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'Achava que rosa só ficava bonito em meninas brancas', diz rapper MC Luanna

Arte UOL
Imagem: Arte UOL

De Universa, em São Paulo

02/08/2023 04h01

Em 2018, a cantora MC Luanna recebeu da marca baiana Dugueto um conjunto rosa, até então uma cor de roupa que evitava. Não que a rapper detestasse o tom: "Achava que rosa e vermelho eram cores para meninas brancas. Desde a infância, não usava porque achava que só ficava bonito nelas", lembra.

Antes mesmo do hype do "all pink" trazido pelo filme "Barbie", que pintou de cor-de-rosa roupas das lojas de departamentos, edifícios e até comidas, Mc Luanna lançou, em maio de 2021, o clip da música "Bonde da Hello Kitty", em que meninas e mulheres negras aparecem vestidas —das tranças ao sapato— de rosa. "O rosa mudou sua vida", diz uma das meninas à cantora na produção audiovisual.

"Quando coloquei aquele kit, me achei linda. Eu já estava usando meu cabelo natural, depois de alisá-los dos 10 aos 18 anos. Isso destravou memórias. Você começa a entrar em uma questão estrutural, que é achar que algumas coisas não são para a gente", disse, em entrevista a Universa. "Meu autoconhecimento começou pela roupa."

Flow do rap, batidas do funk

O clipe de "Bonde da Hello Kitty" foi lançado oito meses depois da publicação do primeiro vídeo da cantora baiana de 28 anos, moradora do Jardim Boa Vista, na zona oeste da capital paulista. O início despretensioso da carreira foi durante a pandemia, em setembro de 2020.

"Estava sem saber o que fazer e quis testar a música. Já escrevia textos e poesias. Criei esse hábito quando estava no segundo ano do ensino médio, mas não achava minha voz boa o suficiente para cantar. Gravei um vídeo cantando uma música autoral, chamada 'Derrota e Vitória', e o vídeo teve muitas visualizações. Começaram a pedir que eu gravasse. Não teve mais volta", conta Luanna, que foi incentivada a seguir no ramo por amigos da música, como o rapper Dfideliz.

"Quando eu era pequena, gostava de axé. Depois, consumi muito reggaeton. Meu irmão é DJ e por causa dele comecei a escutar black music e funk. A música sempre foi presente na minha vida. Mas ver meu amigo conquistando casa, mudando de bairro e melhorando a condição da família dele me fez acreditar que o sonho era possível."

Mc Luanna - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

Luanna começou nor funk, por isso leva o MC no nome artístico. "Não tinha muitas minas na cena do funk consciente. Eu queria ser essa mina. Só que, no meio do caminho, comecei a fazer trap também. Sou aberta, não tenho limitação. O rap e o funk se unem na vivência das pessoas da periferia", afirma.

Entre a CLT e a carreira musical

No primeiro ano na música, Luanna se dividia entre a carreira musical e o emprego CLT (com carteira assinada) como técnica de saúde bucal. "Era pandemia, não tinha show. Foi um ano difícil para gravar, fazer clipe, não tinha recurso, não sobrava dinheiro", diz.

Com a retomada dos shows, Luanna começou a ganhar o equivalente ao seu salário na música. Foi quando pensou ser possível se dedicar integralmente à carreira. Em junho de 2022, cantou para milhares de pessoas no Cena, um dos principais fetsivais de trap do país, no Sambódromo do Anhembi.

"Eu estava lá, em meio a um monte de artistas, vivendo um sonho. Três dias depois, estava batendo o cartão, ganhando pouco", lembra. "Mas sou uma pessoa com pé no chão e queria ter a certeza de que ia dar certo. Não tomo decisão precipitada. Fiz um planejamento para poder sair."

Luanna deixou definitivamente a carreira na área de saúde no final no ano passado. "Foi difícil porque eu gostava do que fazia, apesar de ser muito cansativo."

Terapia para lidar com 'haters'

No final do ano passado, o trapper Veigh lançou a música "Meio Pá", uma composição do cantor com Mc Luanna, que participa da faixa. Foi um hit. Em oito meses, a música já tem 26 milhões de visualizações no YouTube. Com o sucesso, Luanna também teve que lidar com comentários de ódio nas redes.

"Algumas pessoas disseram que eu tinha estragado a música. Outras falaram que só apareci por causa dele, como se eu não fosse talentosa. Fiquei mal por uns dias, mas me reconstruí", afirma.

Mc Luanna - Arte UOL - Arte UOL
Imagem: Arte UOL

"Ninguém nunca falou que um homem ficou famoso por causa de outro homem. Para mim, foi a primeira coisa que falaram. Sempre tiram o mérito da mulher. Ainda mais eu, uma mulher preta e periférica", diz. "Faço terapia há dois anos. Sem isso, não teria aguentado lidar com contratantes, público e haters."

A prioridade, diz a rapper que mescla o flow do hip hop e as batidas do funk, é a saúde mental. "Não sou uma pessoa consumista. Por mais que nunca tenha tido roupas de marcas e ouro, isso não faz meu olho brilhar. Estabilidade é o mais importante para mim. Quero envelhecer bem."