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'Coisas ruins acontecerão': mulher narra perseguição de ex-colega de escola

Presentes e carta com ameaça recebidos por Gabriele - Arquivo pessoal
Presentes e carta com ameaça recebidos por Gabriele Imagem: Arquivo pessoal

De Universa, em São Paulo

27/07/2023 04h00Atualizada em 27/07/2023 11h30

A designer de moda Gabriele*, de 31 anos, conta que recebeu ameaça de morte depois de recusar as investidas de um homem que conheceu na época da escola. Assustada, ela registrou boletim de ocorrência, pediu medida protetiva e resolveu relatar a Universa o que está vivendo desde então.

Tudo começou quando ela respondeu um story em seu Instagram e passou a trocar mensagens com o ex-colega, o engenheiro Matheus Zwir, de 31 anos. A troca de mensagens, que começou amistosa, acabou escalando para situações de ameaça e constrangimento.

Segundo afirmou à polícia, Gabriele passou a receber não só comunicações online como encomendas e cartas em sua casa, na zona sul de São Paulo, em tom ameaçador.

"Você jogou no lixo todo meu carinho e me magoou muito por isso de agora pra frente melhor você ficar atenta porque coisas ruins acontecerão", dizia uma das correspondências enviadas por ele.

Desde então, nem ela nem a mãe ou a filha conseguem sair de casa por medo de que algo lhes aconteça. "Ele falou que vai infernizar a minha vida. Eu não estou conseguindo comer, não estou conseguindo dormir nem fazer nada", disse Gabriele.

Carta - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Carta recebida por Gabriele
Imagem: Arquivo pessoal

Ela conta que precisa fazer compras pela internet e desmarcou consultas médicas. A filha, que está de férias, também não pode sair. "Estou presa na minha casa."

O advogado de Zwir, Marcelo Borlido, disse que ele nega qualquer tipo de ameaça ou perseguição "e não tem interesse em manter contato com ela". A reportagem, no entanto, teve acesso a prints de mensagens que indicam insistência de Zwir em falar com a mulher.

A defesa de Zwir afirma, ainda, que ele prestou esclarecimentos na delegacia, "informando que o contato inicial se deu por iniciativa dela pelo interesse que os dois têm pela Rússia".

'Só fui educada'

Gabriele e Matheus se conheceram na escola — eles frequentavam um colégio de elite na região central de São Paulo —, mas nunca foram amigos. Segundo a jovem, os dois só se seguiam nas redes sociais por causa dos amigos em comum. "Nós estudamos na mesma época, eu era de uma turma e ele, de outra", diz ela.

Há um tempo, ele começou a tentar interagir com ela no Instagram, segundo conta — reagindo e curtindo suas postagens, mencionando gostos em comum entre os dois.

No início deste ano, ele puxou conversa sobre a Rússia, um assunto de interesse de Gabriele, e eles começaram a se falar pelo WhatsApp. Em fevereiro, ele a convidou para ir a um restaurante.

Só fui educada e disse 'a gente marca depois'. Ele colocou na cabeça que tínhamos marcado um encontro e me ligou mais de 150 vezes. Ali eu vi que aquilo era estranho e comecei a ficar assustada.

Matheus tentou ligar mais de 150 vezes para Gabriele - Arquivo Pessoal - Arquivo Pessoal
Matheus tentou ligar mais de 150 vezes para Gabriele
Imagem: Arquivo Pessoal

'Presentes' e cartas

Depois deste episódio, ela conta que disse a Matheus que estava sendo assediada e pediu para ele parar de procurá-la. Ele insistiu. Em algumas mensagens, chegou a escrever em russo. Ela ignorou.

Print - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Print de conversa entre Matheus e a mulher
Imagem: Arquivo pessoal

"Você é problemática, véio. Caralh*, já te expliquei, se tivesse me atendido não teria te ligado mais (sic)", respondeu ele em uma das conversas por Facebook. Em seguida, ela o bloqueou nas redes sociais.

Foi a partir de março que Gabriele passou a receber cartas e encomendas — foram flores, chocolates, objetos que remetiam à Rússia e até mesmo um jogo de videogame.

Ela pediu que o prédio não aceitasse mais nada que chegasse em nome dele, mas Matheus teria começado a usar outros nomes e endereços como remetente, apesar de continuar assinando seu nome no conteúdo.

O advogado de Gabriele enviou uma notificação extrajudicial para Matheus em abril pedindo que ele parasse de manter contato com ela, que foi ignorada.

Um mês depois, após mais uma entrega de supostos presentes, Gabriele registrou um boletim de ocorrência contra Matheus pelo crime de perseguição.

"Sei que errei de aparecer no seu prédio sem falar com você, mas caramba, nunca te fiz nenhuma ameaça e nem nunca sequer te falei algo grosseiro", disse Matheus em uma das cartas, escrita à mão e assinada por ele, datada em 9 de junho.

Gabriele também diz ter sido informada por funcionários do prédio que Matheus estaria rondando a rua do condomínio de carro. Ela procurou a família dele e, mesmo assim, ele não parou, segundo afirma.

Ameaça de morte

No dia 10 de julho, Gabriele conta que recebeu uma carta digitada com ameaças contra ela e a família. Apesar de o conteúdo ser digitado, o envelope foi escrito à mão.

"Primeiro, quero que você saiba que tentei te fazer uma pessoa feliz, mas você prefere ser amargurada e não sabe dar valor a quem te idolatra, te admira e quer cuidar de você", escreveu o remetente. A imagem da carta foi enviada pela defesa de Gabriele à Justiça.

Sua filhinha mimadinha que se cuide. Se eu quiser vou continuar enviando coisas, mas elas podem estar comprometidas. Que tal um chocolate batizado?
Carta enviada a Gabriele

"Você não tem como provar quem sou eu, mas você, só você, sabe quem sou eu e vou acabar com vocês (...) Só eu que podia te dar uma chance de ser feliz", completou.

Medida protetiva

Depois da ameaça, o advogado de Gabriele entrou com um pedido de medida protetiva, concedida no dia 14 de julho pelo Tribunal de Justiça de São Paulo.

Segundo o juiz, "é possível constatar a insistência do investigado, de forma perturbadora, de tentar contato com a vítima".

Matheus Zwir deve manter distância mínima de 100 metros de Gabriele, sua filha e sua mãe, sob pena de prisão preventiva em caso de descumprimento.

O juiz também determinou que ele se abstenha de "manter qualquer tipo de contato, por qualquer meio, direto ou indireto (redes sociais, telefonemas, mensagens via SMSs, correspondências postais, mensagens de terceiros)" com Gabriele, a mãe e a filha dela.

É tortura. Não aguento mais ficar nesse pesadelo. As pessoas acham que não é um crime, mas é. Eu não queria que mulher nenhuma passasse pelo que eu estou passando e só queria que parasse.

Investigação

Por meio de nota, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo (SSP) informou que o 36º Distrito Policial (Vila Mariana) instaurou inquérito e representou pela medida cautelar que proíbe o suspeito de fazer qualquer contato com a vítima e familiares dela, que foi deferido pelo Poder Judiciário.

"O autor foi informado pelo seu advogado sobre a medida protetiva. Ele foi intimado a prestar depoimento. A equipe da unidade segue trabalhando em busca de outros elementos para esclarecer os fatos."

Crime de stalking

Desde 2021, o crime de perseguição é tipificado pela lei 14.132, que adicionou ao Código Penal o artigo 147-A.

"Esse artigo vai punir quem perseguir alguém reiteradamente por qualquer meio, ameaçando a integridade física e psicológica, restringindo a capacidade de locomoção ou de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade", explica a advogada criminalista Adriana D'Urso, secretária-geral da Comissão da Mulher Advogada da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil).

A pena prevista para crime de perseguição é de seis meses a dois anos de reclusão, além de multa. "E essa pena vai ser aumentada se o crime for cometido contra criança, adolescente, idoso ou mulher", completa Adriana.

A advogada explica que a perseguição está ligada ao imaginário de uma pessoa seguindo a outra na rua ou esperando do outro lado da calçada. Mas, na "vida real", essas atitudes podem ser muito mais sutis e disfarçadas de comportamentos aparentemente positivos — como presentes.

Você acorda com um buquê de flores, no outro dia um chocolate. Mas, quando vem de uma pessoa que você não sabe quem é, e eles passam a mostrar um nível de conhecimento sobre a sua vida, você fica transtornada, sai na rua preocupada, olhando para os lados.
Adriana D'Urso

Como denunciar violência contra a mulher

Se você está sofrendo violência de gênero ou conhece alguém que esteja passando por isso, pode ligar para o número 180, a Central de Atendimento à Mulher. Funciona em todo o país e no exterior, 24 horas por dia. A ligação é gratuita. O serviço recebe denúncias, dá orientação de especialistas e faz encaminhamento para serviços de proteção e auxílio psicológico. O contato também pode ser feito pelo WhatsApp no número (61) 9610-0180.

Para denunciar formalmente, procure a delegacia próxima de sua casa ou então faça o boletim de ocorrência eletrônico, pela internet.

*O nome foi trocado a pedido da mulher