'É mais difícil se divorciar do que lutar no octógono', diz atleta de UFC
Na noite do último sábado, a bicampeã mundial em jiu-jitsu Mackenzie Dern, 30, subiu ao octógono do UFC Apex, em Las Vegas, para um combate contra a norte-americana Angela Hill, 38, na categoria peso-palha feminino, que reúne atletas de até 52 kg. E ganhou. Trocar socos e chutes com uma adversária forte como Hill é sempre um desafio importante para a atleta. Mas nada comparável às lutas que, na vida pessoal, Dern tem tido que enfrentar.
Apesar do nome, do sotaque de estrangeira e de ter nascido nos Estados Unidos, Dern é brasileira. Ela é filha do carioca Welington Dias — conhecido como Megaton —, lutador de jiu-jitsu, de quem herdou o amor pelo esporte. Criada por pais separados, ela cresceu vendo pai, mãe, padrasto e madrasta convivendo harmoniosamente — situação diferente da que mantém com o ex-marido, pai da pequena Moa, 3. Na semana passada, Dern deu a seguinte entrevista a Universa:
Você luta e sabe se defender. Mesmo assim, já sentiu medo de algum homem se aproximando de você?
Sim, tenho medo. Existem facas, armas. É perigoso. Quando você luta, parece que as pessoas querem comprar briga com você. E lutadores são como armas brancas. A gente sabe o que está fazendo. Uma ação minha pode machucar sério outra pessoa. É diferente de alguém que não sabe lutar. Estou passando por um divórcio e meu ano está uma bagunça. Fui colocada em situações tóxicas das quais não pude me defender, porque se agisse com força seria eu a errada -- por causa da minha profissão. Me segurei ao ver meu ex gritando e sendo agressivo sem poder fazer nada. Existe o tabu de que todo lutador é agressivo. Mas, como mulher, naquelas situações, me senti indefesa. É uma faca de dois gumes.
Você acredita que o autocontrole a ajudou a sair dessas situações e serviu de exemplo para sua filha?
O principal motivo da minha escolha pela separação foi evitar que minha filha crescesse achando que aquele tipo de comportamento era certo. Evitar que visse a mãe sendo tratada daquela forma.
É mais difícil ir para o octógono apanhar ou se divorciar?
O divórcio, com certeza. Meus pais se separaram quando eu tinha três anos. Minha experiência com separação foi linda e amigável. Eu tinha padrasto e madrasta e eles iam juntos com meus pais nas minhas festas de aniversário. Com certeza havia situações que eu não via, mas cresci sabendo que era melhor eles separados e amigos do que juntos e brigando. A minha separação está sendo diferente. Fico impressionada. Jamais esperei por algo assim. Não é fácil lutar, mas comparado ao divórcio, se separar é mais difícil.
No sábado, você foi escolhida para a luta principal do UFC na categoria peso-palha feminino. Estava insegura por saber que tinha perdido duas lutas principais antes daquela?
Apesar de ter um pouco de trauma, não tenho superstições. No passado, já cultivei algumas e não entro mais nessa. Sabe não poder lutar usando amarelo [risos]? Sinto motivação para ganhar. Nada vai me parar. Aprendi a tomar soco na cara, quebrei o nariz e tive lesões. Sempre com garra e coração.
Quando entra no octógono, você se concentra nos golpes ou aproveita os socos para descontar a raiva que sente de alguém?
É uma mistura de tudo. Não sinto dor, sinto a pancada e ouço o barulho; mas, por causa da adrenalina, não dói. Em uma luta, ouvi o treinador da adversária dizer que ela deveria chutar minha pança. No meio da luta, só consegui pensar: "Será que eu estou com pança [risos]?" Tem horas em que eu estou pensando nos próximos passos, se a adversária vai me dar abertura, se vou para o tudo ou nada. Mas, às vezes, só consigo pensar que em como estou cansada e quanto tempo falta para a luta acabar.
É difícil acreditar que não dói apanhar no ringue.
Juro: na hora não percebo a dor, mas assim que a luta acaba tudo começa a latejar e doer. Às vezes não consigo nem andar e só quero tirar a luva, agoniada, por achar que quebrei a mão [risos]. Você acaba sentindo tudo de uma vez.
Sua vida pessoal entra no octógono? Se entra, atrapalha ou ajuda?
Na hora da luta, ajuda; na hora da preparação, atrapalha. Durante a preparação, problemas da vida podem deixar a gente distraída, sem foco, sem conseguir descansar direito. Para uma atleta é muito importante chegar bem na luta. Mas, no ringue, naqueles 25 minutos, não penso na vida pessoal e no que o futuro me reserva. Estou focada na luta. São 25 minutos só meus, para fazer o que gosto, que é lutar.
Seu pai é lutador. Como começou sua paixão pela luta?
Comecei a lutar com três anos. Meu pai era dono de academia quando nasci. Aprendi que se acorda, escova os dentes, toma café e depois tem que ir para o jiu-jitsu. Demorou até eu entender que as outras crianças não faziam luta como eu. Achava que era o que todo mundo fazia depois da escola. Mas o que fez com que me apaixonasse pelo esporte foi ver meu pai lutar e acompanhar sua rotina. Para mim ele era um super-herói.
Sempre sonhou com a maternidade?
Sempre quis ser mãe, por causa do meu pai. Não queria me aposentar para depois ter filhos. Queria estar na ativa para criar minha filha como fui criada. Aprendi muito vendo meu pai -- não só por aquilo que me falava, mas pelo exemplo que me dava. Mesmo que minha filha não queira seguir no esporte, ela vai ver a mãe ganhando, perdendo, se esforçando, abrindo mão de algumas coisas, lidando com pessoas, fazendo negócios, viajando e conhecendo culturas diferentes. Posso proporcionar tudo isso para ela com meu trabalho e meu estilo de vida. Essa vivência pode ajudá-la em qualquer profissão.
Você já lutava com a idade da Moa. Treina com ela?
Sim, treino com ela em casa. Ela também frequenta a academia para treinar com crianças. Depois eu a ajudo a corrigir algumas coisas e fazer outras. É engraçado porque comigo ela quer bater, estrangular e dar chave de braço; mas, com as amiguinhas no treino, ela não vai com tanta vontade. Eu falo: "filha, finaliza" e ela me responde: "mas é minha amiga".
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