Faxina para pagar campanha: candidatas se revoltam contra PEC da anistia
A diarista Andreia de Lima, 48, sempre participou de movimentos sociais na Favela do Parolin, em Curitiba (PR), onde mora há 32 anos. "Levava candidatas para a comunidade. As mulheres diziam que só votariam se fosse em mim. Mas não me sentia preparada", conta.
Em 2016, no entanto, começou a se organizar para atender à reivindicação da vizinhança. Filiou-se ao PT (Partido dos Trabalhadores) e, quatro anos depois, concorreu a uma vaga na Câmara dos Vereadores em uma candidatura coletiva, a Mandata Coletiva das Pretas.
Então percebeu como é difícil para uma mulher conseguir financiamento para disputar uma eleição.
A candidatura recebeu R$ 27 mil de recursos partidários, valor que considera insuficiente para viabilizar uma candidatura competitiva em uma capital. "Sempre ouvíamos que não tinha verba, que o valor do fundo já era determinado pelo TSE [Tribunal Superior Eleitoral]", lembra.
Como o dinheiro era pouco e a despesa, muita, não pôde interromper o trabalho para se dedicar à campanha. "Para me manter, continuei fazendo faxina até a véspera das eleições", diz.
Em entrevista a Universa, candidatas a cargos eletivos de diferentes partidos, da direita à esquerda, relataram dificuldades para conseguir verba para as campanhas — isso apesar da existência de regras que estabelecem uma cota mínima de 30% dos recursos do Fundo Especial de Financiamento de Campanha e da parcela do Fundo Partidário para candidaturas femininas.
No último dia 16, os partidos que descumpriram as regras foram perdoados na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos Deputados. A proposta de emenda constitucional estabelecendo a maior anistia de todos os tempos aos partidos ganhou o apelido de PEC da anistia. A PEC ainda precisa ser aprovada na Câmara e no Senado. Além da cota para mulheres, a anistia também contempla o descumprimento da cota para negros.
"Laranja de homem branco"
A Mandata Coletiva das Pretas, candidatura coletiva da qual Andreia fez parte, recebeu 3.582 votos em 2020 e ficou na suplência. Em fevereiro deste ano, a vereadora Giorgia Xavier, 44, titular da candidatura, assumiu o cargo de vereadora e Andreia foi designada assessora parlamentar.
Em 2022, Andreia se candidatou a deputada estadual. Com a experiência da primeira disputa e após participar do treinamento da Tenda das Candidatas, organização que capacita lideranças feministas na política, ela pressionou o partido pelo repasse dos recursos. Recebeu R$ 80 mil, mas boa parte do dinheiro só entrou na conta dela faltando dez dias para o fim da campanha.
Ela teve 5.523 mil votos e não se elegeu. Mas teve desempenho razoável em cidades onde o partido nunca havia recebido votos. "Não cheguei até aqui para ser candidata laranja e trazer voto para eleger homem branco", diz.
Fazendo o dinheiro render
A dificuldade em obter recursos para a campanha une candidatas de esquerda e direita. Mariana Calsa, 33, vereadora pelo PL da cidade de Limeira (SP), venceu a primeira eleição que disputou, em 2020, mas diz que isso aconteceu apesar do reduzido apoio do partido — ela foi a mulher mais votada da cidade.
Mariana recebeu R$ 18 mil do fundo partidário — R$ 10 mil em outubro e R$ 8 mil em 5 novembro, dez dias antes do pleito. "Os colegas homens, por outro lado, receberam R$ 50 mil, R$ 80 mil", afirma.
Para fazer o dinheiro render, ela investiu em comunicação digital, como aprendeu no treinamento do Renova BR, que capacita candidatos para as eleições. "A estratégia foi gastar o pouco que eu tinha no que era primordial", afirma.
Com a ambulante e ativista Kênia Ribeiro, 54, no entanto, a estratégia não foi bem-sucedida. Ela se candidatou pela primeira vez à Câmara Municipal de Belo Horizonte, em 2012. De lá para cá, disputou eleições em diferentes partidos. Passou pelo PSC, DEM e, em 2022, concorreu a uma vaga na Assembleia Legislativa de Minas Gerais pelo PSOL.
Terminou a eleição do ano passado com um estouro de R$ 2,5 mil na conta bancária. Seus credores, como esperado, não lhe perdoaram a dívida. "A anistia aos partidos é absurda. Isso vira uma bola de neve. Toda eleição acontece o mesmo e as mulheres se desanimam a ficar na política", afirma.
Choro com dinheiro na conta
Receber um financiamento compatível com candidaturas competitivas é o maior desafio para as candidaturas femininas, avalia a especialista em relações internacionais Laiz Soares, 32, cofundadora e diretora de operações da Conecta, organização que visa acelerar a participação de mulheres na política.
Uma frustração na política a levou à criação da Conecta — em 2020, ela foi derrotada na disputa pela prefeitura de Divinópolis (MG). Concorreu pelo Solidariedade.
Na época, Laiz era assessora parlamentar da deputada federal Tabata Tamaral (PSB-SP) em Brasília. O cargo a ajudou a fazer contatos. "O Solidariedade viu potencial na minha candidatura, talvez não do jeito como eu gostaria. Recebi algum recurso, mas bem inferior ao ideal. O partido claramente não acreditava que eu poderia ser eleita", diz.
Laiz terminou o pleito em terceiro lugar, com 21 mil votos. Os primeiros colocados tiveram 38 mil e 29 mil. "Com mais estrutura e recursos, teria tido mais chances de vencer a eleição", afirma.
No ano passado, ela concorreu à Câmara Federal e foi novamente derrotada. Também não recebeu a quantidade de dinheiro que julga suficiente para se eleger — embora conte ter chorado de felicidade e alívio quando a primeira parcela do fundo partidário caiu na sua conta bancária.
"No Brasil, o custo para eleger um deputado federal é de, em média, R$ 2 milhões. Das 91 mulheres eleitas, 81 gastaram acima de R$ 1 milhão. Ou seja, com menos deste valor não tem nem jogo. Às vezes, até se fornece dinheiro para as mulheres, mas nunca um número de gente grande. Não somos vistas como alguém que faz parte do jogo. Somos como um acessório", diz.
'Tempo necessário'
"Esta é a quarta anistia para os partidos que desrespeitaram leis de ações afirmativas. Em relação às cotas para candidaturas femininas e negras, é a segunda", enumera a cientista política Hannah Maruci, codiretora da Tenda das Candidatas.
Da outra vez em que houve a anistia, afirma Hannah Maruci, usou-se a mesma justificativa de agora: que os partidos não tiveram tempo hábil para se adaptar às novas regras, estabelecidas em 2018. Na opinião dela, as siglas "tiveram todo o tempo necessário".
Entre 2020 e 2022, a Tenda das Candidatas perguntou a 800 mulheres qual era o maior entrave para participarem da política institucional. Falta de recursos foi a resposta de 90% delas.
"As anistias criam a narrativa segundo a qual as leis voltadas para mulheres e pessoas negras não são importantes, não precisam ser cumpridas porque depois haverá um perdão. Num cenário em que mulheres lutam contra os partidos para conseguir o mínimo do que foi prometido para se candidatarem, isso é preocupante", diz.
Para a advogada Laura Astrolábio, diretora da Tenda, a PEC é inconstitucional — uma iniciativa para "fraudar cotas que são políticas afirmativas previstas na Constituição".
Antes de seguir para votação no plenário da Câmara e do Senado, a PEC terá o mérito discutido em comissão especial.