita uma visita com ótimas intenções?".
Ela respondeu simplesmente que ele poderia vir e que ela estava arrumando a "zorra" que tinha feito no dia anterior.
Nas mensagens seguintes, Melhem quis saber quem mais estava no apartamento ou se alguém iria chegar. Carol disse que aguardava uma amiga. Ao saber disso, o diretor escreveu: "Ah não". Carol riu e disse que Adnet a havia convidado. Ele emendou: "Tô indo aí só pra te ver".
Carol Portes concedeu entrevista ao UOL sobre o episódio acompanhada da advogada Mayra Cotta e das atrizes Dani Calabresa e Verônica Debom, que assistiram à gravação sem interrupções.
Segundo Carol, originalmente, a amiga nem iria para seu apartamento. Com medo de ficar sozinha com Melhem, Carol enviou uma mensagem a ela às 20h50, dez minutos depois de o chefe dizer que ia ao apartamento dela tomar banho. Ela chegou a telefonar para mais um amigo, mas também não o encontrou.
"O que eu tentei fazer? Qual foi a minha estratégia de proteção? Fazer um pré, entendeu? Na minha casa. Estamos aqui, enquanto o Marcius toma o banho dele, sei lá, vamos tomar um drinque aqui antes, né?", explica Carol, ao lembrar que o grupo iria para a festa de Adnet.
"Tanto que, na hora em que ele [Marcius] chega, eu tô pronta, assim, já abri a porta e falei: 'Vamos!'. Aí já peguei, já estava com uma toalha na mão, falei: 'Pode ir lá, fica à vontade'", relembra ela. Melhem, porém, pede que ela espere e vai tomar banho.
Na sequência, o relato de Carol ao UOL é semelhante ao que fez à Ouvidoria da Mulher no CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), em janeiro de 2020, e que baseou a abertura da investigação contra Melhem. Segundo ela, ele saiu do banheiro com a toalha enrolada na cintura e tentou agarrá-la à força.
Ele saiu de toalha e me... me beijou à força, e... enfim, eu me desvencilhei, e aí superconstrangida. Bom, qualquer mulher já passou por isso, assim, de... desvencilhar, sabe? Ah, não, não, não... E aí eu: 'Não, não, vamos, quero ir logo, vamos logo', tipo, vamos embora, né? Não vai rolar nada."
CAROL PORTES, atriz, em denúncia sobre assédio sexual de Melhem
Após a resistência dela, Carol diz que ele a soltou e foi se vestir no quarto.
Carol conta que ele pediu que ela esperasse no apartamento e disse que ele iria para a festa sozinho primeiro.
Eu fico sozinha e choro bastante, fiquei mal. Aí entra a coisa de a gente se culpar, né? Me culpei muito. Por que deixei isso acontecer? Fiquei com muita vergonha de mim mesma."
CAROL PORTES, atriz
É a hora que eu viro hater de mim mesma. As pessoas falam: 'Ah, se fosse eu?'. Se fosse você, você não sabe [o que aconteceria]. Fiquei muito mal e não contei para ninguém. Botei numa caixinha na minha cabeça e meio que quis apagar."
CAROL PORTES, atriz
Demorou um pouco, mas Carol foi ao apartamento de Adnet e ficou na festa sem relatar a ninguém o episódio. A primeira vez que falou disso foi somente em fevereiro de 2020.
Quer visita #japassouoconstrangimento?
Dois dias depois, Melhem voltou a procurá-la. Às 11h54 do sábado, 29 de novembro, pergunta no WhatsApp: "Tá viva?". Carol responde: "Super".
Ele emenda: "Quer visita? Rsrs #japassouoconstrangimento?".
Quatro minutos se passaram até Carol responder: "Haha não passou".
A atriz tenta mudar de assunto e menciona que "tá mó transito" e que alguém está indo buscá-la. Melhem envia uma mensagem dizendo: "Vou te dar uns três tapas na próxima gravação para vc relaxar. Ou três cervejas, não decidi ainda".
Uma vez mais, deixa claro que está perto do apart-hotel dela: "Passando em frente ao 110. Dou-lhe uma? dou-lhe duas? rs". Carol o deixa sem resposta.
"Pára vai"
As investidas de Melhem em Carol Portes continuaram nos meses seguintes. Em 14 de abril de 2015, ele mais uma vez tenta ir ao apart-hotel da atriz. Eram 18h33 quando envia a primeira mensagem. Escreve: "Vc tá linda, garota". Carol diz que vai sair para encontrar colegas e os dois falam sobre uma manifestação na praia que bloqueava o trânsito.
Melhem então se convida para ir até a casa dela: "Se não quiser sair daí, sei lá vc podia receber uma visita com barco japonês". Ela diz: "Eita" e insiste que vai encontrar os colegas para se enturmar, já que acabava de começar a gravar com a equipe do "Zorra Total". Melhem então diz: "Você que sabe" e envia um emoji que imita um diabinho.
Carol escreve "hahaha seu maldoso". Na sequência, Melhem diz que não está sendo "nada maldoso" e diz: "Tenho ótimas intenções !!!". Ela responde: "Eu sei".
Melhem acrescenta: "Mas você resiste". Carol avisa que a bateria vai acabar e Melhem ainda diz: "Pena". Ao parecer incomodada, ela fala: "Pára vai". Ele aceita: "Ok parei".
Constrangimento desde os primeiros dias de trabalho
Carol relata que se sentiu desconfortável, no ambiente de trabalho, desde o início. Segundo ela, Melhem a chamava de "gostosa". Existiam toques indevidos e indesejados quando andava com o ex-chefe pelos estúdios da emissora.
"De a gente estar no corredor e... aí passar, assim, pegar a nossa mão e colocar no membro dele, assim, sabe? Meio rápido, assim? Aí falar: 'Ah, eu fiz isso?'", diz ao UOL, recordando toques indevidos no pênis de Melhem.
Em outubro de 2014, Carol contou a ele que ia sair da peça que estava fazendo para se dedicar ao "Tá no Ar". Melhem comentou: "Pagarei essa entrega com noites selvagens de sexo". Carol respondeu: "Cobrarei". E riu.
Ao UOL, ela diz que foi a primeira mensagem com conotação sexual que ele enviou a ela e, por isso, ela respondeu em tom de descontração. "Nunca dei abertura. Minha única mensagem assim é essa", diz.
Além disso, conta que se sentia desconfortável em dar carona para Melhem após as gravações. Como seus pais têm um apartamento na Barra, diz que costumava descer na casa da família para evitar ir até o apart-hotel, fugindo assim de uma situação em que ele se convidasse para subir ao seu quarto.
"Doida e uma delícia"
Depois de tantas negativas, Carol viu diferença nas suas gravações.
Em 26 de maio de 2015, relata que ainda enfrentava investidas de Melhem, mas diz que notou uma mudança de tratamento. Queixou-se ao chefe sobre um "probleminha" por estar gravando menos.
"É que para variar to preocupada com eu não gravar nunca... relaxo? É que eu gosto de trabalhar."
Melhem não contradiz a reclamação e diz apenas para ela "relaxar" e que "vai incrementar".
Depois, explica que seria uma determinação da emissora e da direção que ela não fizesse uma exposição maior no "Zorra" do que no "Tá no Ar". E faz nova investida: "rs Doida e uma delícia". Na sequência, diz que "invadiu" o apartamento dela e que foi "expulso".
Participação em "Tá no Ar"
Segundo o relato de Carol nos autos, as investidas continuaram até 2016 e ela foi "progressivamente" perdendo espaço no programa. A partir de 2018, disse que quase não gravou e, em março de 2019, foi avisada de que não faria parte do programa que ocuparia o espaço do "Tá no Ar".
Alguns colegas afirmam ter testemunhado queixas de Melhem em relação a Carol Portes. Ao UOL, Maurício Farias, ex-diretor de Núcleo do "Tá no Ar", falou sobre esse período.
"Era 2014. Carol foi muito bem indicada para mim por diversos colegas e fez uma estreia excelente. Ela era, junto com Renata Gaspar, Georgiana Góes e Veronica Debom, uma protagonista feminina do programa. Uma ótima parceira, comediante de primeira, excelente atriz. Eu me lembro do Marcius reclamando que ela estava pouco disponível, apesar de ela gravar sempre, e no ano seguinte, em 2015, no início da temporada, as reclamações sobre a Carol aumentaram", conta Farias.
Ele diz que, mais tarde, questionou Melhem sobre a situação de Carol.
Eu me lembro de perceber que a Carol estava com uma participação menor no programa e estranhar e isso ser explicado pelo Marcius como uma falta de disponibilidade da atriz."
Maurício Farias, ex-diretor de Núcleo do "Tá no Ar"
"O que se notou foi que a Carol passou a ser menos escalada", explica Farias. "Segundo me disseram, as razões seriam possíveis problemas no set envolvendo a Carol, como se ela fosse uma atriz que causasse problemas nas gravações. Como diretor de núcleo do programa, nunca recebi nenhuma queixa contra a Carol. Pelo contrário. Carol era querida e nunca foi um problema para os diretores", completa.
Mesmo assim, Carol teve o contrato dela renovado com a TV Globo, em 2019, e chegou a conversar e pedir ajuda a Melhem no período. Ela disse que resistiu à renovação porque estava muito infeliz com a falta de desenvolvimento de seu trabalho.
Carol disse que possui hipóteses para a razão de sua renovação, mas não tem certeza. Acredita que Melhem quis acalmar a situação com ela em função do assédio. "Acho que tem a ver com isso", afirmou ela, ao UOL, ao explicar que, após o fim do "Tá no Ar", ela não foi chamada para o novo programa que ele começou a produzir.
Apesar da renovação do contrato, ela diz que só conseguiu voltar a trabalhar efetivamente quando Melhem foi demitido. No ano passado, ela fez a novela "Cara e Coragem".
Denúncia de Dani Calabresa
A atriz diz que sempre se sentiu mal com tudo aquilo, mas guardou silêncio. Ela e as demais denunciantes jamais conversaram sobre o assunto. Até que Dani Calabresa, em dezembro de 2019, fez a primeira acusação.
Carol relata que passou mal no dia e precisou de atendimento médico ao ouvir o relato da colega, mas, ao mesmo tempo, se sentiu livre.
Eu só queria trabalhar em paz. Era só isso, era muito simples. Era muito simples. Com vontade, vontade de ir. Isso foi totalmente minado, foi pro chão, assim. Quando acontece tudo e eu abro a caixa de Pandora, eu vou parar numa crise de pânico numa terapia de emergência; não sabia nem que isso existia."
CAROL PORTES, atriz e humorista
"[A denúncia de Dani Calabresa] me validou. Eu falei: 'Espera, eu não tô louca'", afirma Carol.
Investigação de assédio sexual
As denúncias das atrizes ainda estão sob investigação da Deam, do centro do Rio, e não há previsão para a conclusão do inquérito. Na última semana, ocorreram depoimentos de sete atrizes. Só depois da conclusão da investigação é que a delegada responsável, Alriam Miranda Fernandes, vai produzir um relatório com recomendação ao MP que decidirá por denunciar Melhem ou se arquivará o caso.
O inquérito foi aberto em 18 de junho de 2021 após as atrizes terem feito depoimentos à Ouvidoria da Mulher no Conselho Nacional do Ministério Público entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021. O material foi enviado para o MP do Rio em 28 de janeiro de 2021 e o inquérito só foi instaurado cinco meses depois.
Desde 15 de julho de 2021, o Tribunal de Justiça do Rio autorizou uma série de medidas cautelares para proteger as mulheres que denunciam Marcius Melhem. Entre elas, a proibição de manter contato por qualquer meio de comunicação e de se aproximar a menos de 300 metros de distância.
Desde que foi instaurado, o inquérito já teve quatro delegados diferentes e trocou de promotor três vezes. O titular da 2ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Territorial da área Botafogo e Copacabana, responsável pelo caso, está atualmente na CSI (Coordenadoria de Segurança e Inteligência) e, por ora, a promotoria está com a promotora substituta Bárbara Visentin.
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