Chega de ser cristal! Ela trocou boleia do marido pelo seu próprio caminhão
Foram dez anos acompanhando o marido na boleia até que Flávia Caetano decidiu assumir o controle da carga: aos 33 anos, ela hoje é motorista de caminhão.
Flávia começou a viajar com o marido, Cléber, logo depois que eles se casaram. Por anos, ela foi "cristal" — como são chamadas popularmente as esposas de caminhoneiros que deixam a vida para trás para acompanhá-los na estrada.
Hoje, os dois encaram as rodovias juntos, mas cada um no seu caminhão. Para Flávia, há mais mulheres no comando do volante, mas muito chão ainda a percorrer até tornar a experiência das caminhoneiras confortável.
A Universa, Flávia conta sua história.
"Sempre gostei muito de dirigir, já era uma terapia para mim, mas não imaginava que dirigiria um caminhão, que tiraria carteira. Não tinha esse pensamento. E eu me encontrei: eu gosto de dirigir, gosto de viajar, gosto da estrada.
Tudo começou com um empurrão do meu esposo. Ele sempre me incentivou, desde quando a gente começou a namorar.
Fiz faculdade de tecnologia e agronegócio e não me adaptei, então trabalhava como caixa de supermercado. Nesta época, comecei a namorar e logo me casei com o Cléber.
Com seis meses de casada, em 2012, a gente decidiu que não compensava eu ficar na cidade trabalhando e ele fora. Então, fomos viajar juntos.
Em 2014, comecei um curso de técnica em enfermagem, porque achava que era o que eu queria, por um ano. Cansei, e viajei mais um ano com ele. Depois, até voltei para o curso, concluí, mas não atuei na área.
Para mim, ter essa vida de cristal não era muito difícil. A gente não tem filhos, optamos por não ter. Então, o problema era ficar longe da família.
Eu sou bem próxima da família, mas meu marido perdeu os pais cedo — no ano em que a gente se casou — e a irmã dele morava muito longe. Para mim, o que mais pesava era ficar longe dos meus pais, das minhas irmãs e dos meus sobrinhos.
Por outro lado, eu e o Cléber ficávamos sempre juntos. Quando só ele viajava, ele ficava 60 dias fora. Eram 60 dias em que a gente não tinha convivência. Então, a gente optou por isso, para ficar junto.
Ainda apareceu outra oportunidade muito boa para mim, de trabalhar em uma outra cidade como coordenadora de merchandising, onde fiquei um ano. Mas ainda não era o que eu queria.
Profissão: motorista de caminhão
Falei que ia atrás de tirar a carteira D [para caminhão] e tirei. Disse para o Cléber: 'quero voltar a viajar'. Mas, só com um de nós trabalhando, não dava. Eu deveria trabalhar, então, como motorista.
A empresa dele falou que era possível que nós viajássemos sempre juntos, e eu decidi encarar.
Hoje nós trabalhamos na mesma empresa, cada um com o seu caminhão. Há três meses, tirei a carteira e, há dois meses, estou trabalhando. Sempre pegamos as mesmas cargas.
A gente trabalha junto mesmo: onde um vai, o outro vai. Pegamos as mesmas rodovias, ao mesmo tempo, fazemos o descarregamento. Só vamos em caminhões separados.
E nós viajamos com a nossa Tequila, a cachorrinha de estimação. Ela viaja com a gente desde os 50 dias. A vida inteira dela foi dentro do caminhão também.
'Não tinha nem banheiro'
Precisamos incentivar mais as mulheres. Já tem muita mulher na estrada e isso é uma vitória, porque é um mundo muito machista.
Antes era raro de ver, era uma ou outra. Hoje elas ainda estão em menor quantidade do que homens, claro, mas mais do que naquela época em que eu era cristal.
Muitas empresas, quando a gente descarrega, ainda ficam com aquele olhar e questionando se uma mulher dá conta. E a gente dá conta, assim como os homens.
Com a quantidade de mulheres indo para a estrada, até as salas e banheiros de motorista começaram a ter um outro olhar e melhorar um pouco para nós.
Quando eu era esposa de motorista, por exemplo, não tinha uma sala para a gente ficar esperando. Já teve lugar que não tinha banheiro feminino.
Quanto mais mulher vindo, melhor é, tanto para o conforto na estrada quanto para a gente enaltecer a classe."
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