'Fotos contam histórias': fotógrafa registra bebês que não vão sobreviver
Se a fotografia é uma das formas de eternizar momentos, a mineira Paula Beltrão, de 45 anos, encontrou um jeito especial de ajudar mães a lidarem com o luto da perda de seus filhos.
Em um projeto, liderado por ela e outras mulheres, Paula fotografa bebês natimortos ou com anomalias incompatíveis com a vida - que podem sobreviver pouco tempo fora do útero após o parto.
"A gente tenta fazer com que aqueles buracos causados pela perda de um filho, com traumas e mágoas, com uma dor imensurável, não sejam maiores do que já são."
Paula é fotógrafa de família há cerca de dez anos. Para ela, faz parte da rotina clicar gestantes, partos e recém-nascidos.
E foi observando o ambiente da maternidade que ela percebeu que nem todas as mulheres ali estavam felizes e com seus bebês no colo.
Eu via uma placa escrito decesso, uma mãe chorando. E aí eu perguntava para a enfermeira: 'o que aconteceu?'. Ela respondia: 'o bebê morreu'. E isso não acontece necessariamente no momento do parto. Às vezes, a mãe vai fazer um ultrassom de rotina e constata que o bebê está ali sem batimento. São outras realidades mais comuns do que a gente pensa.
Convite para um parto diferente
Toda essa situação começou a gerar um certo incômodo em Paula. "Ao mesmo tempo que eu estava ali registrando a história com muita alegria, a gente via famílias que deveriam ter o mesmo respeito e empatia com o que estava acontecendo com as histórias delas", completa.
Na companhia de uma doula, Paula começou a compartilhar essas histórias nas redes sociais. Em parceria com a psicóloga Daniela Bittar, especialista em luto e em puerpério, elas entenderam a importância de amparar e acolher essas famílias.
"Uma família me procurou, a mãe disse que estava gerando um bebê com algumas comorbidades e que poderia não sobreviver após o nascimento. Mas que, independente da história desse bebê, do que iria acontecer com ele, ela queria ter registros", lembra.
Foi assim que surgiu o primeiro pedido para que Paula fotografasse um parto que poderia não ter um final alegre como outros - neste caso, o bebê sobreviveu 1h15 fora do útero da mãe.
Naquela ambiência, eu percebi a importância que aquelas fotos tinham para aquela família. Quando eu tiro uma foto, ela conta uma história e remete às sensações daquele momento. E é exatamente isso o que a família queria: ter lembranças.
"Eu tenho várias fotos dos meus filhos. Se eles estão viajando e eu estou com saudades, eu vejo uma imagem e lembro de momentos com eles. São essas imagens que muitas vezes nos consolam. E essas mães não têm esse consolo. A fotografia tem o poder de trazer isso", explica.
'Única imagem que tenho da minha filha é no caixão'
Depois que publicou esses registros nas redes sociais, Paula foi procurada por uma obstetra que perdeu a filha ainda no ventre com 38 semanas e seis dias de gestação.
"Ela falou: 'a única imagem que eu tenho da minha filha é uma foto dela no caixão e essa não é uma imagem que eu gostaria de ter da nossa história", recorda.
A partir deste relato, fotógrafa, obstetra e psicóloga deram início ao grupo Colcha, de apoio a perda gestacional e neonatal, há quase sete anos. "A gente começou a contar história não só através de fotos. A foto é uma das coisas que a gente faz e oferece à família como parte do acolhimento."
Todo o atendimento é voluntário e sem custo. "A gente faz todo um trabalho antes do nascimento e, principalmente, mostra e deixa claro para as pessoas a importância de que a chegada daquele bebê, com ou sem vida, seja feita da forma mais respeitosa e humana possível."
A primeira coisa que eu falo para a mãe é que aquilo não é uma punição que ela está sofrendo. Eu tento tirar os porquês. Naquele momento, o que é importante é ver o bebê dela, sentir a pele dele, tocar em cada detalhe.
Além das fotos, o grupo também oferece às mães uma caixinha com o carimbo do pé do bebê em uma tela e um saquinho com uma mecha do cabelo dele.
"Chamamos de caixa de memórias, onde a mãe ali vai poder guardar não só isso, mas o que ela quiser em relação à história dela. A foto é só um complemento daquilo que ela viveu", explica Paula.
Ajuda na elaboração do luto
A fotógrafa explica que, em geral, é procurada por amigos ou familiares das mães. "A gente chega no olho do furacão, no momento de maior emoção. Então a gente fala com as pessoas que estão em volta desse pai e dessa mãe da possibilidade de oferecer algo diferenciado."
A gente sabe que viver um processo de chegada e partida, da despedida de um filho, de forma mais lenta e respeitosa é muito melhor para a vivência dela. Mas existe um tabu, ninguém quer se preparar [para passar por esse momento].
"Para a mãe, é preferível ela ter algo que ela nunca queira ver, como as fotos do filho que partiu, do que querer ter algo que você nunca mais vai conseguir ter. A foto é isso. Ela traz uma memória que vai doer, sim, para sempre, mas materializa o filho", completa.
Ela lembra de um encontro do grupo Colcha em que eu mãe contou que, quando o filho morreu, ela não quis vê-lo e que aconteceu tudo muito rápido. Depois, quando processou que ela tinha um filho, entendeu que não tinha nada de concreto sobre a existência dele.
"Ela foi ao laboratório em que estavam fazendo a análise patológica da placenta e pediu um pedaço. E ela fala: 'eu precisava provar para mim mesma que o que eu vivi não foi só um pesadelo'", finaliza Paula.
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