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Bicho da língua grande: Juiz é afastado por ofender vítimas de abuso sexual

Do UOL, em São Paulo

10/08/2023 17h07

A Justiça do Ceará decidiu, por unanimidade, afastar de suas funções o juiz Francisco José Mazza Siqueira após ele afirmar em uma audiência que mulheres são "bicho da língua grande".

O que aconteceu:

Decisão foi proferida nesta quinta-feira (10) pelo Órgão Especial do TJCE (Tribunal de Justiça do Ceará), durante sessão presidida pelo desembargador Abelardo Benevides Moraes. A declaração do magistrado foi feita durante audiência com supostas vítimas de violência sexual que teriam sido praticadas por um médico em Juazeiro do Norte.

O colegiado acompanhou o voto da corregedora-geral da Justiça, desembargadora Maria Edna Martins, que pediu o afastamento cautelar e provisório do juiz pelo prazo inicial de 90 dias. Medida ocorre quatro dias após o Poder Judiciário estadual ser formalmente notificado sobre a conduta dele.

Para a relatora, "os fatos narrados evidenciam a incompatibilidade da permanência do magistrado no exercício de sua função pública". Disse, ainda, que "a medida é necessária para resgatar a confiança de que o jurisdicionado será julgado por magistrado independente e probo, livre de máculas que denotem infundadas suspeitas sobre o seu exercício funcional".

A corregedora-geral também ressaltou que existe uma outra sindicância em andamento em desfavor do magistrado. Destacou que, no período do afastamento, o juiz fica proibido de frequentar as unidades do Poder Judiciário, bem como ter acesso aos sistemas e manter contato pessoal com outros servidores e magistrados.

A sindicância para apurar a conduta foi instaurada ainda na segunda-feira (7), após uma das mulheres apresentar pedido à Corregedoria-Geral da Justiça. No dia seguinte, a desembargadora Maria Edna Martins foi até Juazeiro do Norte para coletar depoimentos relacionados ao caso, onde permaneceu até ontem.

A defesa das vítimas declarou que o afastamento do juiz só mostra "o dever que os juízes tem, de tratar as partes com dignidade". "Entendemos que essa decisão reafirma que os magistrados devem ter uma atuação imparcial. Parabenizamos o Tribunal pela decisão e ressaltamos que a mesma se deu de forma unânime, o que reforça ainda mais o dever de imparcialidade, que no fatídico caso, foi absolutamente violado pelo juiz", diz trecho de nota enviada pelo advogado Aécio Mota de Souza, ao UOL.

Ao nosso ver, o Tribunal de Justiça fez o que se esperava do órgão. Hoje foi um grande dia para a justiça caririense, visto que não foi o abuso de poder que prevaleceu. A medida vem em boa hora e mesmo de forma cautelar, demonstra que a postura do magistrado deve ser sempre equidistante das partes.
Aécio Mota de Sousa, advogado das vitimas

A reportagem tenta contato com o juiz e questionou o TJCE (Tribunal de Justiça do Estado do Ceará) sobre outro contato do magistrado. A nota será atualizada em caso de retorno.

Entenda o caso

O juiz Francisco José Mazza fez as declarações durante uma audiência ocorrida no dia 26 de julho. Os episódios de violência sexual narrados pelas vítimas teriam ocorrido em 2020 e 2021, durante atendimento do profissional da saúde. Em vídeos da audiência, obtidos por Universa, é possível ouvir as falas do magistrado.

Mazza também comentou que alunas "esfregavam" a genitália contra o corpo dele, quando era professor, afirmou que nem todas as mulheres eram "boazinhas" e que o comportamento das mulheres na sociedade atual era inadequado, segundo o advogado Aécio Mota, que defende três vítimas e estava na audiência.

A audiência, que durou quatro horas, foi tumultuada desde o início, de acordo com a defesa das mulheres. Uma delas passou mal e obteve um atestado médico para adiar a audiência, mas o documento foi negado pelo magistrado.

As vítimas não conseguiram falar da denúncia após a audiência, segundo o advogado delas. Os nomes das mulheres e do médico denunciado não foram divulgados em razão de o processo estar sob segredo de Justiça.

As falas dele [do juiz] deixaram quem estava na audiência chocado. As vítimas e as testemunhas ficaram transtornadas. Algumas saíram até chorando. Então, o que a gente viu foi que houve ali uma tentativa de intimidação, sem a menor dúvida. Um machismo totalmente deliberado. Um circo de horror. O que se viu foi que as vítimas sofreram novamente violência de gênero naquele ato. Foi um completo desrespeito.
Aécio Mota, advogado das vítimas

As falas do magistrado

Tinha aluna que chegava se esfregando em mim - aqui não tem nenhuma criança, todo mundo é adulto -, e dizia: 'Professor, não sei o quê, não sei o quê...', eu dizia: 'minha filha, é o seguinte, quando eu deixar de ser seu professor, você faça isso comigo. Certo?'
Juiz Francisco José Mazza durante audiência

Quem acha que mulher é boazinha, estão tudo enganado, viu. Eita, bicho... bicho de mão pesada, bicho da língua grande e que chuta nas partes baixas são as mulheres. Achar que mulher é boazinha... Estou dizendo isso, doutor, no sentido que vocês são fortes.
Juiz Francisco José Mazza durante audiência