Mulheres contra Boaventura: 'Tanto livro e usa a ignorância como desculpa?'
Uma carta assinada pelo Coletivo de Vítimas —como se denomina o grupo de mulheres que acusa o sociólogo português Boaventura de Sousa Santos de assédio sexual— contestou recente texto do professor em que ele afirma ser "nascido em 1940", "de uma geração em que comportamentos inapropriados, se não mesmo machistas, eram aceites pela sociedade".
Boaventura de Sousa Santos, 82, foi afastado do cargo de diretor emérito do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra em abril, após ser acusado de assédio sexual por três ex-alunas da instituição. Na sequência, outras duas mulheres relataram ter sido vítimas do comportamento dele: a ativista argentina Moira Ivana Millán e a deputada estadual Bella Gonçalves (PSOL-MG).
Em dois meses, o Coletivo de Vítimas reuniu seis mulheres que dizem ter sido assediadas pelo sociólogo na Universidade de Coimbra, segundo a advogada catarinense Daniela Félix, que representa a associação. É ela quem assina a carta contra Boaventura, distribuída ontem entre jornalistas. O texto assinado pelo professor foi publicado no site "Jornal GGN", em 2 de junho, com o título "Uma reflexão autocrítica: um compromisso para o futuro".
"Não é sempre fácil perceber conscientemente que se está a ter comportamentos que antigamente não eram vistos como inapropriados. Reconheço que em determinados momentos possa ter sido protagonista de alguns desses comportamentos", escreveu. Mas fez a seguinte ressalva: "Este meu reconhecimento de modo algum implica que eu assuma a prática de atos graves que me têm vindo a ser imputados".
Na carta em nome das mulheres que acusam o sociólogo português de assédio sexual, Daniela Felix afirma que, no texto em que faz a própria defesa, "Boaventura segue a cartilha de desmoralização das vítimas".
Sobre o trecho em que relata ser um homem "nascido em 1940", a advogada diz ser "difícil acreditar que um sociólogo profissional, internacionalmente considerado um dos maiores intelectuais de esquerda, não consiga entender as mudanças da sociedade e adaptar-se a elas".
"É difícil aceitar como desculpa a ignorância ou a falta de noção depois de tanto livro escrito, tanta palestra, tanta aula, tanta oficina, tanto fórum sobre o heteropatriarcado", escreve.
Em abril, o CES se comprometeu a formar uma comissão independente para apurar as denúncias contra Boaventura. Até agora, no entanto, o grupo não foi formado. Em maio, o sociólogo cobrou rapidez nas investigações —ele nega as acusações de assédio. Em comunicado recente à imprensa portuguesa, o Centro informou que a formação da comissão está em curso e ocorrerá "o mais rapidamente possível".
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