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Sexoterapia


'Gosto da liberdade de ser amante, mas esse título me dá vergonha'

Colaboração para Universa, em São Paulo

19/05/2023 04h00

Na estreia da 11ª temporada do "Sexoterapia", videocast de Universa, Bárbara dos Anjos e Ana Canosa receberam a jornalista Bela Reis. Além de conversar sobre amor romântico, elas também analisaram casos enviados por ouvintes.

Duas mulheres mandaram dúvidas sobre situações que estão passando em suas vidas. Uma delas vive um caso com um homem casado, diz que gosta da liberdade de ser amante, mas se incomoda com o peso que esse título carrega.

Outra tem interesse em viver uma relação aberta ao mesmo tempo em que se questiona se é a hora de se casar e ter filhos.

Leia as histórias abaixo.

Contratos de relacionamento

"Quando eu era bem nova, aos 20 e poucos, tive um relacionamento durante boa parte da faculdade. Parecia muito bom, mas terminou com traição dos dois lados. Ali, sofri um chacoalhão. Fidelidade é algo irreal e relacionamentos tendem a nos limitar em contratos irreais. Quando acabou, só pensava o quanto estava arrependida de ter perdido várias festas e viagens dos anos de faculdade e numa relação que me dominava. Passei o resto dos 20 anos sem nenhum relacionamento fixo e curtindo a vida de solteira".

"Aos 35, comecei a me relacionar com um ex-colega de trabalho, casado. Estamos juntos desde então. Gosto muito da liberdade de ter minha vida, meus horários, saio quando quero, com outras pessoas. Tem sido mais raro, mas ok também pra mim. De vez em quando stalkeio o Instagram da mulher dele e sinto pena. Só vejo cinismo nas declarações de amor, nas fotos de família e viagem. Acho que o que temos é mais sincero, mas admito que o título de amante me dá muita vergonha às vezes".

Ana Canosa: "Quando a gente fala de contrato, tem uma perspectiva de ciclo vital e fase da relação. Seu contrato no início do relacionamento é um e, daqui a um ano e meio, será outro. Não é não ter contrato, isso é um engano profundo das pessoas. A gente sempre faz contrato."

Mas o que acho muito curioso no relato dela é que ela deseja liberdade e se relaciona com um homem casado, que ela acha, pelas fotos no Instagram, que tem uma relação falida. Ou seja, ela está colocando em hierarquia qual amor é mais verdadeiro, mais sincero. Se ela faz isso, desculpa, ela já caiu no mito do amor romântico. Isso não é liberdade. O amor em liberdade não é esse que coloca uma relação como principal e a outra não. De alguma maneira, você está competindo com essa mulher. Ana Canosa

"O que eu estou chamado atenção é pra tomar cuidado com esse 'eu não sou romântica, não estou estabelecendo contratos', mas no fim, é a mesma coisa", apontou.

Bela Reis também opinou.

Bela Reis: "Tenho muita dificuldade com essa história de traição, amantes. Acho que é muito o que a Ana falou, é recombinar. Acho impossível uma relação de anos em que essa atração física não se manifeste e não seja efetivada. Mas o meu combinado é falar sobre isso. Esse lugar meio sombrio, do relato da amante que vê o Instagram, que 'o que eu tenho é mais sincero', acho horrível".

É importante que a gente saiba que essa fidelidade eterna, pra sempre, não tem a menor possibilidade. Estou monogâmica, mas a partir do momento em que isso não fizer mais sentido, aí é o ponto de considerar [e conversar com o parceiro]. Isso pra mim era impensável, mas agora que eu tenho filho, divido uma casa, a gente vê que outras coisas ficam muito menores. Bela Reis

Ana Canosa: "Falar sobre isso, trazer pra relação o terceiro, é sempre muito difícil. As pessoas são infiéis também, e não estou falando todas, e ficam nesse dilema de contar ou não porque tem medo de perder o amor do outro, porque essa conversa que estamos tendo aqui é muito nova. Tem infidelidades e infidelidades. Às vezes a pessoa não sabe nem o que tá acontecendo com ela, porque aquela relação que ela tem é muito importante".

Bela Reis completa: "E também não significa que ela passou a amar menos [o parceiro ou parceira]. Uma coisa não anula a outra".

Relacionamentos não monogâmicos e expectativas

"Já tentei ter relacionamento aberto e me considero não monogâmica apesar de não ter tido nenhuma experiência que deu certo nesse sentido. Ainda não encontrei um cara que topasse a parada, mas acredito que esse é o formato que é mais viável de relacionamento. Não acredito em fidelidade e não tenho muita vontade de morar junto, ter uma relação tradicional. Sou uma advogada de família e vejo todos os dias no trabalho o quanto os homens podem ser escrotos. Enquanto não encontro um cara que tope um novo formato comigo, saio com muitos caras, a grande maioria é boy lixo e parece que rola uma "Lei de Murphy": Os que fico a fim desaparecem, os que não gosto, se interessam".

"Mas agora, prestes a fazer 30, estou numa crise. Não sei se é o relógio biológico me pregando uma peça. Vejo minhas melhores amigas casando, minha irmã teve um filho e começo a me perguntar se quero isso pra mim também. Mas vejo tanta gente se separando, tantos relacionamentos dando errado, tanta mãe solo com perrengue, que parece que não tem final bom pra essa história".

Analisando o caso, Ana Canosa comentou a respeito dos ciclos da vida.

Ana Canosa: "Cada fase do ciclo da vida a gente tem uma perspectiva sobre o amor e não pode desconsiderar. Nossa colega está com 30 e poucos anos e o relógio biológico está chamando. É assim, as pessoas vão vivendo ciclos. A gente tem que tomar cuidado com as narrativas tão fechadas, porque cada pessoa fala do amor e das expectativas sobre sua perspectiva e seu momento da vida. Ela precisa considerar isso".

Bela Reis: "Sempre fico muito assombrada com esses medos. Medo de separar, de ser mãe solo, de sofrer... Como uma pessoa muito racional, acho que é muito importante que a gente se resguarde dentro das relações na nossa individualidade e também de forma prática. A maioria das pessoas que estão juntas e tem esse medo são pessoas que aniquilaram a sua individualidade, suas amizades durante o casamento, se perderam da sua rede, não sabem mais o que gosta e não gosta. Pensar em uma relação que você consiga manter isso é importante".

"É um relacionamento que a gente quer. Eu não preciso dessa dependência emocional, eu não preciso necessariamente dele, eu escolho", finalizou.

Ana citou ainda o perigo de enxergar os relacionamentos por apenas uma perspectiva negativa.

Por que precisa ser com a perspectiva da dor e não pode ser da outra perspectiva? Ter um parceiro ou parceira legal, que quando chega em casa, pode dividir a vida. Tem isso num relacionamento de amor, de você poder falar pro outro. Isso é muito valioso. Tem uma perspectiva positiva que as pessoas não estão vendo, é tudo muito negativo. Ana Canosa

Ana Canosa: "Se apaixonou? Aproveita. Lá na frente vai acontecer a decepção, porque a gente idealiza, mas tudo bem, a gente vai lidar com isso também. Lida de peito aberto, de frente, com maturidade. As pessoas não querem mais se sentirem frustradas".

"Aprenda a lidar com as frustrações, mas se jogue no romance e no amor"

A sexóloga afirmou que mais do que ter que questionar o amor romântico, é preciso aceitar o desejo de vivê-lo.

Não dá pra minimizar a complexidade do amor, das expectativas e das idealizações só na desconstrução do mito do amor romântico. As pessoas fazem uma confusão muito grande do que é isso. Não acho que no amor romântico —esse encontro de duas ou mais pessoas— não idealizemos. Não existe não criar expectativas sobre relacionamentos. Ana Canosa

Para Ana, o problema é a ideia de ser para todo o sempre, ou de que a outra pessoa é responsável por te completar. "Isso é baseado na desigualdade de gênero dos papéis, no colonialismo e no machismo", diz.

"Mas entre a Cinderela que fica lavando, passando e cozinhando esperando o cara, e a Moana que vai pra jornada, as novas princesas que não estão nem aí pra relacionamento, existe, sim, um meio-termo."

A sexóloga também aponta que acredita que colocar todos os conflitos do amor dentro da formatação de amor romântico é uma forma de engano. E que frustrações e dor são comuns a todo relacionamento. "Então, se jogue no romance e no amor. Sem eles, a vida é chata pra c****", disse.

Bárbara pontuou que acredita que o que deve ser questionada é a falsa ideia de que o amor é perfeito e não tem brigas.

Convidada da semana, a jornalista Bela Reis declarou gostar da paixão. "Sempre fui namoradeira, pulei de um relacionamento pro outro, detesto ficar solteira."

Casada há quatro anos, disse que está curtindo muito a experiência. "Adoro morar junto, adoro ter essa família, pra mim deu muito certo."

Bela disse que ter casado aos 24 anos não a fez se sentir culpada ou estranha. "Sei que tem um recorte de meninas que querem, primeiro, construir uma vida profissional sólida pra, depois, pensar na maternidade".

Ela reforçou que sua mãe a teve com 26 anos e que, ao ver que ela construiu tudo depois, Bela entendeu que a maternidade não seria um impedimento.

Romance e feminismo

Ana Canosa compartilhou uma situação que viveu. "Tive um casamento de oito anos, fiquei três ou quatro anos sozinha, me apaixonei pelo meu marido atual e estou com ele há 20 anos. Já é o terceiro casamento com o mesmo marido. A gente teve algumas crises muito fortes e, numa das últimas, entrei num dilema."

Vivi o mito da heroína. Essa mulher que tudo faz, acontece, e jamais vai admitir algumas coisas. E aí eu me vi dizendo assim: 'Gente, olha só. Eu gosto desse cara mais do que imaginei e do que a minha feminista pode suportar'. Essa feminista torta, por que ela acha que não tem que se submeter, entre aspas, a abrir mão de algumas coisas. Ana Canosa

"Eu comecei a me reorganizar e fazer as pazes e entender esse feminismo em outro lado, outra história", pontuou.

Ana Canosa refletiu sobre como isso aparece em outros relacionamentos. "Vejo muitas mulheres entrarem nisso: o cara falou uma coisa e já é relacionamento abusivo, é folgado. Como se você não pudesse, pra viver em comum numa relação amorosa, sofrer algumas coisas sim. Por que vai sofrer, não tem jeito."

"A gente se enganou nesse discurso de que você ser mais ou menos feminista é virar, bater a porta e ir embora em qualquer obstáculo de uma relação, porque você não vai abrir mão de nada. É uma corda, um puxa pro lado, um puxa pro outro, nem sempre será um meio-termo", disse Bela Reis.

Bárbara completou o raciocínio. "Quando a gente parte pra essa coisa maniqueísta, de ter vilão e mocinha, isso sim é uma forma de se colocar num conto de fadas. Claro que existe um recorte e a gente vive numa sociedade machista, mas num relacionamento a dois, precisa ter conversa."

Clímax

Ana Canosa finalizou com uma reflexão.

É possível sim construir algo que seja singular, mas é importante não perder de vista o biológico, a personalidade e a narrativa que você mesmo quer dar para aquilo. As fases do ciclo da vida nos impulsionam mais ou menos pra relação a depender do momento em que você está. Não é sobre não ter expectativas, mas quais as que você terá sobre sua relação e sobre a outra pessoa. Mas saiba que em algum lugar você será frustrado. Ana Canosa



Assista à íntegra do programa: