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'Proibia camisinha': professor da UFV é demitido após denúncias de abusos

Rafaela Polo e Camila Brandalise

de Universa, em São Paulo

28/07/2023 15h54

O professor Edson Ferreira Martins foi demitido do Departamento de Letras da Universidade Federal de Viçosa, em Minas Gerais, após a investigação de um processo administrativo disciplinar, aberto contra ele em 2019, ter sido concluída. A decisão foi publicada no Diário Oficial da União na terça-feira (25) e seu deu após 11 mulheres levarem denúncias de abusos sexuais à diretoria da instituição.

Assinado pelo reitor da universidade, Demetrius David da Silva, o documento, ao qual Universa teve acesso, decide pela demissão de Martins e afirma que, a partir dos relatos de seis estudantes, "percebe-se que o docente ostentava posição que lhe era assegurada pelo cargo para aproximar-se das alunas e estreitar os laços que o uniam a cada uma delas". Foram dois votos a favor da demissão e um contra.

"Era o cargo de docente, associado a sua postura sedutora, que lhe tornava alvo de admiração das alunas, sobretudo daquelas recém-admitidas no curso de letras. Era ainda o cargo que lhe permitia o gradual estreitamento das relações, transformando a inicial admiração das alunas em algum outro sentimento que abria as portas para o subsequente relacionamento afetivo e sexual", diz o reitor.

Procurada pela reportagem, a advogada de Martins, Marinês Alchieri, afirma, por meio de nota, que ele não cometeu qualquer crime e que "ele foi afastado da funções só com o que elas [as mulheres] falaram. A defesa derrubou uma por uma as acusações apresentando provas da inocência". Diz ainda que um grupo de professores, alunos e ex-alunos "orquestraram" as denúncias contra ele para construir uma imagem de "psicopata, uma pessoa perigosa".

No recurso enviado à Universidade Federal de Viçosa, a advogada ressalta que nenhuma das mulheres diz ter se relacionado com Martins por ele ser professor. Diz não proceder a informação de que "o recorrente só se envolveu afetiva e emocionalmente com as docentes em virtude do cargo público que ocupava" e que os relacionamentos só aconteceram quando ele não era mais professor delas.

Também procurada, a advogada das vítimas, Lise Póvoa, não quis comentar o processo da universidade nem a decisão, pois o caso é sigiloso. Mas afirmou que vai se reunir com as mulheres na próxima semana para decidir se vão denunciar o ex-professor na polícia. Pelo Código Penal, segundo a decisão da UFV, o caso pode ser entendido como assédio sexual, com pena de um a dois anos de prisão. A universidade não se posicionou sobre a denúncia de estupro.

O que dizem as mulheres

Angela* soube da fama do professor de "adorar as novinhas" logo que chegou à universidade. Segundo ela, esses eram boatos comuns que circulavam pelo campus. "Fiz uma disciplina com ele e vi que me dava muita atenção durante a aula", conta.

Um dia, quando estava chateada com questões pessoais, o professor notou e lhe ofereceu uma carona para casa. No carro, ela se abriu com ele, ficou emotiva, o professor parou para comprar umas cervejas e lhe perguntou se queria ir à casa dele conversar.

"Quando chegamos, a conversa continuou. Ele fez mais um copo de bebida, e não demorou muito até ele começar a tentar me beijar. Eu me senti acolhida e vista por um professor do meu departamento. Então gostei de estar com ele naquela noite", conta Angela. Os problemas só começaram no terceiro e último encontro.

"Discordei dele em algum assunto, era algo bobo, mas ele se sentiu questionado e começou a gritar comigo. Lembro que ele dizia: 'Não te trouxe aqui para isso'. Ele só gritava, se levantou de onde estávamos deitados, e ameaçou me expulsar da casa dele", conta. O professor morava em um sítio afastado da cidade. Com medo de sair sozinha à noite, Angela implorou para que ele não a expulsasse.

"Deitei na cama comecei a chorar, pois estava com medo e confusa com o que estava acontecendo. Em alguns minutos a gritaria parou, ele foi até onde eu estava e me viu trêmula e chorando. Veio por trás de mim, tirou minha roupa e iniciou o ato. Continuei no mesmo lugar, ainda chorando e trêmula. Ele continuou e foi como se eu não estivesse ali. Não me movi e nem reagi, fiquei com medo de falar algo", conta.

Ela nunca o denunciou por medo. "Também tive vergonha do tratamento que eu poderia receber na delegacia e de conhecidos", explica.

Helena* também se diz vítima de Martins. Ela manteve um relacionamento com ele por quase um ano. O primeiro contato foi por Facebook. "Ele disse que via as minhas postagens sobre um autor que pesquisava e perguntou se eu tinha interesse na conversa, porque eu era uma ótima aluna", diz. Helena conta que foi assim por cinco meses, até ele convidá-la para almoçar.

"Achei que me levaria pra um restaurante, mas ele me levou pra casa dele. No almoço, ele fez a comida, me deu uma cerveja. Almoçamos com um vinho. Disse que tinha se esquecido da sobremesa e voltou com um copo de vodka com açaí", diz. "Depois, subiu em cima de mim e me beijou, e não lembro mais nada. Acordei muito tarde, era um domingo, e ele falou para eu dormir lá, que no dia seguinte me levava pra casa porque ele morava em um sítio afastado. Me senti um pouco estranha, mas quando falei com as minhas colegas da faculdade, todo mundo achou muito legal. Ele era o professor descolado."

"Só percebi que fui vítima de violência moral e sexual quando ouvi outras mulheres contarem, pois achava que era só comigo. Ele proibia o uso de camisinha, então eu me entupia de pílula do dia seguinte. Como era mais velho, achava que ele sabia o que estava fazendo. E ele dizia que eu não podia fazê-lo passar aperto com uma gravidez", conta.

Segundo a advogada de Martins, Marinês Alchierie, apesar da demissão, "nenhuma das acusações se confirmaram". "A defesa derrubou uma por uma as acusações apresentando provas da inocência. Até o estupro foi fake. Na data que ela indica o estupro, o professor tinha hóspede em casa. Ademais, ela só incluiu estupro na denúncia na terceira vez que se manifestou", afirma Marinês, ressaltando que todos os contatos foram consensuais.

"Crime sexual é difícil de comprovar. Guarde provas", diz Cris Fibe

A colunista de Universa lembra da importância de denunciar: "A maioria dos violadores sexuais faz isso mais de uma vez e contra mais de uma mulher. Mas é importante denunciar de forma pensada e geralmente acompanhada de alguém. Também é bom contar o que sofre para amigas, por exemplo, para ter testemunhas que saibam o que está acontecendo.

*os nomes foram alterados a pedido das entrevistadas

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