Góticas: Elas deram o 1º beijo em um cemitério e estão juntas há 28 anos
A história de Sheila Costa e Simone Almeida começou com um primeiro beijo dentro do cemitério da Penha, na zona leste de São Paulo. Unidas pelo estilo gótico — marcado pelas roupas escuras e amor pelo rock — as duas flertaram por alguns meses antes do date, mas só em meio às lápides que se sentiram seguras para expor o carinho mútuo que sentiam.
Tudo aconteceu em 4 de julho de 1995 e, quase 28 anos depois, elas continuam parceiras no romance e nos negócios, com um casamento que desafia estereótipos, passando pela não monogamia, por uma separação de dois anos e pela escolha de não morarem juntas em tempo integral.
"Hoje existe uma certa liberdade, mas há 28 anos não era tão tranquilo. A gente passeava bastante, ia ao cinema, mas nunca tinha rolado nem beijo, ela até achava que eu não queria, porque conversávamos muito, mas nada acontecia", lembrou Sheila, em entrevista a Universa.
A paulistana de 49 anos conheceu a esposa quando tinha apenas 21, em 1994. Hoje historiadora, ela foi trabalhar como designer de interiores na mesma empresa que Simone, mas o amor não veio à primeira vista, e sim um ano depois, quando as duas já tinham uma relação de amizade fora do trabalho.
Por gostarmos do mesmo estilo musical, do mesmo estilo artístico, a gente acabou falando: 'Vamos passear no cemitério', por ser um lugar tranquilo mesmo. Conversa vai, conversa vem, eu puxei ela e dei um beijo. Aí acabou. A partir daí a gente não se desgrudou mais.
Sheila Costa
"Fechamos a relação de uns 10 anos pra cá"
Antes de criar uma relação com Simone, Sheila foi apresentada a ela sob o olhar de outros colegas de trabalho, que descreviam a mulher como uma pessoa "esquisita".
"Eu acredito que era por ela ser introvertida e ter um visual andrógeno", opina a historiadora, sem descartar o preconceito que existiu naquele cenário.
Apesar das descrições negativas, os interesses em comum fizeram as duas se aproximarem em pouco tempo, mesmo que de forma tímida. E, depois do beijo no cemitério, elas continuaram escrevendo suas próprias regras para o relacionamento.
Hoje a gente coloca muito o nome nas coisas, né? Mas na época eu tinha 21 anos, ela tinha 23, e a gente vivia um relacionamento muito livre. Sem amarras, sem cobranças, o que hoje as pessoas chamam de relacionamento aberto. Só que a gente não deu nome, não estipulou nada, realmente fomos vivendo a situação, vivendo a nossa idade."
Mesmo que as duas tenham decidido "fechar" a relação há cerca de 10 anos, Sheila continua se dizendo uma defensora da liberdade. Para ela, o processo até a monogamia "seguiu as vontades" que ela e Simone tinham.
"Nunca tinha me relacionado com uma mulher, mas não foi um problema"
Quando começou o namoro com Simone, Sheila tinha se relacionado apenas com meninos. Mas a relação com a ex-colega de trabalho foi encarada com naturalidade pela historiadora, que também não encarou olhares tortos de amigos e familiares mais próximos.
Para mim, isso nunca foi um problema. Estar apaixonada por uma cara ou por uma mulher realmente não era nenhum drama. Amor e liberdade são duas palavras que adoro. Para os amigos a minha volta também estava tudo bem. Já a família, nunca questionou. Eu nunca tive a necessidade de chegar em casa e falar: 'sou hétero ou sou lésbica'.
Pensando em realidades diferentes, em que o preconceito ainda é muito presente, o casal decidiu investir em projetos para apoiar a comunidade LGBTQIA+ periférica.
"A gente montou a Tesoura Produções, que engloba uma revista temática lésbica, a Alternativa L, e um programa de entrevistas on-line, o BR Sapatão, que cuida da autoestima dos LGBTs na periferia", detalha Sheila.
A iniciativa mais recente das empresárias é uma "minieditora artesanal", pensada para lançar livros de autores periféricos que fazem parte da sigla.
"A revista existe desde 2014 e chegou em todas as universidades federais do país, mas os livros irão só agora para as feiras literárias. A ideia é trazer acolhimento, que os LGBT periféricos se encontrem neles. Nossa ideia é ajudar na história e memória da comunidade LGBT."
"Como casal, estamos onde almejamos estar"
Quando Sheila tinha 27 anos o relacionamento com Simone entrou em um "hiato" que foi até os 29. Ao comentar os motivos do término, ela destaca a necessidade que as duas tinham de se encontrar como adultas, mesmo mantendo o contato uma com a outra durante todo esse período.
"Depois disso pensamos: 'tá, estamos prontas'. Fomos amadurecendo, entendendo as dificuldades uma da outra. E entendendo os limites, né? Eu, por exemplo, sou extremamente extrovertida e a Simone, altamente introvertida. Somos bem diferentes, mas o importante é a gente se respeitar", opina.
Entre esses limites traçados pelo casal está a "escala" entre os dias em que Sheila divide a casa com Simone e a parte da semana que passa sozinha, em um imóvel mais perto do trabalho.
"Sabe aquele estereótipo: 'O que uma lésbica leva no primeiro encontro? A mudança'. No nosso caso não é assim. A gente tem uma casa, uma empresa, mas moramos juntas só de sexta a domingo. Nos outros dias eu fico mais perto do trabalho, por causa de logística mesmo", explica.
E a dinâmica parece funcionar bem para as duas, com Sheila dizendo que, apesar de manter muitas metas na vida profissional, "como casal, elas estão onde almejam estar".
Tem estabilidade emocional e cumplicidade, que acho que é o que todo mundo deseja, né? Não quer dizer que o relacionamento é mil maravilhas a vida inteira, tem os seus altos e baixos. Mas tem também o olhar juntas na mesma direção."
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