Baiana que mapeou DNA do novo coronavírus em 48h apoia meninas na ciência
O primeiro caso de covid-19 na América Latina foi confirmado no dia 26 de fevereiro de 2020. O paciente, recém-chegado da Itália, havia dado entrada em um hospital em São Paulo. Apenas 48 horas depois, a biomédica baiana Jaqueline Goes de Jesus concluiu o sequenciamento genético completo do novo coronavírus no Brasil. A média de tempo para realizar o exame nos outros países era de 15 dias.
O mapeamento, coordenado pela médica Ester Sabino, do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo (USP), permitiu diferenciar o vírus que chegou ao país do genoma identificado em Wuhan, o epicentro da pandemia na China. A pesquisa era uma iniciativa da USP —onde Jaqueline desenvolvia pesquisas de pós-doutorado— com a Universidade de Oxford para estudar arbovírus, em parceria com o Instituto Adolfo Lutz. Arbovírus são transmitidos principalmente por mosquitos.
Jaqueline é uma das finalistas do Prêmio Inspiradoras 2023 na categoria Mulheres na Ciência.
Aos 33 anos, a biomédica já tem no currículo outras importantes pesquisas sobre arbovírus. Antes do sequenciamento do coronavírus no Brasil, ela participou do mapeamento do vírus zika, que começou a circular no país em 2013. Em 2016, viajou com outros pesquisadores por cinco capitais do Nordeste em um micro-ônibus adaptado com um laboratório para investigar a rota de chegada do zika.
Durante um estágio-sanduíche do doutorado em Birmingham, na Inglaterra, Jaqueline desenvolveu e aprimorou protocolos que permitiram o sequenciamento de genomas completos do vírus. "O estudo teve impacto não só por termos feito o sequenciamento, mas, principalmente, por irmos a campo fazer um trabalho acurado de amostras", explica.
Jaqueline também fez pesquisas sobre chicungunya e identificou uma nova linhagem do vírus da dengue, responsável pelos casos mais recentes da doença. Ao todo, tem 39 artigos publicados em revistas científicas. "É um volume importante. Ela assina artigos como primeira autora ou coautora e alguns estão publicados em publicações de alto impacto, como a Nature e a Science", avalia Valéria Borges, cientista da Fiocruz Bahia e coordenadora da pós-graduação em patologia humana da Universidade Federal do Bahia (UFBA) entre 2017 e 2021, programa onde Jaqueline fez doutorado.
Prêmio Inspiradoras | Categoria: Mulheres na Ciência
Enquete encerrada
Total de 7623 votosRepresentatividade para além da ciência
Desde o mestrado, Valéria notava o potencial de Jaqueline como pesquisadora. Em 2019, ficou impressionada com sua tese de doutorado, que trata do monitoramento em tempo real de arboviroses como zika e dengue. Assim, incentivou a aluna a inscrever o trabalho em um prêmio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). A tese foi uma das vencedoras em 2020.
"Hoje ela não é só mais uma cientista, é inspiração para outras meninas e mulheres. Carrega um combo de representatividade por ser mulher, negra, nordestina, oriunda de escola pública e bolsista", diz Valéria.
Planos para o futuro das mulheres brasileiras na ciência
Natural de Salvador, Jaqueline foi criada na periferia da cidade. Apesar das dificuldades financeiras, seus pais haviam cursado o ensino superior graças ao incentivo que tiveram das famílias. E repetiram o protocolo com Jaqueline e o irmão mais novo.
"Os brinquedos que meu irmão e eu ganhávamos da minha mãe eram muito ligados à educação. Meu pai sempre nos presenteava com livros sobre assuntos curiosos —por exemplo, como as pirâmides foram construídas. Isso moldou o meu caráter educacional", diz a biomédica.
Ser uma mulher negra, nordestina e jovem me deixa orgulhosa pela representatividade. Quero contribuir para abrir espaço para outras mulheres como eu. Jaqueline
Agora, a biomédica deseja criar um instituto que levará seu nome. O objetivo é incentivar meninas do ensino médio de escolas públicas a trilhar o caminho das ciências. Ela sabe bem a importância de um apoio.
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