Topo

MP acusa Melhem: 'Me deve um boquete por te trazer para a Globo'

Marcius Melhem -                                 Reprodução
Marcius Melhem Imagem: Reprodução

Juliana Dal Piva e Adriana Negreiros

Do UOL, em São Paulo

09/08/2023 15h52

Segundo denúncia do Ministério Público do Rio de Janeiro, Marcius Melhem tinha um padrão para assediar funcionárias.

O diretor do núcleo de humor da TV Globo "se aproximava das vítimas" como um "chefe parceiro e protetor, passando aos poucos a estabelecer uma sensação de intimidade e amizade" com as subordinadas.

A proteção seria utilizada como moeda de troca —conforme o MP, ele cobrava gratidão das subordinadas.

A denúncia apresenta algumas frases supostamente ditas por Melhem para suas funcionárias: "Você me deve um boquete por te trazer pra Globo", "um dia vou te pegar" e "vou te cobrar com favores sexuais".

Uma vez íntimo das mulheres, ele passaria a elogiá-las, "sendo corriqueiro dirigir-se às vítimas com termos como 'gostosa', 'você tá uma delícia com essa roupa', 'vou conferir esse figurino de maiô'".

"Orgulhoso da situação de ereção"

Consolidada a fase do assédio verbal, Melhem daria início, de acordo com a denúncia, a nova etapa, de aproximação física —"abraços e carinhos excessivos disfarçados de brincadeiras que evoluíam igualmente para apalpações, tentativas de beijos forçados, propostas de sexo, tapinhas nas nádegas, apertões nos seios e até mesmo, em algumas situações, exposição de sua genitália, orgulhoso da situação de ereção".

A denúncia do Ministério Público é baseada nos depoimentos das atrizes Carol Portes e Georgiana Góes e de uma terceira funcionária da emissora que prefere preservar a identidade.

Carol Portes disse em depoimento que, durante o período em que trabalhou com Marcius Melhem nos programas "Tá no ar" e "A gente riu assim"—ele, como roteirista-chefe, supervisor artístico e diretor do núcleo de humor; ela, como atriz—, sofreu assédio sexual pessoalmente e por meio de mensagens de WhatsApp. Prints das conversas constam da denúncia.

No texto também constam detalhes das práticas supostamente conduzidas por Melhem, "como pegar a mão da vítima e passar no seu pênis ereto, convidar-se para ir ao apartamento da vítima tomar banho, tentar beijar a vítima à força, mandar mensagens dias depois perguntando se o constrangimento já havia passado, oferecer três cervejas e uns tapas para que ela pudesse 'relaxar' com ele".

Por não ter cedido às investidas do chefe, Carol Portes diz que foi "colocada na geladeira" da TV Globo, ou seja, ficou fora do ar.

"Fantasias eróticas" desde "Confissões de Adolescente"

A história contada pela atriz Georgiana Góes guarda semelhanças com aquela narrada por Carol Portes —-daí a denúncia do Ministério Público mencionar um "modus operandi". Segundo o texto, era comum que, diante das investidas fracassadas, o humorista dissesse a frase "o jogo vai virar" —tanto Georgiana quanto a outra funcionária da TV Globo (que não quer ser identificada) mencionaram essas palavras.

Para Georgiana, ele teria dito, ainda, nutrir "fantasias eróticas" com ela desde que interpretava uma estudante em "Confissões de Adolescente" —seriado que foi ao ar na TV Cultura entre 1994 e 1996, quando a atriz tinha entre 17 e 19 anos.

"Em diversas oportunidades, ao se deslocarem dos estúdios de gravação na zona oeste para o setor da emissora localizado na zona sul, ao passarem de carro na frente de algum motel, o denunciado fazia propostas de entrarem", informa a denúncia.

Inquérito desde 2021

O inquérito, que apura assédio sexual, foi aberto em 18 de junho de 2021 após atrizes terem feito depoimentos à Ouvidoria da Mulher no Conselho Nacional do Ministério Público entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021. O material foi enviado para o MP do Rio em 28 de janeiro de 2021 e o inquérito só foi instaurado cinco meses depois.

Desde 15 de julho de 2021, o Tribunal de Justiça do Rio autorizou uma série de medidas cautelares para proteger as mulheres que denunciam Marcius Melhem. Entre elas, a proibição de manter contato por qualquer meio de comunicação e de se aproximar a menos de 300 metros de distância.

Desde que foi instaurado, o inquérito já teve quatro delegados diferentes e trocou de promotor três vezes. No final de junho, a PGJ-RJ (Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro) nomeou a procuradora Isabela Jourdan da Cruz Moura para auxiliar nas investigações do caso Marcius Melhem. O ex- diretor apresentou petições ao STF (Supremo Tribunal Federal) questionando a designação da promotora para o caso.

Nota da defesa:

"A escolha ilegal de uma promotora que não teve nenhum contato com as investigações, em evidente violação ao princípio do promotor natural, fato gravíssimo já levado à apreciação do Supremo Tribunal Federal, resultou, como se esperava, em uma denúncia confusa e inteiramente alheia aos fatos e às provas. Ignorando totalmente os elementos de informação do Inquérito Policial, a denúncia acusa Marcius Melhem do crime de assédio sexual contra três das oito supostas vítimas. No momento oportuno, esta absurda acusação será veementemente contestada pela defesa do ex-diretor, que segue confiante na Justiça, esperando que a magistrada não dê prosseguimento ao processo, como lhe faculta a lei", informam Ana Carolina Piovesana, José Luis Oliveira Lima, Letícia Lins e Silva e Técio Lins e Silva.

Nota dos advogados das vítimas:

"A acusação do Ministério Público no caso Marcius Melhem, prontamente aceita pela Justiça, demonstra que a investigação confirmou os fatos corajosamente denunciados pelas vítimas. Em outras palavras: para o Ministério Público, Marcius Melhem cometeu reiteradamente assédio sexual. Mais que isso, a concretização da denúncia mostra que a campanha de intimidação levantada pelo assediador contra as atrizes e profissionais envolvidos nas apurações não surtiu efeito, tendo os órgãos de persecução penal cumprido seu papel. A defesa ainda não teve acesso ao conteúdo da denúncia e, por esse motivo, não pode comentar dados específicos neste momento. Confiamos no Judiciário brasileiro para que uma resposta justa e exemplar para os episódios denunciados venha com celeridade, à altura do que um caso emblemático e grave como esse exige para as vítimas e para a sociedade", informam Antônio Carlos de Almeida Castro, Mayra Cotta, Marcelo Turbay e Davi Tangerino.