Ela ensina minas a chegarem em minas: 'Não quero ser como um macho escroto'

Uma festa lésbica em São Paulo foi a inspiração para a soteropolitana Gisele Palma, atualmente com 230 mil seguidores no Instagram, falar sobre uma dificuldade no mundo das sáficas — mulheres que têm interesse em mulheres: a vergonha ou uma suposta falta de repertório para chegar nas crushes.

Quando viu aquele espaço repleto de mulheres de cima, notou só quatro casais se beijando. "Em uma balada para homens gays ou de público hétero, você veria muito mais pegação", refletiu ela. Em seus vídeos, ela ensina como paquerar nos aplicativos de relacionamento, na balada e onde mais a oportunidade de conquistar outra mulher surgir, sem tabus.

Além das dicas de paquera e sexo, Palma, que é lésbica, fala sobre educação sexual e menstrual, mas de uma forma feita só para as minas. São desde garotas que procuram se orientar para as primeiras vezes até mulheres maduras que descobriram a homossexualidade ou a bissexualidade após anos casadas com homens, por exemplo. As mulheres trans também estão em seu público.

Quem tem medo do fora?

As principais dificuldades enumeradas pelas seguidoras de Palma são:

  • não saber se a crush de fato se interessa por mulheres;
  • medo de levar fora;
  • não saber como iniciar a conversa;
  • não saber como desenvolver o papo até o momento de ficar.

Um dos primeiros conselhos é não assumir de cara que aquela mulher não se interessaria por outras. "Se você não conseguiu captar pelo comportamento que ela é lésbica, bi ou tem alguma orientação nesse sentido, você simplesmente pressupõe que ela não é hétero e chega nela", indica a educadora sexual, às leitoras de Universa.

A aparência feminina, segundo ela, faz com que as mulheres sejam quase sempre lidas como heterossexuais.

Outro conselho é que levar fora faz parte do jogo. E não faz sentido ter medo dele. "O fora é uma das duas consequências possíveis para a sua atitude. Se você chegou na menina e ela te deu um fora, tudo bem. Você vai seguir o baile. A outra possibilidade era ela ficar com você. E olha que incrível! Então, não seja pessimista de ficar pensando no fora".

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Quem não sabe como puxar conversa pode começar com naturalidade e pelo básico. Elogiar a aparência, perguntar se está acompanhada e dizer que gostaria de bater um papo. "Não tem mistério. Seja educada e cordial", diz.

A partir daí, é tentar controlar o nervosismo e deixar que a conversa flua de forma espontânea. "Tem assuntos-chave que você pode perguntar: se ela está gostando da festa, caso estejam em uma. Se ela tiver amigos em comum, você pode perguntar onde se conheceram. Astrologia, séries, filmes, músicas. Assuntos que todo mundo tem algo para falar a respeito", ensina.

Bissexuais têm mais medo?

A cineasta Marina Anderi, 27, sempre achou mulheres atraentes, mas acreditava ser hétero. "Na binaridade da vida, era fácil ignorar minha atração por mulheres", conta ela a Universa.

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Já a veterinária Giovana Angeli, 25, teve as primeiras experiências com homens e mulheres relativamente na mesma época, mas sofria com a timidez. "Estou mais acostumada a esperar que cheguem em mim e ver no que vai dar."

Em comum, ambas tinham receio de chegar em mulheres.

Giovana Angeli, veterinária de 25 anos
Giovana Angeli, veterinária de 25 anos Imagem: Arquivo Pessoal

A heterossexualidade "compulsória" está por trás desse receio com a zona desconhecida, segundo Palma.

"Em nossa criação, temos referencial de como paquerar homens. Entram aí também as expectativas de papéis de gênero, em que o homem é quem toma a atitude e a mulher fica aguardando", diz.

Quando o flerte é entre duas mulheres, essa obrigação em dar o primeiro passo se perde. O medo de ter uma abordagem que se pareça com a que Marina observa neles também é um fator que impede sua iniciativa.

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Eu não quero parecer um macho escroto. Nisso, não faço nada, porque não quero deixar a pessoa desconfortável.
Marina Anderi

A violência de gênero tem tudo a ver com esse medo em incomodar.

"Nós sofremos importunação sexual desde a infância. Somos puxadas pelo braço nas festas. Precisamos planejar como vamos dar o fora de modo a não irritar o homem por medo de uma retaliação dele. Isso nos atravessa de uma forma brutal. Assim, não queremos de forma alguma ser para outra mulher o que um homem agressivo é para a gente", explica.

Esse medo pode ser superado com o exercício de se lembrar que, enquanto mulheres, não há a intenção de oprimir ou violentar suas semelhantes.

É claro que precisamos combater de forma assertiva a conduta de mulheres que reproduzem o machismo. Mas é importante estarmos atentas para nosso lugar na sociedade.
Gisele Palma

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A importância da representatividade

O prazer e os corpos das mulheres estão em segundo plano na maioria dos conteúdos eróticos ou de educação sexual. Palma acredita que é necessário colocá-las no centro da discussão para desmistificar os próprios corpos e formas de prazer.

Dentro do recorte da sexualidade, segundo Palma, as que não performam feminilidade, as pretas e as trans são ainda mais esquecidas.

As seguidoras relatam medo de tudo quando o assunto é sexo. "Isso me faz pensar sobre a falta do autoconhecimento. Geralmente, as meninas mais desesperadas sobre não saber o que fazer com outra mulher também não se tocam e não sabem se proporcionar prazer. Se você não conhece seu próprio corpo, a ideia de dar prazer a outra se torna angustiante", ressalta.

Incluir as mulheres trans na discussão também é essencial. "O que mais costumo ouvir delas é que é comum se deparar com transfobia entre as mulheres lésbicas", relata Palma.

A educadora sexual conta que, recentemente, depois de publicar um vídeo em que falava sobre a importância de acolher mulheres trans dentro do movimento lésbico, recebeu dezenas de comentários de mulheres cis que rechaçaram seu posicionamento.

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Quando você é uma mulher lésbica que bate no peito para dizer que é porque gosta de vulva, está reduzindo algo muito mais complexo e bonito a um órgão genital. Custo a acreditar que em 2023 ainda seja necessário argumentar com esse tipo de gente.
Gisele Palma

O Brasil ocupa há 14 anos seguidos o primeiro lugar da lista de países que mais matam pessoas trans no mundo. Das 131 mortes contabilizadas em 2022, 130 foram de mulheres trans e travestis.

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