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Sexoterapia


Fernanda Nobre: 'Monogamia é para controlar o desejo da mulher'

Colaboração para Universa, em São Paulo

30/06/2023 04h00

No episódio do "Sexoterapia", videocast de Universa, gravado ao vivo no Universa Talks, Bárbara dos Anjos e Ana Canosa receberam a atriz Fernanda Nobre e conversaram sobre o relacionamento da atriz, que é casada com o diretor José Roberto Jardim há 11 anos.

Fernanda Nobre: "Sou a pessoa perfeita para esse tema. Sou completamente devota à paixão que sinto pelo Zé. A gente está fazendo 11 anos juntos, nos escolhendo todos os dias. A gente não é feliz o tempo todo nem é apaixonado o tempo todo. Mas amor, sim, sentimos o tempo todo".

Ela completa: "Há três semanas eu não estava tão apaixonada por ele como estou agora, e não aconteceu nada. Vida normal, rotina normal, mas teve um dia que acordei e vi que estava mais apaixonada".

"Nunca fiz nada muito grandioso, como ficar na porta do trabalho dele vestida de coração. Mas, no começo, eu era um pouco monotemática, porque é isso, apaixonada fica monotemática, completamente obsessiva."

A atriz falou sobre o começo do seu relacionamento. "Tinha uma piada que nossos amigos falavam: 'Lá vem a Fernanda fazendo stand up do Zé'. Porque eu chegava e começava: 'Você acha que ele acha que eu acho que ele acha? Será que ele entendeu aquela mensagem?'. Era uma neurose."

Rótulos

Fernanda contou que sentia necessidade de rotular sua relação.

Fernanda Nobre: "A gente não tinha rótulos no começo, passamos um bom tempo sem e, como a gente é muito preso a conceitos moralistas e aprisionadores, se falava o tempo, dizia eu te amo, e eu ainda queria o rótulo, queria que falasse que era namorada. Quando teve, eu fiquei: 'Gente, para quê? Minha desconstrução aconteceu junto com ele no casamento."

A atriz disse ter começado a entender isso quando decidiu estudar e notou, com o marido, o quanto as relações de gênero são hierárquicas e opressoras.

De repente a pessoa por quem você está apaixonada já está dando tudo de melhor que pode dar. A gente fica querendo criar um ideal do que é o amor e do que é a paixão e não existe esse ideal. Ele é seu. A paixão é diferente para cada um, e a forma como você compreende ela é diferente para cada um. Fernanda Nobre

A sexóloga Ana Canosa refletiu sobre as falas de Fernanda. "Tem pessoas que são mais controladoras, então colocar a relação num formato é muito importante", disse. "Desconstruir o rótulo é um processo porque, de alguma maneira, eles nos ajudam a dar um contorno. Você pode ter uma relação livre e não monogâmica namorando."

Vamos construindo nossos contornos por angústia. Eu entendo que essa busca é um ímpeto humano, mas a gente tem que refletir sobre essa necessidade. Ana Canosa

Fernanda falou sobre ter definido sua relação. "Hoje, às vezes chamo de companheiro, às vezes falo marido. É que essa palavra, marido, dentro da minha bolha, da minha realidade, não tem aquele peso que tinha há algumas décadas, de uma relação hierárquica, onde a mulher estava ali como enfeite, objeto. Dentro desse meu lugar, eu falo marido."

Como a gente está criando nossas regras de relação, novos formatos conforme as experiências, a gente vai reajustando. Eu, em uma semana, estou insegura, na outra, sou dona do mundo. Aí é conversa, muito diálogo, muita generosidade ao escutar. Fernanda Nobre

Bárbara destacou a importância do autoconhecimento para que, dentro do relacionamento, se saiba para onde quer ir.

Relacionamento aberto

Fernanda Nobre contou também que o casal decidiu por abrir o relacionamento depois que começou a ler e descobrir por que a monogamia surgiu.

Fernanda Nobre: "Foi criada por causa da propriedade privada, é uma forma de controlar a mulher, nossa sexualidade e nosso desejo. A gente começou a abrir a relação por isso. Quem disse que existe monogamia e que eu sou monogâmica? Ninguém me perguntou. Você começa uma relação e isso está imposto".

A gente está sempre conversando para entrar em acordo porque não existe um formato. A gente vai criando as nossas próprias regras. Fernanda Nobre

Bárbara apontou: "As escolhas que você faz na sua vida tem que ser questionadas e refletidas, e a monogamia, por muito tempo, nos foi imposta".

Ana Canosa: 'Homens ficam perdidos quando se apaixonam'

As três também conversaram sobre paixão e amor e as loucuras feitas em nome desses sentimentos.

Ana Canosa: "Enquanto a paixão é explosiva, o amor nos solicita a promover o bem-estar do outro e nosso. Durante a paixão, desenvolvemos sintomas que nos tiram do eixo, nos deixam loucos. Somos capazes de fazer coisas que condenamos só para manter esse estado de euforia".

A sexóloga se emocionou ao completar o pensamento: "Às vezes a paixão serve como distração dos nossos vazios. Sempre é assim, mas há quem tenha a sorte de dar conta da escolha amorosa mesmo que os buracos estejam ali", finalizou.

Fernanda Nobre comentou sobre a diferença entre homens e mulheres ao viver a experiência da paixão. "Cada um compreende de uma maneira. Mas uma coisa o amor romântico trouxe para as mulheres, e a gente recebe essa informação da publicidade, da literatura, do cinema... Que nós, mulheres, precisamos do amor para nos sentirmos plenas e integradas em nós mesmas."

Uma mulher sozinha é vista como fracassada, o que é muito triste, porque os homens não têm essa relação identitária com o amor. Eles estão sozinhos e estão curtindo a vida, e a mulher não. A sociedade vê a solteira como se faltasse algo, como se estivesse condenada à tristeza. Fernanda Nobre

Ana Canosa complementou: "Os homens também se apaixonam, e aí eles ficam perdidos porque é quase como se fossem abduzidos dessa referência da masculinidade que não pode se entregar a ninguém. As mulheres são impulsionadas a amar, e os homens têm mais dificuldade".

A sexóloga também comentou sobre os "sintomas físicos" e as reações das pessoas à paixão. "Quando estamos apaixonados, não precisamos de esforço para fazer loucuras, a gente simplesmente faz. Por isso é tão delicioso se apaixonar. A gente esquece todos os nossos vazios existenciais, sentimentos de solitude, acaba tudo. Muitas paixões servem um pouco para isso".

O amor é outra história. É um ato da sua vontade. É uma escolha, é mais do que sentimento. Quando diminui a paixão e a gente percebe o outro como ele é de fato —porque na paixão tudo é muito idealizado— é aí que você escolhe amar o outro. Porque ele é um sentimento que vai provocar dor, muito mais do que a paixão. A paixão provoca dor quando não é correspondida. A dor do amor é quando você olha para si mesmo e aceita que para você estar com aquela pessoa, precisa ficar com suas dores. Ana Canosa

Ana apontou ainda que acredita que, atualmente, as pessoas têm cada vez mais "pequenas paixonites".

Bárbara dos Anjos: "Eu acho que sim. E tem essa coisa física do aceleramento do tempo que a gente tem para gastar".