Topo

Podcast

Sexoterapia


Ana Canosa: 'Nova geração é mais disposta a viver relações não monogâmicas'

Colaboração para Universa, em São Paulo

26/05/2023 04h00

Relações não monogâmicas foram o tema discutido no novo episódio do "Sexoterapia", podcast de Universa. A sexóloga Ana Canosa e a jornalista Bárbara dos Anjos Lima receberam Taty Ferreira, criadora do Acidez Feminina, canal de discussões a respeito do universo das mulheres.

Ana Canosa: "É muito necessário a gente desconstruir o ideal monogâmico, criticado por uma série de razões. Mas também estou um pouco de saco cheio com o povo com essa ditadura do ideal não monogâmico como o melhor, o mais maduro."

"Como se todo mundo que estivesse confortável com a monogamia estivesse falseando o próprio desejo e vai mentir, cornear o parceiro. Gente, não é assim", desabafou.

A reflexão sobre não monogamia passa por saber quem é você na relação e o que eu deseja pra si e para o outro —ou outros. É uma questão de consciência e consentimento. Consciência do que está rolando nessa relação e consentimento sobre as possibilidades a se realizarem. Ana Canosa

Taty Ferreira, a convidada da semana, ressalta a necessidade de o casal estar em sintonia para viver a não monogamia."Pra abrir uma relação, a primeira coisa que você tem que ter é uma comunicação muito abrangente e honesta, e não acho que é uma realidade geral, uma coisa que a maioria das pessoas têm", disse a convidada.

Relacionamento aberto salva crise?

Bárbara pontou que vê casais em que o relacionamento aberto só vale para uma das pessoas. Além disso, questionou o fato de muita gente entrar na moda da não monogamia para tentar salvar uma relação em crise. "Precisa de uma reflexão antes", diz.

Taty acrescentou:

Tem um lugar da monogamia em si que me deixa muito incomodada, que é o posse do desejo do outro. (Muitas vezes você vai levando os pactos do relacionamento de maneiras que nem são ditas, você vai seguindo o que é colocado socialmente.

Além de conversar sobre monogamia e relacionamento aberto, elas também analisaram casos enviados por ouvintes.

Duas mulheres contaram situações que vivem. Uma delas abriu o relacionamento, mas se apaixonou por um caso antigo que reapareceu em sua vida. E agora está em dúvida se é seguro ou não se entregar ao que sente pelo ex.

Outra conta como lidou com o ciúme que sentia pela namorada quando elas decidiram ficar com outras pessoas. E agora se diz "uma monogâmica em desconstrução".

Leia as histórias abaixo:

Relação aberta e reencontro com ex

Depois da pandemia, aos trancos e barrancos, meu marido e eu decidimos abrir o relacionamento no ano passado. Conversamos muito sobre o assunto e decidimos pela política de não pergunte, não fale. Ou seja, eventualmente a gente podia sair separado, ficar com outras pessoas, mas sempre com três regras: transar sempre com camisinha, nunca repetir a pessoa e sempre que surgir o assunto, deixar claro pra terceira pessoa que éramos casados. A coisa foi muito bem no ano passado. Eu estava sentindo falta de sair, beijar, flertar. Isso deixou nosso casamento muito melhor. Estava mais animada com tudo, e passamos a transar muito mais.

Até que no começo deste ano, encontrei Lucas [nome fictício], um ex-casinho de antes do casamento, há mais de 12 anos. Ficamos. Não estava muito debatido isso na regra e quando vi, já tinha feito, me envolvi totalmente. Contei pro meu marido e decidimos rever algumas regras. Meu marido confessou a vontade de ficar mais de uma vez com algumas das mulheres com quem ele tinha ficado. Confesso que fiquei até surpresa com quão bem ele encarou a situação, pareceu até um descaso com o nosso relacionamento, mas como eu estava com muita vontade de ficar com Lucas novamente, relevei. A partir daí comecei a me encontrar com Lucas com mais frequência e, agora, me vejo cada vez mais apaixonada. Tenho saído mais de uma vez por semana com ele, e todo tempo livre, quero estar com ele.

Meu marido e eu temos um filho de 12 anos, e ele deve fazer uma viagem com a turma nas férias de julho. Minha ideia é sugerir para o meu marido que fiquemos separados esse tempo. Quero viajar com Lucas. Ele parece bem apaixonado e topando todas as minhas loucuras. Mas agora ando repensando o quanto quero ficar casada. Amo meu marido, gosto muito desse formato que conseguimos conquistar juntos. Também não sei o quanto é fogo de palha essa paixão pelo Lucas. Lá atrás, acabou justamente porque ele não queria nada sério. Mas me pergunto até quando isso é um formato novo ou um caminho pra uma separação.

Ana Canosa: "É uma paixão que pode ser fogo de palha, mas pode virar uma relação afetiva de amor e ter outra história. Mas o que me chama atenção é o fato de o cara ser um ex ficante que não queria nada sério. Olha a narrativa. Estava lá, casada, faltava a pimenta. Aí vai, abre, fica com várias pessoas. Aí o ex, que é aquele que não queria nada sério, chega".

Paixão é poderosa. Resgata a relação eu e tu. Eu achei interessante que, na hora que eles abrem a relação, ela foi buscar uma pessoa lá de trás, que terminou porque não estava fazendo esse espelhamento pra ela.Não é uma crítica a ela. O que quero dizer é que parece que existe algo que é anterior ao formato do monogâmico ou não monogâmico. Uma coisa que a gente volta num lugar que quer resgatar e é sempre muito bom viver isso. Ana Canosa

"Talvez o casamento, em muitas fases, ele não te dê isso. E aí outras coisas, outras pessoas, outras relações afetivas nos dão isso.
Parece que ela quer voltar nesse projeto e testar esse cara que não queria nada antes", finalizou Ana.

Taty Ferreira: "Será que, no fim das contas, o que desperta esse desejo de abrir a relação não é uma necessidade de se sentir única? Porque esse relato dela com o Lucas, é isso. Voltou pro romantismo."

Bárbara dos Anjos: "Talvez na não monogamia tem que ter um lugar pra gente validar o nosso desejo. Ela está transferindo o desejo que o marido não sentia mais por ela pra esse cara. Ela está quase reconstruindo uma monogamia pra esse cara novo."

Taty Ferreira: "E às vezes não tem nada errado em ela sair desse casamento. O que acho problemático é depositar toda essa energia nesse novo cara. Não dá pra jogar nas costas dele toda essa responsabilidade."

Ana Canosa: "Eu diria pra ela testar coisas com esse marido. Como ela tem uma conversa aberta com ele, tudo bem. Tudo bem às vezes darem um tempo, morarem em casas separadas. Essa flexibilidade é muito importante às vezes como casal na relação. Onde vou colocar esse amor? A relação anterior de amor não é pouca coisa. Tem um filho, uma casa, uma história, tem muita coisa. Dói. É difícil."

Monogamia em desconstrução

No começo do meu relacionamento, era tudo bem fechado. As coisas não deram certo e terminamos. Mas como muitas histórias por aí, voltamos e fomos morar juntas. Do término virou casamento. Do lado dela, a questão do relacionamento aberto era muito forte. Os pais eram casados há 20 anos e tinham uma relação aberta, então ela foi criada em um ambiente sem ciúme. Ela sentia falta de ficar com outras pessoas, mas pra mim era muito difícil. Soava loucura da minha parte sentir esse tipo de coisa. Antes dela, só tive relacionamentos héteros monogâmicos.

Era um absurdo ela querer ficar com outras pessoas porque, pra mim, eu tinha que ser tudo que ela desejava, 100% do que precisa. Sei que isso não existe. Com muita conversa, ela foi me mostrando que eu era a que tinha mais atração por outras pessoas, mas ignorava esse fato e achava cruel sentir isso. Com o tempo e muito debate, decidimos abrir. Primeiro, pra experimentar e ir com calma, era liberado só beijo no rolê, porque sexo era muito íntimo pra mim. Não podia ter Tinder, flerte na internet, date. Tá na balada e deu vontade? Beija ali e pronto.

Meu maior medo era ela conhecer outra pessoa e não me querer mais. O receio não era o desejo, era o afeto. Começamos a conversar mais. Nos aproximamos muito, falamos sobre como a gente ama, se relaciona, o que é o desejo. Aumentou muito nossa conexão. Agora que abri meus olhos pra esses lados, vejo que tem cada vez mais um movimento de relacionamentos lésbicos abertos. A gente tem falado muito sobre como o sentimento de posse pode ser nocivo, precisa ter domínio sobre o outro. Sou uma monogâmica em desconstrução e foi assim que construí um relacionamento melhor.

Ana Canosa chamou atenção para a questão do ciúme.

Ana Canosa: "Ela fala da experiência da parceira com pais que não são monogâmicos e que, portanto, o ciúme não era presente. Isso não significa que essa mesma mulher, filha do casal não mono, não tenha experimentado ciúme na vida. Ciúme é um sentimento que a gente vai experimentar muito cedo na vida. Quase brota da natureza".

A psicóloga aponta situações vividas na infância e o narcisismo que acontece nessa época e que, por exemplo, traz o ciúme com a chegada de um irmão.

A questão é o quanto a gente fomenta ou não e trabalha o ciúme como a desconstrução dessa prova de amor, que aí sim é produção cultural. O ciúme com a roupa do amor é uma produção cultural. Como sentimento, ele é anterior, assim como a percepção do sentimento de exclusividade. Ana Canosa

Taty Ferreira: "Esse relato dela me mostra que ela descobriu onde era preenchida com essa relação, e isso é muito difícil. Você entender que sua relação afetiva agora te preenche aqui, mas ali está tudo bem não preencher, e tudo bem outra pessoa vir fazer isso."

Assista à íntegra do programa: