Moda penitenciária: 'Transformei roupa de visita em objeto de desejo'
A vida de Camilla Bez, de 31 anos, mudou drasticamente há 11 meses, quando o marido foi preso. Ela estava na "rua da amargura", como diz, quando viu nas visitas ao cadeião de Sorocaba, no interior de São Paulo, uma oportunidade de negócio: investir na "moda penitenciária". Virou "cunhada", com se chamam as mulheres de detentos, e empresária.
A grande sacada da paulistana foi surfar nas inúmeras regras de vestimenta impostas pela administração das penitenciárias, que proíbem decotes, acessórios e cores neutras.
"Eu brinco que transformei roupa de visita em item de desejo. É muito gratificante ver a revolução de comportamento das meninas com as roupas. Elas agora falam: 'vou arrasar na visita' em vez de 'parece que estou indo lavar a casa'", conta Camilla, que sustenta a família só com o lucro do "Bazar da Bez".
Isso pode parecer ridículo para quem está de fora —e nos julgam muito. Mas, para mim, é devolver a autoestima e o valor que a sociedade sempre quer nos tirar por estar ao lado de alguém que errou e está pagando."
"As mulheres da fila deixavam a autoestima em casa"
Camilla, que já foi cabeleireira e maquiadora, conta que as roupas estão em sua vida desde a adolescência, quando vendia peças no Brás — zona de comércio popular na capital paulista. Chegou a trabalhar como ambulante na Feirinha da Madrugada, mas parou quando a filha nasceu. Sete meses depois, viu a rotina de dona de casa ser interrompida pela prisão do marido.
"Logo nas minhas primeiras visitas ao Centro de Detenção Provisória de Sorocaba entrou uma resolução da SAP [Secretaria de Administração Penitenciária] com um padrão de vestimenta para as visitantes de todas as unidades do estado, que proibia roupas neutras", lembra.
Fã de cabelos coloridos, ela não viu problemas com a resolução, mas percebeu que as colegas tinham medo de ficar "ridículas" com os looks que escolhiam para as visitas.
"Elas pensavam que poderia ficar simples e feio por ser basicamente legging e camiseta. Notei na fila que as pessoas deixavam a autoestima em casa, ninguém parecia se sentir bonita com o que estava vestindo", diz.
Foi então que Camilla teve a ideia de ajudar outras "cunhadas" antes dos encontros com os parceiros na cadeia. "Quem quer ir para o 'date' sem se sentir bonita? Achei que era uma necessidade para as meninas se sentirem bonitas", explica.
"Muitas clientes usam as roupas para trabalhar"
Camilla enfrentou seu primeiro desafio antes mesmo de começar o negócio. Sem dinheiro para fazer um estoque de roupas, vendia as peças sob encomenda, pedindo um adiantamento do valor.
Assim, foi estruturando o sonho da "moda penitenciária", que passou a ajudar a manter suas visitas ao marido — que exigem viagens da capital até o interior de São Paulo.
"As entregas eram nos dias de visita lá no CDP mesmo. Com o sinal, eu conseguia comprar as mercadorias e entregava no final de semana. Já na minha primeira semana foram 15 pedidos. A novidade foi se espalhando na fila, e a cada semana eu vendia mais."
Animada com o sucesso, decidiu divulgar suas roupas nas redes sociais e aí alcançou milhões de visualizações no TikTok.
Mas, antes mesmo de viralizar, a venda de peças já não era apenas "ajuda de custo", mas fonte de renda. Logo contratou uma funcionária, Aline — que conheceu na fila do CDP.
Não fui eu que criei esse tipo de comércio, mas eu virei a chave do que as meninas queriam. Fiz um trabalho mais dedicado, que fugisse do padrão 'triste e de 'necessidade'. Hoje tenho muitas clientes que usam as roupas na academia ou para trabalhar."
O próximo passo, segundo Camilla, é abrir a primeira loja física. Ficará no bairro da Barra Funda, em São Paulo, onde fica a rodoviária de onde saem os ônibus que levam as mulheres às prisões do interior.
Sucesso mudou rotina de visitas ao marido preso
Após 11 meses de visitas, o marido de Camilla ganhou o direito ao regime semiaberto e foi transferido para o Centro de Ressocialização de Itapetininga, também em São Paulo. Apesar do benefício, os encontros do casal ficaram mais raros graças ao sucesso do "Bazar da Bez".
"Antes, eu fazia visitas a cada 15 dias, agora vou só uma vez por mês. Mas em breve ele ganha a liberdade para viver esse sonho comigo. Espero mudar o olhar de algumas pessoas de que as mulheres de preso dão 'apoio' para eles seguirem no crime. Quero ser inspiração para mulheres que vivem isso. Não se sintam inferiores", afirma.
Não posso dizer que acho ruim as restrições de vestimenta, elas são necessárias para a nossa segurança e a dos detentos, mas infelizmente acaba com muito da personalidade da pessoa, porque moda é criatividade e personalidade. Um presídio talvez não seja o melhor lugar para pensar nisso, mas a gente dá um jeito, se não tem como fugir dessa situação, vamos vivê-la de cabeça erguida."