Freira enfrenta estupradores no PA. 'Quis cortar minhas pernas com facão'
Irmã Marie Henriqueta Ferreira Cavalcante, 62 anos, está incluída no programa de proteção para defensores dos direitos humanos há mais de uma década. Para circular pela cidade ou viajar, conta sempre com escolta policial. E nunca sai às ruas de Belém (PA), onde vive, sozinha. O motivo: há anos, ela trava uma luta contra criminosos que violentam e exploram sexualmente mulheres e crianças.
"Sou odiada pela minha luta", diz.
Desde 2009, a freira, que é uma das finalistas do Prêmio Inspiradoras na categoria Conscientização e Acolhimento, coordena o eixo de enfrentamento da violência sexual e o tráfico de pessoas da Comissão Justiça e Paz da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) no Amapá e no Pará.
Ao longo deste tempo, já atendeu mais de 2.500 casos. Em geral, recebe e encaminha denúncias e dá apoio às vítimas que precisam de proteção. Em 2009, sua atuação deflagrou a instalação de uma comissão parlamentar de inquérito, a CPI da Pedofilia no Pará.
"Acompanhei todos os depoimentos. Aproveitei o contato com os deputados para falar sobre a importância de olharmos para a exploração de meninas na beira dos rios", diz.
Na ocasião, insistiu na necessidade de se combater outro crime comum na região onde atua: o tráfico de pessoas. As conversas contribuíram para a instalação de nova CPI só para tratar do assunto.
Mergulhei na defesa dessas mulheres e meninas, que são a maioria das vítimas do tráfico de pessoas e da exploração sexual. Marie Henriqueta
Para ela, tais crimes são sustentados por três pilares: a impunidade dos criminosos, a pobreza dos moradores da região e a perpetuação dessa condição, causada pela ausência de políticas públicas e desestímulo da população em exigir melhorias.
"Quando tomamos conhecimento, o crime já aconteceu. Por isso, nos preocupamos em fazer um trabalho preventivo. Não basta combater o crime. A sociedade civil precisa se comprometer em enfrentar, com uma visão holística, o problema que é estrutural", diz.
Prêmio Inspiradoras | Categoria: Conscientização e Acolhimento
Enquete encerrada
Total de 34109 votosCoragem para encarar abusadores
Há 12 anos, irmã Marie Henriqueta lidou com um caso que a tocou bastante. Keila, uma jovem especial, então com 14 anos, chegou com a mãe, Leila Gomes de Sá, na sede da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) na capital paraense. A menina havia sido abusada por um vizinho e estava grávida.
A dupla vivia em Calheira, comunidade ribeirinha pertencente ao município de Curralinho, na Ilha de Marajó. Mãe e filha estavam com fome.
Henriqueta acolheu as duas e, acompanhada do Conselho Tutelar e da polícia, foi até a comunidade de onde vieram enfrentar o abusador. Chegando lá, o homem ameaçou cortar as pernas da freira com um facão.
"Eu respondi que, se cortasse minhas pernas, pagaria por dois crimes. Ele, então, se desarmou. Foi muito impactante para mim", recorda a freira.
O criminoso foi preso. Já Keila e Leila passaram a viver com Henriqueta, em Belém. Como tomava remédios controlados, a garota precisava ser acompanhada durante a gravidez.
"A irmã nos orientou sobre os tratamentos para a Keila, sobre a gravidez e o nascimento da minha neta Vitória. Nos ajudou a comprar uma casa. É uma referência nas nossas vidas e está a todo momento ao nosso lado", diz Leila.
Vida religiosa por vocação
Amazonense de Eirunepé, cidade na divisa com o Peru, irmã Marie Henriqueta nasceu filha de um funcionário público e uma costureira. A família era pobre, mas os pais não descuidavam da exigência com os estudos dos filhos.
Ela tinha 13 anos quando os pais decidiram se mudar para Belém, pois lá as escolas eram melhores. "O que faço contra as violações de direitos humanos, principalmente as que envolvem as crianças, adolescentes e mulheres, é herança do amor que recebi", diz.
Aos 18 anos, a jovem decidiu seguir a vida religiosa e seguiu para São Paulo, onde fez faculdade de biologia. Ela também passou um período em Milão, na Itália, para aprofundar a formação religiosa.
De volta à capital paulista, começou o trabalho dedicado às questões sociais, sobretudo na defesa de crianças e adolescentes. Retornou para Belém em 2009 para se debruçar no enfrentamento à violência sexual de menores e tráfico de pessoas.
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