'Vi minha mãe sofrer racismo e decidi que seria milionária. Consegui'

Ana Minuto, 47, se lembra com todas as letras do nome da chefe racista que humilhou sua mãe por anos. Ela ainda era uma adolescente e não entendia por que a mãe engolia os constrangimentos em silêncio. Então, aos 16 anos, tomou uma decisão: seria milionária. Conseguiu.

"Minha mãe tinha que trabalhar para cuidar de três crianças e passou por muita humilhação. Foram episódios de racismo, de invalidação e de desrespeito que me fizeram pensar: 'Não, isso não é para mim, não vou passar por isso'", contou Ana em entrevista a Universa.

Foi dessa inquietação que surgiu, anos depois, a Minuto Consultoria, onde ela desenvolveu uma metodologia de coaching focada nas especificidades de profissionais negros e de afroempreendedores. Com seu trabalho, Ana já atendeu mais de 6 milhões de pessoas e passou por grandes corporações como Google, Tim, Netflix e Fiat.

"Minha mãe tinha uma comunicação fantástica. Em alguns momentos, eu pensava que ela era submissa, mas era a forma dela de lidar com tudo o que acontecia naquele momento, porque nas horas certas ela sabia se posicionar e era extremamente assertiva. Pensei: é essa comunicação que vou usar e ter essa visão do todo como minha mãe tinha", afirma a coach.

No front

Maria da Penha Nascimento Jesus Benedito de Campos, mãe de Ana, morreu vítima de um câncer quando a coach tinha 33 anos. O legado que ela construiu, no entanto, segue como uma herança indissociável da família: a luta pelos direitos das pessoas negras e das mulheres.

Entre tantas causas pelas quais lutou no extremo leste de São Paulo, a ONG Fala Negão, Fala Mulher, que há mais de 30 anos acolhe vítimas de violência doméstica e racial, é um dos trabalhos mais notáveis de Maria da Penha —Ana assumiu o comando por alguns anos após a morte da mãe.

"Ela sempre dizia que era totalmente alienada dessas questões até se casar com meu pai. Então, ela se casou e sofreu violência doméstica. Quando eu tinha 4 anos, meu pai abusou de mim. Foi nesse processo que minha mãe despertou. Ela se separou, colocou meu pai na cadeia e começou um trabalho muito forte de ativismo social", conta Ana.

Nesse período, Maria da Penha e as três filhas, Ana, Lucinete e Elizabeth, participaram de todo o movimento que deu origem a importantes instituições que atuam até hoje pelo fim do racismo no Brasil, como o Movimento Negro Unificado e o Instituto Geledés.

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"Minha mãe levava a gente para tudo quanto é lugar: para o samba, para a marcha, para a política. Nós fomos moldadas nesse ambiente sabendo o que é ser uma pessoa negra", afirma Ana. "Posso ter um R$ 1 milhão, R$ 10 milhões, que o meu dinheiro continua valendo menos do que o das pessoas brancas. Sei que meu esforço para ter esse dinheiro é muito maior."

'Só chegamos onde nossos olhos enxergam'

Ana começou a trabalhar aos 14 anos em um escritório de contabilidade. Depois, foi trabalhar com a mãe, que era costureira. Passou por outros lugares, ficou desempregada, se tornou funcionária dos Correios, trabalhou com tecnologia quando a internet chegou ao Brasil, na década de 1990, se formou em sistemas da informação, empreendeu e, por último, se tornou coach.

"O curso de coaching me deu um start porque por mais que eu quisesse ser rica, não sabia como", ela diz.

Ana conta que o curso respondeu a duas perguntas. Primeiro, por que as pessoas pretas são tão potentes e não conseguem avançar? E, segundo, por que mulheres, independentemente da etnia, também não conseguem chegar lá? Ela diz que, nesses casos, o maior desafio está relacionado à baixa autoestima.

"A maioria dessas pessoas foram criadas por mulheres pretas muito fortes, resilientes e planejadoras, mas o que nos foi contado é que uma mulher que é empregada doméstica, por exemplo, não tem valor. É importante ampliar a consciência e ver que é possível buscar novas possibilidades, entender que é só uma história que te contaram e que você tem que começar a contar a sua", ela explica.

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"Precisamos entender que só chegamos onde nossos olhos enxergam. Meu tio, há 40 anos já tinha feito faculdade, então, para mim, era possível fazer faculdade. Minha mãe já tinha viajado para o exterior com o ativismo social, então ela nos mostrava que era possível", afirma.

Ela diz que seu foco na mentoria é, principalmente, o fortalecimento do espírito e da mente, sobretudo no que diz respeito ao reconhecimento da identidade negra e das origens ancestrais.

"Esse processo empresarial é muito desafiador. Como eu não sei para onde quero ir, faço tudo o que o branco falar", afirma. "Por isso é importante essa reverência à ancestralidade, de separar o que é meu, o que é do outro e entender, também, o que é do racismo."

Ana diz que, nesse momento, sua maior ambição é levar a Minuto Consultoria para países da África que falam português e atingir outras milhões de pessoas com o seu trabalho. Ela também quer conhecer mais 30 países.

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