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Abusada na infância, ela ajuda mulheres a reconstruírem vida após violência

Prêmio Inspiradoras: Heloísa Melillo é finalista na categoria Conscientização e Acolhimento - Mariana Pekin/UOL
Prêmio Inspiradoras: Heloísa Melillo é finalista na categoria Conscientização e Acolhimento Imagem: Mariana Pekin/UOL

de Universa, em São Paulo

04/08/2023 04h00

A educadora paulista Heloisa Melillo, 61 anos, finalista do Prêmio Inspiradoras na categoria Conscientização e Acolhimento, já tinha um extenso currículo como gestora de projetos sociais quando, em 2019, assumiu a direção executiva do Bem Querer Mulher, em São Paulo. Criado em 2004, o programa é baseado em seis pilares —educação, prevenção, autonomia financeira, política pública, suporte à vítima e engajamento social. Dessa maneira, busca garantir o suporte necessário para que elas possam reconstruir suas vidas.

Com 30 anos de experiência trabalhando pela garantia de direitos a diversos grupos, ela já tinha lidado com a violência de gênero, mas foi no Bem Querer que começou a atuar diretamente com o tema.

"Hoje, dedico minha vida à mulher em situação de violência, visando a reconstrução de suas vidas", afirma.

Segundo ela, as mulheres chegam ao programa encaminhadas pela unidade básica de saúde, delegacia, família ou amigos.

A exceção é virem por iniciativa própria. Na maioria das vezes, elas nem sequer se reconhecem como vítimas de violência. Heloísa

Só em 2022, o Bem Querer Mulher acolheu 17.591 mulheres e, nas delegacias de Defesa da Mulher (DDM), outras 1.392. O programa foi pioneiro ao lançar a primeira cartilha sobre a Lei Maria da Penha e o primeiro Fundo Nacional de Combate à Violência contra a Mulher, em parceria com a Unifem, órgão das Nações Unidas que oferece assistência técnica e financeira a projetos e estratégias que contribuam para assegurar os direitos da mulher.

Prêmio Inspiradoras | Categoria: Conscientização e Acolhimento

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Acolhimento na delegacia

Em quatro DDMs da capital paulista, há uma assistente social do Bem Querer Mulher preparada para acolher os que chegam para fazer uma denúncia. A vendedora Carolina Coelho, 33 anos, é uma das mais de 1.300 mulheres que receberam esse atendimento humanizado no ano passado, depois de sofrer uma tentativa de feminicídio.

Em janeiro de 2022, ela terminou o namoro de cinco anos, marcado por violência psicológica e física. "Ele me manipulava, dizia que a culpa da discussão era minha. Era difícil compreender que estava um relacionamento abusivo", diz Carolina.

Oito meses depois do término, a vendedora deu uma carona ao ex-namorado. O homem estava armado. Ela foi obrigada a passar para o banco do passageiro e levou um tiro na perna. Foram 12 horas em poder do agressor, que pegou a estrada, saindo de São Paulo. Para que o homem a levasse de volta para a cidade, ela prometeu que não contaria a verdade ao fazer o boletim de ocorrência, algo necessário, já que havia levado um tiro. Com medo e coagida, disse que tinham sido assaltados.

Carolina precisou ficar alguns dias na UTI. Ao sair, decidiu acionar o Bem Querer Mulher. "Foi impressionante. Mandei uma mensagem contando o que havia acontecido e, cinco minutos depois, já havia um grupo no WhastApp com a Heloísa, uma advogada cível, outra criminalista, uma psicóloga, assistente social e mais outras pessoas para me darem apoio", lembra.

Heloísa e o grupo do Bem Querer Mulher orientaram Carolina a voltar à delegacia e fazer um novo boletim de ocorrência. "Normalmente, a mulher chega à delegacia com uma fotografia, que nem sempre reflete o nível e a perenidade da violência que ela sofre. Quem a atende registra o que ouviu, não pergunta se o homem já havia feito aquilo antes", diz a diretora executiva do programa.

Já a profissional do Bem Querer Mulher procura acalmar a vítima para que ela consiga transmitir as informações mais relevantes para o boletim. Também oferece apoio psicológico, jurídico e acompanhamento para os filhos, caso necessário.

Outras nove DDMs da capital paulista esperam por uma parceria com o Bem Querer Mulher, que está em busca de recursos para conseguir manter assistentes sociais nas unidades. "O atendimento a mulheres vítimas de violência precisa ser feito com amor, mas só isso não basta. É preciso ter competência para que se possa pegar nas mãos delas e fazer com que aceitem ajuda", diz Heloísa.

"Minha sensibilidade vem de décadas de maturação"

Por três décadas, Heloísa manteve guardado um trauma. Na infância, foi vítima de abuso. Demorou anos para falar sobre o assunto com pessoas próximas. "É como se eu tivesse jogado isso debaixo do tapete. Eu não falava, ninguém sabia", diz.

hm - Mariana Pekin/UOL - Mariana Pekin/UOL
Prêmio Inspiradoras: Heloísa Melillo é finalista na categoria Conscientização e Acolhimento
Imagem: Mariana Pekin/UOL

Ela acredita que o trabalho e o contato com outras pessoas que passaram por situação semelhante a prepararam para romper o silêncio. O despertar, no entanto, não se deu no ambiente profissional. Ela enfrentou uma crise quando a filha de uma amiga teve bebê e —sem saber— escolheu o nome do abusador de Heloísa para batizar o filho. "O nome nunca mais tinha aparecido na minha vida."

Então decidiu procurar ajuda profissional para lidar com o trauma. Hoje, acredita que a experiência influencia seu trabalho. "Faço questão de falar: não sou assistente social, não sou psicóloga, não sou advogada, mas minha sensibilidade vem de décadas de maturação. Foi acontecendo dentro de mim sem que eu percebesse e hoje se revela de uma forma consciente, clara e organizada".

O Prêmio Inspiradoras é uma iniciativa de Universa e Instituto Avon, que tem como missão descobrir, reconhecer e dar maior visibilidade a mulheres que se destacam na luta para transformar a vida das brasileiras. O foco está nas seguintes causas: enfrentamento às violências contra mulheres e meninas e ao câncer de mama, incentivo ao avanço científico e à promoção da equidade de gênero, do empoderamento econômico e da cidadania feminina.