Julia Konrad sobre estupro conjugal: 'Acordava e já estava acontecendo'
Convidada do "Desculpa Alguma Coisa", videocast de Universa com Tati Bernardi, Julia Konrad comentou sobre ter sofrido estupro conjugal. Em julho de 2020, a atriz relatou ter sido vítima em um antigo relacionamento, que ela descreveu como abusivo.
Julia Konrad: "Estupro conjugal não é um termo novo, mas a maneira como você entende o que é, é novo. Antigamente você via como um cara que casou com a menina novinha e força relações sexuais ou o cara que bate, uma coisa violenta. O que a gente está entendendo hoje são as nuances do consentimento, quando ele existe".
"Há algumas dinâmicas de poder em alguns relacionamentos onde o consentimento não é dado porque não tem como você dar o consentimento porque a pessoa se sente coagida. Porque vai parar na rua, vai gerar uma briga, ameaças. Isso é o que mais acontece", continuou.
É uma dinâmica normal, construída por séculos, onde a mulher é vista como propriedade, tem o dever de satisfazer o marido. A gente vive em uma sociedade que prepara a gente pra isso. Julia Konrad
A atriz deu exemplos, citando o que sofreu. "E aí você tem um monte de mulheres com disfunções, que não têm libido, acham que o problema é com elas. Isso fora as grandes coisas que podem acontecer num relacionamento. Quantas mulheres não acordam com o marido ali dentro? Isso acontecia comigo. Eu acordava e [o sexo] já estava acontecendo. Mas era namorado, eu achava que estava tudo bem".
Julia diz ter achado que havia algum problema com ela. "[Pensava] 'está doendo, espero que ele termine logo'. Aí você entende que, em algum lugar, teu corpo não responde àquilo. Eu achava que era frígida, que era um problema totalmente meu. É meio que essa lavagem cerebral. 'O problema sou eu, então é isso'."
A atriz conta que tentou conversar com o então companheiro, mas recebeu uma reação violenta. "Conversei no início do relacionamento, tentei. A reação foi bem violenta. Muito violenta. Daí fiquei meio que: 'Tá, talvez seja eu'".
E aí fui cada vez mais me apagando, me anulando e, pra mim, era normal sangrar, doer, quando ia fazer xixi depois. Só fui entender tudo isso anos depois. Quando eu decidi escrever a carta [carta aberta onde relata o estupro], foi um ano depois de ter elaborado isso. Caiu a ficha na terapia. Julia Konrad
Julia revelou como percebeu que havia sido vítima. "Eu tinha uma questão no sexo. Eu estava muito animada porque gostava de transar. E aí começamos a investigar passados e parceiros e caiu a ficha. Minha terapeuta pegou na minha mão e disse: Julia, isso que você está me descrevendo é uma violência sexual. Você foi vítima de abuso sexual, de estupro. Fui desbloqueando memorias, lembrando de mais coisas, fui elaborando tudo isso, até que eu precisava fazer algo com tudo aquilo".
Ela justifica por que tornou público o que ocorreu. "Na época das agressões, uma mulher tem até seis meses pra denunciar, depois não pode mais. Essa lei mudou, mas ela não retroage. Então o que eu podia fazer era falar sobre minha experiência".
Muitas mulheres me escreveram depois. Isso pra mim foi tão importante. Foi a validação de que o que eu estava fazendo era certo, e era o que eu devia ter feito, porque eu me expus bastante ali, expus uma parte privada, muito íntima. Julia Konrad
"Eu estava em um relacionamento muito saudável na época e curei muita coisa. Ele me deu suporte, estrutura. Lembro de ter escrito a carta, minha mãe ter ligado, chorando, dizendo que sabia que tinha algo errado", completou.
Julia disse, ainda, se acredita que conversar com o agressor é válido. "Depende do cara. Acho que você tem que estar num lugar de muita segurança e não se expor pra mais violência. Acho que se você, como vítima, acha que tem essa abertura e essa cara não vai reagir de uma forma que vai te machucar mais ainda, é uma conversa muito válida de se ter. Porque não sei até que ponto eles sabem que o que estão fazendo é errado".
"Toda mulher já sofreu um abuso. O beijo roubado na balada, a gente começa aí. Mas para essa geração nova, consentimento é sexy. Vejo que está se falando muito sobre isso, que ele tem que ser dado, checado ao longo do processo", pontuou.
Saúde abalada após separação e perda de amiga
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Quero receberJulia Konrad contou que 2022 foi um ano tumultuado, com uma separação e a perda de sua melhor amiga.
Julia Konrad: "Minha fisio falou que eu gabaritei tudo da face. Tive um ano muito delicado. Fora a política, me separei e perdi minha melhor amiga de infância com nem um mês de intervalo. Foi um acidente, ela ia fazer 32 em um mês".
A atriz contou mais sobre a amizade. "Sou de Recife, mas minha familia é do Sul. Morei em Buenos Aires. Em toda minha vida morando em países diferentes, a gente sempre manteve contato. Quando eu voltei para o Brasil, ela me acolheu. Meus amigos hoje em Recife são os amigos dela".
Julia contou que a separação e a perda da amiga em sequência lhe trouxeram problemas de saúde. "A gente ficou junto três anos e um pouquinho. E foi tudo no mesmo mês. Separei no início de fevereiro e ela faleceu no final. Eu entrei numa espiral. Travou tudo. Esse zumbido no ouvido começou exatamente um ano depois da minha separação. Comecei a me sentir mal no dia, é uma coisa louca o corpo".
A atriz afirmou que a terapia a ajudou a passar pelas perdas. "Não tem como ficar sem [terapia]. Fazia de adolescente, tinha parado depois que fui fazer faculdade em Nova York. Fiquei 10, 15 anos sem e foi o grande erro. Voltei na pandemia, com uma terapeuta argentina, não me achei aqui. Não voltei pra mesma, faço online, aproveito e pratico o espanhol e agora tô meio que indo e vindo de Buenos Aires. Quando estou lá, faço presencial".
Julia contou também que evita conflitos na internet. "Tenho medo de conflito. Não sei por que, estamos investigando na terapia. Não gosto, eu travo, fico mal, com medo, tudo. Hoje, a internet é terra de ninguém. Vai te trazer paz de espírito bater boca na internet? Não. Você vai se envolver num debate que já tá rolando, pra quê? Se você tem um problema real com alguém, chama pro café e resolve. Na pandemia eu queria comprar briga de BBB. Depois parei. Hoje [aceito] tudo que puder me ajuda a ter menos ansiedade e mais paz de espírito".
Experiência sensível com diretor
Julia Konrad relatou o encontro que teve com o diretor de cinema Breno Silveira, alguns dias antes de sua morte.
Julia Konrad: "A gente tinha rodado em Paraty (RJ) a segunda temporada de 'Dom'. E aí no Carnaval do ano passado, que não foi na época mesmo, acho que foi em maio, eu estava voltando da Sapucaí, no amanhecer. Começamos a andar em direção ao hotel e a gente viu os carros de época e uma equipe de filmagem. Alguém brincou: 'um set, o Breno deve estar aqui'. E de repente alguém grita: 'saiam do meu plano'. E era ele".
Eu olhei, saí correndo e dei um abraço nele. A gente conversou, se despediu e quando estava voltando pro hotel, eu comecei a chorar copiosamente. Não conseguia parar de chorar, uma tristeza bizarra. Cheguei ao hotel, mandei mensagem pra ele, que tinha adorado vê-lo. Dez dias depois, ele faleceu. Julia Konrad
A atriz contou sobre sua relação com o diretor. "O Breno eu considerava quase meu padrinho. Foi o sim mais rápido que já recebi na vida. Foi a primeira vez que alguém me bancou. E isso, pra mim, me ajudou num lugar de autoestima profissional muito importante, porque eu vinha de uma temporada de 'Malhação' que não tinha ido muito bem, a personagem não foi tão bem recebida".
"Sinceramente, o roteiro daquela 'Malhação' era todo errado. Eles colocaram como vilã uma menina que sofre um abuso sexual de um ex-namorado, engravida e essa é a vilã. Era muito complicado. Tive muitos problemas com esse projeto. Então, depois disso, ter um cara como o Breno bancando, uma equipe incrivel... Fiquei muito próxima do Breno. Quando veio 'Dom', ele fez o impossível para eu entrar na série. A personagem era italiana e ele modificou", completou.
"Distância erotiza"
Julia Konrad conversou sobre suas expectativas de relacionamentos.
Relação sem rótulos com pessoa que mora longe. "Nunca estive muito tempo perto dessa pessoa. Quando a gente se vê, é tudo, lindo, maravilhoso, porque a distância erotiza. Você cria uma ilusão, uma idealização da pessoa. É muito erótico".
Encontrar um relacionamento. "Eu estou tão bem nesse momento, eu comigo mesma. Pra mim, está dando certo assim, tá ótimo. Estou vivendo a leonina com ascendente em leão pela primeira vez na vida".
Términos. "Nunca terminei por WhatsApp. Só terminei um relacionamento na minha vida. É que eu fico além do prazo de validade porque não quero ir embora. É seguro, confortável. Até hoje preciso agradecer o Pedro [último namorado]. Ele disse: 'A gente se ama muito, mas precisamos resolver umas coisas'. No fundo, eu estava dando graças a Deus. Mas demorei pra achar o fundo. Hoje, eu olho e realmente falo: Obrigada".
Preguiça. "Já desmarquei date por preguiça. Pra eu sair da minha casa, da minha cama, tem que valer muito a pena. Pra qualquer coisa, rolê, amigos. Se eu fui ao seu aniversário, eu te amo muito".
Brasileiros ou argentinos? "Minha primeira vez de tudo foi na Argentina. Não sei se estou enviesada, mas acho que os brasileiros são muito afobados. Eu preciso de um tempo. Os argentinos fazem a gente ficar com vontade".
Relacionamento aberto. "Todas as minhas relações foram monogâmicas. Nunca pensei em abrir. Numa época, eu tinha até preconceito com isso. Mas dado esse meu último ano de experiências comigo mesma, talvez, da próxima vez que eu me relacione, seja em outro modelo. Não sei se esse, mas não seria esse que eu vinha me relacionando, de mais tradicional".
Amor e atração. "Você pode amar muito uma pessoa, mas não significa que não possa sentir atração por outra. Eu nunca traí, mas não quer dizer que nunca senti atração, vontade. Era uma coisa ética minha. Mas hoje entendo que consigo estar gostando muito de uma pessoa, tendo sentimentos reais, mas ainda assim me sentir atraída por outras pessoas".
Já falou que uma pessoa era o amor da vida sem ser? "Sim. Até hoje tenho vergonha de mim porque sei que machuquei essa pessoa. Falei muita coisa que não devia ter falado. Pouco tempo depois, vi que não era nada daquilo. Ele ficou muito mal. Até hoje tenho muita vergonha desse comportamento".
"Maternidade não é um desejo"
Julia Konrad disse ter percebido que não quer ser mãe. "Tô com uma decisão cada vez mais clara e tomada que não quero ser mãe. Maternidade não é um desejo, não é sonho. Admiro muito as mães. Deve ser o maior amor do mundo. Eu achava que queria ser, tinha uma época que falava que era meu maior sonho e realização. mas eu estava replicando algo".
Percebi que eu não quero. Está muito claro. Cheguei a fazer exame pra congelar óvulos e depois desisti. Quando eu tive essa realização, eu tive outra, que foi muito libertadora. Julia Konrad
A atriz contou a outra realização que teve. "Se eu não quero ser mãe, por que eu preciso de macho? Por que preciso ir atrás de relacionamentos longos, casamento? Eu já convivi com três pessoas com quem me relacionei e hoje acho que estar vivendo uma situação amorosa, que não existe rótulo, tem me liberado uma energia..."
"A gente está longe, cada um tem sua vida, mas quando estamos juntos, estamos. Minha energia ficava exclusivamente no relacionamento, minha libido. Era algo que me preenchia, me dava prazer", completou.
Julia disse ter decidido ficar ao menos um ano solteira, após emendar vários relacionamentos. "É a primeira vez que tô há tanto tempo solteira, sempre emendei. Me dei uma condição de pelo menos um ano. Dei uma apaixonada, mas tô aprendendo muito sobre mim mesma".
Depois desse ano obrigatoriamente solteira, percebi que a energia que tenho agora é pras minhas coisas, meus momentos, nem que seja ficar deitada na sala escutando música e não precisar ser validada por um relacionamento. É muito louco. Julia Konrad
A atriz contou a reação da família. "Meu avô veio me visitar e ficou: 'Você não pensa em casar? Não quer ser mãe?' E ele está realmente muito preocupado".
"Eles são gaúchos, [meu avô] é um patriarca com quatro filhas mulheres. Todas se casaram cedo, sou a primeira neta, a segunda já está casando. Então eles estão muito preocupados com meu futuro", completou.
Ditadura da autoaceitação
Julia comentou sobre o "skin positivity", movimento que incentiva a aceitação da pele, e os problemas que teve ao tratar um problema de acne.
Julia Konrad: "Acho importantes as campanhas de autoaceitação, a gente precisa ter. Mas a gente vem de décadas, séculos, de ser doutrinado de uma forma. A gente não vai virar uma chavinha e mudar da noite pro dia. Isso é tão tóxico quanto você querer se enfiar dentro de um padrão de beleza".
Eu estava sofrendo por isso, porque eu tinha que aceitar a espinha, aceitar como eu era. Pensava: 'Como eu vou militar se eu não me aceito?'. E aí a chavinha mudou e eu entendi que virou uma ditadura também. Minha acne era uma doença da pele, eu estava tratando ela pra não sofrer. Julia Konrad
"Fiz todo o tratamento e aí a chavinha mudou nesse lugar. Em trabalho eu ia e ficava com muita vergonha. Escutei tanta coisa de maquiador, que machucava. A gente trabalha com a imagem. Tem que fazer muita terapia", completou.
A atriz criticou os extremos. "A gente não pode ir pra nenhum extremo. Comecei a ver isso quando chegou aqui um movimento pró cabelo cacheado, uma técnica especifica. Eu comecei a entrar em grupos de Facebook e vi muito: 'você não pode isso'. É uma prisão".
Julia se sentiu feia na adolescência. "Eu era muito diferente das argentinas [a atriz morava na Argentina]. Elas tinham um cabelão até a bunda, o meu era cacheado e eu não sabia cuidar. Eram magérrimas, mas sem bunda, quadril, e eu tenho, sou brasileira. Eu tinha espinha, usava aparelho. Aí fui pra Nova York e comecei a ver outros tipos de corpos, cabelo, tudo. Foi quando aceitei meu cabelo cacheado".
"Pago de cult"
Julia Konrad lembrou de quando virou meme por seu papel em "Geração Brasil" (Globo). Na cena em questão, a personagem de Julia canta a música "Royals", da cantora Lorde.
Julia Konrad: "Virei meme em 2014 pelo meme da Lorde em 'Geração Brasil'. É engraçada. Sempre acho um elogio [quando a comparam com a Lorde]. Desde pequena, me falam da Ana Paula Arósio, me confundem também com a Tainá Müller e tem a Lorde. Na cena, todo mundo estava meio envergonhado, porque não tinha nem pé nem cabeça. O diálogo não fazia sentido".
Eu começo a cantar do nada. Se você vir fora de contexto, é engraçada. A Lorde estava bombando na época e rolava essa piadinha, 'É a Lorde do Agreste'. Foi maravilhoso. Eu entendi o nível que tinha virado esse meme na pandemia, quando ele viralizou no TikTok. Julia Konrad
"Eu sou meio 'bagaça'. Eu pago de cult. É minha descrição do Twitter: pago de cult, mas adoro uma 'bagaça'. Às vezes nos Stories no Instagram rola uma bagacinha, é bom", brincou.
Julia contou a importância do seu papel em novela para a carreira. "Eu estava em Nova York. Voltei para o Brasil porque meu visto de estudante estava vencido e não ia conseguir renovar. Estava namorando um americano, cogitei casar para ficar e algo me disse 'não'. Voltei para o Recife e a Globo estava fazendo pesquisa de elenco para 'Geração Brasil'. Se eu não tivesse voltado naquele momento, nada teria acontecido ou não daquele jeito. Depois, fiz 'Malhação'".
Ela se deslumbrou um pouco na época da novela adolescente. "Não sei como essa galera ainda gosta de mim. Eu era a mais velha do elenco. Eu me afastava, não ia pras confraternizações, me achava muito madura pra aquilo e foi um grande erro, porque perdi a oportunidade de me conectar com pessoas maravilhosas com que me conectei em outro momento. Eu era insuportável. (...) Queria tanto me provar boa, que me vissem como atriz séria, um preconceito meu comigo mesmo de fazer 'Malhação'".
"Também tinha muitas questões com a personagem e eu tinha 25 anos. Perdi uma grande oportunidade de ter tido memórias legais", lamentou.
A atriz explicou ainda como se mudou para Buenos Aires. "A família da minha mãe é do ramo da gastronomia. Meu avô levou o churrasco gaúcho para o Recife e Buenos Aires. Ele tinha uma churrascaria lá e, em 2001, quando teve uma crise na Argentina, meu avô falou: 'Preciso de alguém pra dar um jeito lá. Se vocês conseguirem, o negócio é de vocês e vocês ficam por lá se quiserem'. Minha mãe queria sair do Recife, porque estava muito violento. Ela pegou essa oportunidade. Fomos pra ficar seis meses e ficamos dez anos".
"Eu amei Buenos Aires. Cheguei lá com 11 e foi uma adolescência muito gostosa, porque a gente teve uma liberdade e segurança que em Recife eu não teria tido. Foi lá que comecei a fazer teatro no colégio", contou.
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