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'Construí personagem sapatão com delicadeza', diz atriz de 'Vai na Fé'

15/05/2023 04h00

O nome da atriz Priscila Sztejnman, 34, esteve no centro de uma polêmica durante a semana passada. Ela dá vida à personagem Helena, da novela "Vai na Fé", que vive um romance com Clara, interpretada pela atriz Regiane Alves. Na trama, Clara é casada com Theo (Emilio Dantas), um homem abusivo. Embora tenha levado ao ar o primeiro beijo do casal formado pelas duas mulheres — um selinho supostamente de mentira — a TV Globo não mostrou o segundo, mais apaixonado. Nas rede sociais, a Globo foi criticada pela decisão, tida como conservadora.

"Não foi um beijo no último capítulo. Isso tem que ser comemorado", contemporiza Priscila. Em entrevista a Universa, ela diz que está feliz por ver um casal lésbico em uma novela das sete. "É um avanço enorme. Pode ter família que não quer falar disso em casa, mas a novela está ali, passando", diz a atriz, que é mãe de Rosa, de quatro anos. Além da TV, ela está em cartaz no cinema como Ana, no filme "Segundo Tempo". Priscila também é roteirista. Na última quinta-feira, ela deu a seguinte entrevista a Universa:

UNIVERSA: A Globo cortou o segundo beijo do casal Helena e Clara e parte do público identificou conservadorismo na decisão da TV Globo. Como você viu o ocorrido?
Priscila: Sou uma pessoa otimista e acredito na evolução. É uma grande conquista tudo o que está acontecendo até aqui. Não vejo como uma derrota. Como Priscila, quero que a história evolua e seja linda. A arte cumpre o papel de dar destino aos sentimentos, às angústias e às emoções do público. Quero que esse casal se desenvolva, seja real, orgânico, como qualquer outro, que passa por alegrias, frustrações e desafios.

O romance entre Clara e Helena está sendo construído de forma natural. Você acredita que, de certa forma, é uma revolução ter um casal gay -- que não é caricato -- na novela das sete?
Tentei fugir de qualquer caricatura e estereótipo na construção da Helena, que é uma mulher sapatão, assumida, declarada e orgulhosa. Eu a construí com delicadeza e sutileza. Estou feliz que temos um casal lésbico em uma novela das sete -- e não é no último capítulo. Isso não pode deixar de ser comemorado. É um avanço enorme. Pode ter família que não quer falar disso em casa, mas a novela está ali, passando.

O primeiro beijo entre Helena e Clara aconteceu por causa de homens inconvenientes que as incomodaram no bar. Você já passou por situação semelhante para se proteger?
Precisar fingir que sou um casal com outra amiga, não. Mas já tive que me adaptar para dar conta de situações desagradáveis. Tenho muitas amigas lésbicas e sempre saí com elas. Já ouvi comentários de que era lésbica também, por estar ali. O desejo sexual de cada um é particular. As pessoas acham que têm direito de invadir a vida do outro. Cabe a nós colocar limites.

Nós precisamos falar sobre abuso. Precisamos que o assunto esteja em todas as rodas, não só das mulheres, mas dos homens também. Já ouvi muitas conversas de amigas relatando situações de abuso e me peguei pensando se os caras falam sobre isso. Quem abusa das mulheres são os homens. Será que isso circula nas rodas deles? Será que se perguntam como podem melhorar, aprender e evoluir para que esse assunto esteja cada vez menos presente nos papos femininos?

Helena e Clara se beijam em 'Vai na Fé' - Reprodução/Instagram  - Reprodução/Instagram
Helena e Clara se beijam em 'Vai na Fé'
Imagem: Reprodução/Instagram

Acredita que casais gays em novela, um dia, vão parar de ser assunto?
Espero que sim. É necessário ter um acolhimento, entender que cada um tem a sua história, origem e questões. Quem não está recebendo bem o casal precisa abrir os olhos para ver o mundo em que vivemos hoje. Sou parada na rua por pessoas de diversas gerações me dizendo torcer para que Helena e Clara fiquem juntas. Isso é uma conquista gigantesca. Quem não acompanhar as mudanças do mundo vai ficar para trás e sofrer as consequências.

A relação de Helena com Clara é o oposto da relação abusiva que ela tem com Theo. É proposital?
Quando comecei a construir a Helena, tinha informações sobre o o universo em que a Clara ia se inserir. Então a criei para ser o oposto do Theo. Se ele tem uma comunicação violenta, Helena é doce, suave, convidativa. Se ele é machista, Helena combate o machismo e a misoginia. Só de falar dele já me dá raiva. Esse é o jeito como acredito que devemos nos relacionar na vida.

'Helena é comemorada nas ruas', diz  Priscila Sztejnman sobre a personagem - Reprodução/Instagram  - Reprodução/Instagram
'Helena é comemorada nas ruas', diz Priscila Sztejnman sobre a personagem
Imagem: Reprodução/Instagram

O público mistura sua vida pessoal com a profissional? É confundida com a personagem?
Minha vida de atriz é pública, mas minha vida pessoal é intima. Respeito muito isso. Helena é comemorada nas ruas, as pessoas me agradecem por dar vida a ela. É uma personagem que foi bem acolhida. Tenho um grande orgulho dela.

Em seus vinte anos de carreira, o que sente que mudou na dramaturgia? O que a ficção traz da realidade?
A maneira de contar histórias. Hoje em dia existe uma consciência mais aflorada da necessidade de pautas que precisam ser questionadas. Nisso a dramaturgia é fundamental. Como artista, busco estar conectada com a realidade. Precisamos estar cada vez mais atentos à diversidade e à representatividade. Acredito que esse é só o começo, mas um caminho sem volta. O despertar para essa diversidade é mais que necessário, é urgente.

Você já trabalhou como roteirista de programas e novelas. Dá para escolher do que mais gosta?
É impossível. Existe aquilo que precisa mais de você naquele momento. Sou dedicada aos meus trabalhos e estou sempre atenta às minhas necessidades artísticas. Sempre conciliei as duas profissões, que se somam e se multiplicam. Meu trabalho como atriz é influenciado pelo meu olhar como escritora e o meu trabalho de escritora é influenciado pelo meu trabalho de atriz.

Você é mãe de uma menina de quatro anos. Como vive a maternidade?
Eu me realizo. Sinto muito amor pela Rosa, pela nossa relação e pela mãe que me tornei. A maternidade me traz questionamentos e é um grande exercício de autoconhecimento. Diariamente tenho diálogos com minha filha e construo uma relação horizontal. Quero ser a pessoa que vai ajudá-la a superar os medos. A maternidade é um exercício de presença, por isso é tão cansativa. Mas acredito que educar bem minha filha contribui para um mundo melhor.

O que ela acha do seu trabalho?
Ela faz desenhos para eu levar para as gravações. Acho fofo. Ela nunca me viu no teatro, mas sempre que vou com ela falo que aquele é o trabalho da mamãe, que sou atriz. Ela fala que tenho dois trabalhos, porque às vezes gravo, às vezes escrevo. E, nas brincadeiras, Rosa tem sempre dois trabalhos. Acho engraçado.