Aos 29, Rita Lee zombou de MPB e foi chamada de 'velha coroca'
Rita Lee tinha 29 anos quando um compositor de 26 fez uma música em homenagem a ela. Homenagem é modo de dizer. Porque, na canção, o indivíduo — Mauro Celso era o nome dele — referia-se à cantora como "velha coroca".
A música "Macacos Coloridos" compunha o disco homônimo lançado pelo selo RCA em 1977 e consistia, do primeiro ao último verso, num show de ofensas machistas contra a cantora.
Primeiro ela era atacada pela idade: "Você está ficando velha coroca/ainda anda atacando/muito muito de cocota", cantava Mauro, num roquinho, com voz um tanto esganiçada, para na sequência completar: "Você está apelando porque ficou a perigo".
Depois, criticou-a por, na avaliação dele, sorrir pouco e maquiar-se muito. Ao classificá-la de "boba da corte", cobrava-a por andar "toda pintada e muito mal-humorada".
Na sequência, chamava-a de louca, mas com outras palavras: "Você fundiu sua cuca ou está com apoteose mental".
Por fim, usava o filho de Rita, Beto, recém-nascido, para atacá-la. "Eu quero ver seu filho numa ala da Mangueira/de verde e rosa/batucando a noite inteira".
Ao que consta, Rita Lee não deu cartaz à "homenagem" de Mauro Celso. Mas a imprensa da época, sim. Na edição de 2 de setembro daquele ano de 1977, a revista "Contigo" deu o seguinte título à matéria sobre a música, em letras garrafais: "Recado de Mauro Celso à Rita Lee: você está ficando uma velha coroca".
A foto do cantor ocupava duas vezes o espaço da imagem de Rita — ele, sobrancelhas cerradas, boca entreaberta, como se protestasse contra algo; ela, sentada com os joelhos junto ao peito e um leve sorriso.
O texto explicava os motivos que teriam levado Mauro Celso — cantor então famoso, autor dos hits "Farofa-fá" e "Bilu Teteia" — a agir de forma tão colérica contra a colega de profissão. No ano anterior, ela havia lançado a música "Arrombou a festa", uma parceria com então letrista e futuro escritor best-seller Paulo Coelho.
"Ai, ai, ai, meu Deus/o que foi que aconteceu/com a música popular brasileira", dizia a canção, que zombava dos cantores que faziam sucesso à época —- incluindo Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil e o próprio Mauro Celso. Ele não era citado nominalmente, mas Rita fazia graça com os versos de suas músicas.
Curiosamente, em sua reação mal-humorada à canção "Arrombou a festa", Mauro Celso não se dirigiu a Paulo Coelho. Só quis saber mesmo de brigar com Rita, a mulher. "Você é americana e metida a bacana/você imita tudo o que é feito nos Estados Unidos/cara de pau", ele cantava. "Uma estrangeira falando da música brasileira".
"Queria ter sotaque carioca"
Neta de um norte-americano, Rita Lee precisou lidar, em diferentes momentos da carreira, com uma fake news segundo a qual ela não era brasileira. Nasceu em São Paulo, embora, em entrevista ao semanário "O Pasquim", aos 22 — oito anos antes de ser chamada de "a mais perfeita tradução" da cidade por Caetano Veloso —, tenha revelado que gostaria de ter nascido no Rio de Janeiro. "Não é muito bom ser paulista, não. Eu queria muito ter sotaque carioca, acho muito charmoso", disse.
A suposta estrangeirice de Rita Lee era utilizada por seus detratores — caso de Celso — para atribuir a ela um certo ar de presunção e desapreço pelo Brasil. Já ele — ex-balconista da loja Baú da Felicidade, de Sílvio Santos — "não modificou o moderado estilo de vida", continuando a "morar com os pais e os sete irmãos menores em Osasco", na região metropolitana de São Paulo, como narrava o texto da "Contigo".
Mas mesmo nas críticas de ordem nacionalista, por assim dizer, o sexismo contra Rita estava presente. Em 1981, ela já notava isso. "Saía assim nos jornais: 'Rita Lee, americana de nascimento'. O meu sobrenome deixava as pessoas loucas de raiva. Por que não foram reclamar do Geisel [Ernesto, presidente do Brasil de 1974 a 1979], que é alemão? Ou do Shigeaki Ueki [advogado], que é japonês?", disse em entrevista ao jornalista Geraldo Mayrink, da revista "Playboy".
"Eu tenho um arquivo com essas críticas", ela revelou, na mesma entrevista. "Diziam cada coisa! Rita Lee, aquela parenta da calça Lee. Roqueira senil. O Henfil escreveu que o Brasil padecia de dois males: inflação e Rita Lee. Reclamavam por eu ser mulher, por ser gringa, por ter olhos azuis, por me chamar Jones, por ser roqueira."
"E como você sobreviveu a tanta desgraça?", perguntou o jornalista. "Eu assumi a maldição. Era tão maldita, tão maldita, tão maldita que não podia acabar assim, sem mais nem menos. Coisa ruim não morre", afirmou Rita Lee.
Mauro Celso, o autor de "Macacos Coloridos", morreu aos 38 anos, em 1989, em um acidente de carro.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.