Promotora criou cartilha para ensinar jovens a reconhecer relação abusiva
No fim dos anos 1990, Valéria Scarance, de 51 anos, trabalhava no Ministério Público de Carapicuíba, na região metropolitana de São Paulo (SP), e lidou com um caso que marcou a sua vida. "Um homem torturou, por três dias, a mulher e a vizinha porque acreditava que elas tinham um caso", conta a promotora de Justiça, finalista do Prêmio Inspiradoras 2023 na categoria Justiça para Mulheres.
Apenas a vizinha sobreviveu, e o caso ficou ressoando na mente de Valéria. Foi assim que, mesmo antes da lei Maria da Penha existir (a lei é de 2006), a promotora começou a estudar ciclos de violência e relacionamentos abusivos.
Em 2019, já reconhecida por seu trabalho no enfrentamento da violência de gênero, criou a cartilha Namoro Legal, que vai ganhar atualização e versão em livro este ano. "O texto surgiu como uma estratégia para falar sobre relacionamentos abusivos com adolescentes e jovens mulheres. As estatísticas apontavam que as mulheres mais novas estavam sofrendo os maiores índices de vitimização", explica.
A cartilha se propõe a tratar de violência sem nomeá-la, para não assustar as leitoras. "São sete dicas de namoro que, na verdade, são estágios de evolução de uma relação abusiva que pode se tornar violenta." O material pretende ajudar jovens a identificar comportamentos violentos.
Prêmio Inspiradoras | Categoria: Justiça para Mulheres
Enquete encerrada
Total de 70882 votosO caso de Luiza Brunet
Em 2016, a ex-modelo Luiza Brunet, 61, foi agredida pelo ex-marido, o empresário Lírio Parisotto. Ela teve coragem de levar a denúncia adiante porque encontrou acolhimento em uma rede de mulheres, incluindo a promotora Valéria.
"Nosso primeiro encontro foi emocionante. Eu estava insegura, com medo e vulnerável", lembra a ex-modelo, que define Valéria como "uma mulher calorosa, com muita sororidade".
Luiza, que hoje é atuante na causa da violência de gênero, afirma se inspirar na promotora. "Ela me ensinou a construir a mulher ativista que me tornei. Tenho profunda gratidão e admiração por Valéria".
Ajuda do filho adolescente
Para escrever a cartilha, Valéria teve a ajuda do filho adolescente, que levava o texto para a escola e discutia com os colegas de classe. "Ele me contava se as pessoas falavam daquele jeito ou não, se o texto estava desatualizado do ponto de vista do discurso jovem".
A cartilha já teve mais de 100 mil impressões e está disponível para download no site do Ministério Público de São Paulo. No Dia dos Namorados, é comum que marcas e entidades a promovam, para que adolescentes possam entender o que é um relacionamento abusivo. "Neste ano, descobri que o material estava sendo usado nas escolas do interior de Mato Grosso. É gratificante", diz Valéria.
Um mundo antes e depois da Lei Maria da Penha
Antes da Lei Maria da Penha, a violência contra a mulher era tratada, pela Justiça, como uma infração penal de menor potencial ofensivo. A punição, em geral, consistia no pagamento de cestas básicas.
Na promotoria pública, além da cartilha Namoro Legal, o Grupo de Enfrentamento à Violência Doméstica também fez a pesquisa "Raio X do Feminicídio". "Queríamos mostrar que o feminicídio é um crime de ódio, mas que é uma morte evitável, e que a Lei Maria da Penha funciona".
Ela avalia que a entrada em vigor da Lei Maria da Penha provocou transformações para além do sistema judiciário. "Hoje, graças à lei, a população reconhece o assédio e não se cala. Não aceitamos mais violências que antigamente eram ignoradas ou incentivadas pela sociedade."
Agora, o grande desafio de Valéria é lutar contra a violência psicológica. "Ela não é padronizada. Algo insignificante para uma pessoa pode ser danoso para outra", afirma. A promotora afirma que esse tipo de agressão corrói a autoestima da vítima, tornando-a mais vulnerável.
Sou uma mulher em crescimento, a serviço de outras mulheres. São elas que me motivam a seguir em frente, apesar de todas as dores e dificuldades. Valéria
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