Ela definiu valores das publis de influenciadores negros: 'Ditei mercado'
A empresária Egnalda Côrtes se lembra até hoje do dia em que entrou no escritório de uma empresa norte-americana (que prestava serviços para o Google) e se sentou em frente a um executivo estrangeiro para participar de uma entrevista, mesmo sem saber falar inglês. Com a ajuda de uma intérprete, perguntou para o homem se ele não estranhava nunca ter selecionado uma pessoa negra para ocupar aquela vaga — mesmo sendo um cargo para o Brasil, país com população de maioria negra. "Mostrei uma realidade que talvez nunca tenha sido elucidada para esse executivo", lembra.
Aquele era o ano de 2017 e Egnalda conseguiu o cargo de mentora para o Google em um projeto para acelerar negócios de canais de relevância no YouTube. Fazia um ano desde que ela havia decidido abrir sua própria empresa de assessoria de talentos negros na internet, que hoje é responsável pelo gerenciamento de carreiras de influenciadores como Gabi de Pretas, Ju Cizar, Lo Bandoleiro e Amanda Costa.
A empresária vai participar, no dia 24 de junho, de sessões de mentoria para mulheres que desejam impulsionar ou ressignificar a carreira durante o Universa Talks, em São Paulo. O evento é gratuito, mas o evento é sujeito à lotação. Para se inscrever, clique aqui e insira o código UNIVERSATALKS2023.
Egnalda começou a carreira como operadora de telemarketing, na década de 1990, até ocupar cargos como coordenação e diretoria em empresas do ramo. Mudou para o marketing digital incentivada pelo filho, o criador de conteúdo PH Côrtes. Ele foi o primeiro profissional a ter a carreira gerenciada por ela.
A empresária, que conheceu a militância no bairro onde cresceu, na zona leste de São Paulo, viu a oportunidade de trabalhar com o ativismo e pautas raciais na internet. "Não havia nenhuma agência de influenciadores que pensasse no influenciador negro como uma possibilidade de negócio", diz. "Mas o conteúdo daqueles jovens que estavam na internet era precioso e revolucionário. Eu conseguia entender a lógica de valor agregado daquilo", diz.
Seu filho brincava de falar com a câmera desde os 8 anos de idade e passou a produzir conteúdo educativo sobre lideranças negras aos 13 — após assistir à peça "O Topo da Montanha", que reinventa o último dia de Martin Luther King e foi encenada com os atores Lázaro Ramos e Taís Araújo. O primeiro vídeo de PH foi sobre Zumbi dos Palmares, seguido por biografias de outras personalidades, como os escritores Machado de Assis e Lima Barreto.
"Eu era pesquisadora e a roteirista do canal dele", conta. "Como mãe, enxerguei uma possibilidade do Pedro escrever a história dele, porque ele era um menino muito tímido, mas se soltava diante de uma câmera", conta.
Mas houve um momento em que, apesar da projeção, Pedro quis parar com o canal. Tomou essa decisão por não enxergar referências de pessoas negras na influência digital. "Ele achou que aquilo não ia dar em nada, embora desejasse fazer do trabalho uma profissão. Aquilo me doeu. Virei a Rochelle, fiquei brava com ele", conta, em referência à personagem da mãe na série "Todo Mundo Odeia o Chris".
Foi para provar para o filho que era possível para um adolescente negro prosperar como influenciador digital que Egnalda estruturou o negócio. PH tinha 14 anos e 3,5 mil seguidores no Instagram quando a mãe fechou o primeiro trabalho para ele. Hoje, PH tem 153 mil seguidores na rede.
Entre o ativismo e o comercial, ela fica com os dois
Côrtes estabeleceu parâmetros de valores para parcerias e publicidades. No mercado, ganhou fama de careira: os criadores de conteúdo ligados à sua agência não aceitam permutas nem fecham negócios por valores abaixo do que ela estipula, depois de negociações que chegam a durar meses. Gabi Oliveira, uma das influenciadoras mais bem pagas da carteira de Egnalda, contou a Universa que diz mais "não" do que "sim" às propostas que recebe.
"Entendi que precisava estabelecer uma regra e ditar os valores do mercado", diz Egnalda.
Ela também é criteriosa para fechar parcerias. Neste ano, por exemplo, ela e PH Côrtes deixaram de participar do Lollapalooza Brasil após denúncias de trabalho análogo à escravidão por uma empresa terceirizada —eles estiveram entre os poucos influenciadores convidados pelo evento que se posicionaram nas redes sociais sobre o tema.
"Entramos no mercado falando do protagonismo negro. A questão de escravização e de trabalhos análogos à escravidão dentro da nossa família está há uma geração. Não foram meus tataravós, mas tenho meu pai que, com 77 anos, tem marcas no corpo de castigos de quando trabalhava em uma fazenda colhendo fumo, aos 7", relata.
O posicionamento crítico não implica em perdas financeiras, afirma a empresária. "Todas as tomadas de decisão, mesmo que não tão óbvias, também contribuem para o nosso comercial. Nos tornamos mais caros porque as empresas concorrentes entendem que não vamos fechar negócio com qualquer um."
Tendências para produção de conteúdo
A pauta racial teve um "auge" na produção de conteúdo nos últimos cinco anos, mas Egnalda não enxerga o momento atual como um refluxo. Ela afirma que o próximo momento é de aprofundar a discussão em outros segmentos.
Um dos exemplos, ela diz, é o tema do etarismo. Ela enxerga a produção de conteúdo voltada para o debate sobre envelhecimento como uma tendência, sobretudo com recorte racial.
Entre os próximos projetos, a empresária vai lançar, com suas amigas Ana Briza, Jessica Almeida e Larissa Magrisso, um aplicativo de relacionamento chamado Lúcidas, para conectar amizades femininas.
Universa Talks tem patrocínio de Allegra, Buscofem, Eudora, Gino-Canesten e Intimus.
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