Governo não tem dado de mães com deficiência. Proposital, diz pesquisadora
Há 18 anos, a pesquisadora Marina Dias de Faria, investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, dedica-se ao estudo das pessoas com deficiência. Começou analisando os hábitos de compra dessa população ainda na graduação. Concluiu tese de doutorado em administração na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) sobre consumo por pessoas com síndrome de Down. Agora, dedica-se ao estudo da deficiência do ponto de vista da maternidade. Um dos grandes desafios dela é investigar o tema diante da escassez de dados oficiais a respeito do assunto. Ela deu a seguinte a entrevista a Universa:
Universa: Não há dados oficiais disponíveis sobre o número de mães com deficiência no Brasil. O que explica isso?
Marina Dias de Faria: As estatísticas sobre pessoas com deficiência de órgãos oficiais no Brasil são bastante falhas. Não apenas as que dizem respeito às pessoas que são mães, como a todos os recortes. Até mesmo o total de pessoas com deficiência é um número falho. Assim, as instituições voltadas a pessoas com deficiência acabam trabalhando com números extraoficiais. Trata-se de uma invisibilização proposital. É mais fácil dizer que essas pessoas não existem e, assim, justificar uma ausência de políticas públicas voltadas para elas.
É possível pensar em políticas públicas específicas para as mães com deficiência?
Possível e necessário. Mas para isso é preciso que elas existam oficialmente. Um outro aspecto óbvio, mas que costuma ser ignorado, é a questão da representatividade. É preciso que as mães com deficiência estejam nos espaços públicos, nos centros de decisão de poder, na política, nos órgãos decisórios locais ---mas a realidade é que costumam ser colocadas à margem da sociedade.
Mães com deficiência desafiam o senso comum sobre a maternidade?
Sim. Essa mãe precisa de cuidados, por ser uma pessoa com deficiência, mas ao mesmo precisa cuidar, por ser mãe --e nesse ponto passamos a lidar com os estereótipos de gênero. Quando uma mulher --por exemplo, com deficiência cognitiva-- manifesta o desejo de ser mãe, é comum que ela enfrente reações contrárias da família, dos amigos e até do Estado. Vão dizer que ela não pode ser mãe, porque para isso precisaria ser cuidadora. O recado é: como ela pode cuidar se precisa de cuidados?
Essa reação contrária ocorre com homens com deficiência que querem ser pais?
A paternidade dos homens com deficiência é melhor aceita. Afinal, considera-se que ele pode ser pai, porque não precisa cuidar como a mãe. O mesmo ocorre com a sexualidade. Ela é mais admitida em homens com deficiência do que em mulheres com deficiência. Se você nega a sexualidade e o direito ao próprio corpo das mulheres, como vai criar políticas públicas para que essas mulheres possam ter filhos? Não à toa, em muitos lugares ainda é comum a prática da esterilização involuntária de mulheres com deficiência. É importante que isso seja debatido do ponto de vista da violência contra essas mulheres --violência sexual, inclusive, porque ao negar os direitos delas em relação aos próprios corpos, elas ficam vulneráveis a todo tipo de violência de gênero.
As necessidades das mães com deficiências estão contempladas nas lutas pelos direitos das mulheres?
Esse deveria ser um ponto caro ao movimento feminista, mas ainda não é. O fato de que as demandas dessas mulheres não são atendidas deveria ser uma questão importante para os feminismos. Costumamos defender o direito a não ser mãe --mas, quando nos referimos a isso, estamos tratando dos corpos dito normais, deixando de fora as mulheres com deficiência. Os desejos delas têm que ser respeitados.
Outro lado
De acordo com Jefferson Mariano, analista socioeconômico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pesquisas por amostras dificultam a coleta de dados mais específicos. A recém-divulgada Pesquisa Nacional de Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE revela que há, no Brasil, 10,7 milhões de mulheres com deficiência. Mas não se sabe quantas dessas são mães.
"Temos problemas quando vamos aplicando filtros e detalhando. Surge a possibilidade de um erro amostral elevado e isso pode comprometer o resultado da pesquisa", diz Mariano.
No entanto, ele afirma que, quando a íntegra do Censo 2022 for divulgada, será possível, a partir do cruzamento de micro dados, chegar a este número —ainda que aproximado.
Ele explica que a carência de informações de cadastros oficiais, como o DataSus (departamento de dados do Sistema Único de Saúde), compromete o trabalho dos pesquisadores.
"Toda crítica é bem-vinda. A partir de conversas com especialistas, o IBGE tem feito aprimoramentos", diz, a respeito das observações de Marina Dias de Faria.
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