'Tenho que aceitar a morte': ela convive com câncer metastático há 14 anos
A vida da funcionária pública Jussara del Moral, 58, mudou completamente quando descobriu, aos 42, que estava com câncer. Um nódulo na mama. O medo e a angústia se intensificaram ao descobrir, dois anos depois, que a doença havia avançado para metástase, atingido os pulmões.
Passado o susto da descoberta, ela reuniu forças para enfrentar a situação e acabou se tornando uma importante influenciadora nas redes, ajudando com seus vídeos outras pessoas que, como ela, se viram diante de um diagnóstico cujos prognósticos nem sempre são positivos.
Em depoimento a Universa, Jussara, que tem hoje 14,5 mil inscritos no YouTube e 18,5 mil seguidores no Instagram, conta como se reconstruiu após a descoberta da doença:
"Eu sempre tive boa saúde. Descobrir o câncer, aos 42 anos, foi um baque para mim, um soco no estômago. Tive meus dois filhos muito cedo e eles eram adolescentes quando recebi meu primeiro diagnóstico. Tudo começou em 2006, quando notei um nódulo no seio após um exame de palpação.
Em 2007, após uma segunda biópsia, descobri que era um câncer triplo negativo. Ou seja, um subtipo que não tinha remédio. Era um tumor com menos de 3 centímetros — os médicos optaram por uma cirurgia conservadora de mama. Depois iniciei a quimioterapia.
Eu sentia muito medo. Mas, ao mesmo tempo, comecei a me informar e a ler tudo o que podia sobre a doença. Aos poucos, fui entendendo que ter câncer não é o fim, apesar de ser uma doença muito agressiva. Fui construindo, desenvolvendo meu jeito de viver tendo câncer. A protagonista da minha vida sou eu, não a doença. Eu não sou o câncer.
A primeira metástase
Concluí o primeiro tratamento com 44 anos. Voltei a viver normalmente, estava em remissão. A cada 4 meses, os médicos monitoravam a evolução da doença. Em 2009, veio o segundo baque. Descobri que tinha metástase no pulmão quando me preparava para comemorar meu aniversário com minhas amigas.
Foi como um tiro no peito para mim. Eu já sabia que o câncer metastático de mama não tem cura. Ao mesmo tempo que sentia medo, passei a frequentar fóruns, grupos de discussão. Comecei a notar que outras pessoas, assim como eu, ouviam certas coisas das demais que jogavam sobre elas uma carga de culpa. Como, por exemplo, estarmos doentes porque não temos 'fé suficiente'. Ou porque somos 'egoístas', ou porque 'guardamos muita mágoa'.
Isso não é verdade. O câncer é uma doença física, ela existe no corpo físico. Eu mesma sempre fui espiritualizada e me voltei ainda mais para a espiritualidade desde que recebi o primeiro diagnóstico. A fé ajuda a superar, a encontrar forças, mas ela não é um mecanismo de cura para patologias. Foi a partir daí que comecei a me tornar uma ativista.
Eu tenho que aceitar a morte como algo que acontece com todo mundo. Morrer é uma realidade para todos nós. Eu trabalho a minha cabeça para entender isso. Uma paciente, como eu, que tem uma doença grave, ameaçadora da vida, se ela sucumbir a todos os medos que podem aparecer, ela não vai viver, vai viver apenas o medo e deixar de fazer todas as coisas.
Esse ativismo começou primeiro comigo mesma. Quando fui operar o pulmão, em 2009, o cirurgião disse para mim, de forma fria, que o meu caso não tinha mais jeito. Que eu tinha só que fazer quimioterapia, que a cirurgia não adiantaria. Mas eu insisti e aqui estou. Jurei a mim mesma que nunca mais permitiria que o julgamento dos outros me afetasse negativamente e que nunca mais seria tratada dessa forma novamente, por médico nenhum.
Me aprofundei ainda mais nas pesquisas sobre a doença. A informação pode salvar vidas. Os pacientes têm o direito de saber com detalhes o que está acontecendo e sobre as possibilidades existentes. No que depender de mim, vou ficar viva por muitos anos ainda.
Eu não tenho medo de morrer, do último suspiro. Meu medo é de como vou chegar até a morte. É por isso que me dedico a cuidar muito de mim, não só em relação à doença, mas cuidar de mim integralmente.
A segunda metástase
Eu sempre fui muito consciente com a saúde para mim e para meus filhos. Eu faço exercícios, faço academia. Para mim, é mais um remédio. Em 2010, entrei em remissão novamente. Voltei a trabalhar, a frequentar baladas com as amigas. Eu não deixei de ser uma pessoa alegre, extrovertida. Manter a positividade faz parte do processo de reconstrução.
Em 2013, descobri estar com metástase na calota craniana, com comprometimento meníngeo. Foi o pior dos baques, porque o maior medo de um paciente oncológico é que a doença atinja o cérebro.
Passei por uma cirurgia complicada, tive que retirar parte da calota e colocar uma prótese de titânio no crânio. Em 2014, tive que retirar a prótese, porque meu organismo rejeitou. Fiquei com um afundamento no crânio. A boa notícia foi a possibilidade de iniciar um tratamento quimioterápico por via oral, um método pioneiro no Brasil. Consegui acesso somente por via judicial. Aliás, as dificuldades para os pacientes conseguirem tratamento, seja no SUS, seja via plano de saúde, também me moveram em direção ao ativismo.
Alguns anos depois, eu, que já participava de fóruns e debates online, fui auxiliada pela filha de uma amiga a montar um canal no YouTube, o SuperVivente, para gravar vídeos que ajudassem e trouxessem informações aos pacientes oncológicos. Eu tinha 52 anos quando comecei e foi a melhor coisa da minha vida.
Para mim foi a realização de um sonho, porque, apesar de ser funcionária pública aposentada, minha formação é a comunicação, mais especificamente rádio e TV. E saber que eu poderia ajudar muitas pessoas com as informações e discussões que eu trazia me empolgaram a ponto de não parar mais.
A terceira metástase
Ao mesmo tempo, monitorava minha saúde e, em 2019, surgiu a primeira metástase no cérebro. Aquilo que eu mais temia tinha acontecido. Porém, eu devo ser fora da caixinha. Com exceção de uma paralisia parcial em alguns dedos das mãos, e um edema cerebral que estou tratando, não sofri outras sequelas. Sou praticamente assintomática.
E, mesmo estando em cuidados paliativos, que ajudam a tirar as dores físicas e emocionais, tento seguir minha vida normalmente. Pulei carnaval este ano com minhas amigas, saímos em um bloco. O carnaval é uma das minhas maiores paixões. Dessa vez, fiz parte da bateria e toquei instrumento de percussão.
Outra paixão é viajar. Já estive nos EUA e em alguns países da Europa, para onde estou programando voltar ainda este ano, devo ficar 15 dias. Também já conheci diversas regiões do Brasil. É claro que tenho medo que possa acontecer algo, mas o medo não me paralisa. Aprendi a viver o presente e não ficar amedrontada com o futuro.
Meu maior desejo agora é deixar um legado — que outras pessoas, meus netos, um dia saibam quem eu fui. Como eu enfrentei a doença com dignidade, que eu vivi bem, mesmo com uma doença tão grave.
Hoje tenho milhares de seguidores no YouTube e no Instagram. Dou palestras, participo de podcasts e busco contar a minha história de uma forma que não mascare a realidade, não romanceie a doença. Mas que também mostre que é possível, sim, viver com uma doença incurável da melhor forma possível".
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